sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

A propósito do frio que nos assolou esta semana

AS NEVES DA SAUDADE, E OS FRIOS GELADOS QUE SENTIMOS, TROUXERAM-NOS À LEMBRANÇA, AUGUSTO GIL
     “Batem leve, levemente, como quem chama por mim, será chuva, será gente, gente não é certamente e a chuva não bate assim”.
   Parafraseando um famoso poema de Augusto Gil, sentiu-se uma vez mais o frio gélido dos glaciares, vindo do norte do país, onde as neves, sem causarem espanto, caíram impiedosamente, deixando tudo e todos, bem contentes, mas também bastante contrariados por verem seus planos falharem por a malvadez e crueldade do frio, terem proibido o trânsito, por vias de circulação fundamentais, proporcionando a morte e o desânimo a muitos, mas compensando muitos milhares de crianças que ansiavam por ver ao vivo as neves constantes dos muitos contos de adormecer, narrados por seus pachorrentos avós.
    A neve que pintou de branco quase todo o Portugal, só não manchou os solos do litoral lisboeta, até ao Algarve, mas fazendo -os passar por temperaturas, que embora Inverno, eram impensáveis, uma vez que não estavam habituados a um frio tão intenso e duradouro.
    A neve caiu no norte e foi pousar delicadamente em outros lugares onde ela era rara, tal qual Lisboa, e então foi um deliciar da juventude, que frio só sente, depois de ver de igual cor os seus cabelos, de um desfiar de histórias memoráveis de outros tempos em que o Inverno era bem mais rigoroso, e as habituais brincadeiras com esses flocos que do céu foram tombando incessantemente.
   Na região litoral, bem junto à foz do Tejo, chegamos a pensar, devido à pouca distância que a neve caía, que ela viria fazer-nos de novo uma visita, como acontecera em grande força há 58 anos, precisamente a 4 de Fevereiro de 1954 e mais tarde em 2010, mas muito ao de leve, quase “como quem chama por mim”, já neste século, mas na realidade ela não tingiu de alvo as estradas, os campos e os telhados das casas, mas deu para observarmos, via televisão, que na realidade, apesar de maravilhosa, era dura de suportar.
     “Fui ver. A neve caía do azul cinzento do céu. Branca e leve, branca e fria…Há quanto tempo a não via!...E que saudades, Deus meu!”
     A neve é sempre recebida com grande nostalgia, mas os pobres, os descalços, os sem abrigo, esses certamente, não a desejariam por perto, contudo os mais novos, esses deliraram, brincaram e certamente irão recordar-se desses dias o resto de suas vidas, se acaso não tiverem a oportunidade de voltarem a vê-la, como nós que, já sentimos saudade de tantos anos se terem passado sem a termos bem junto das nossas mãos, a enregelar-nos o coração, agora só pedimos aos céus que continuem a esquecerem-se desta zona, e ser mais benévola noutras, porque a idade já não nos permite suportar tais temperaturas e que nos perdoem todos aqueles que ainda não tiveram o gosto e consolo de se rebolarem no seu seio, mas a verdade é que, de momento, e com todas as facilidades concedidas pela Comunidade Europeia, toda a demagogia que reina nos nossos governantes e políticos, ainda não se conseguiu arranjar condições para a receber.
   Não existem viaturas suficientes para desimpedirem as estradas e deixar circular livremente os automobilistas que giram no seu quotidiano de trabalho.
     Não existem locais onde esses pobres coitados, filhos da infelicidade se possam recolher com mais calor e carinho, pese embora a grande boa vontade das organizações voluntárias que os apoia e que tudo fazem para minimizar o seu sofrimento, mas sempre muito pouco para o que é necessário e por muito incrível que pareça, e com tanto “Magalhães” distribuído pelas escolas do país, que acabou por ser numa enorme propaganda eleitoralista, ainda hajam escolas que têm de fechar por não terem aquecimento dentro das salas de aula.
  Arrepiante, doloroso e inconcebível mesmo, depois das retóricas, incompreensíveis teorias e discussões que ouvimos das oposições na Assembleia da República, das vaidades e anúncios governamentais, embora desta vez não hajam devido à Troika, como foram os badalados e grandiosos investimentos que se previam no país, como a construção do “TGV”, de novas pontes, aeroportos, novas auto-estradas, o frio agora anunciado lembrou-nos essas épocas em que a neve caiu por aqui em abundância, apanhando toda esta gente do litoral português desprevenida porque a essas temperaturas não está habituada, mas mesmo assim obrigarmo-nos ainda a declamar, com um certo amargo na boca, tristeza e mesmo impotência de nossa parte, o arrepiante final do velho poema de Augusto Gil.
   “Que quem já é pecador sofra tormentos, enfim!... Mas as crianças, Senhor, por que lhe dais tanta dor ?...Para que padecem assim ?...”
&&&


Sem comentários:

Enviar um comentário