terça-feira, 30 de outubro de 2012

Não deixar morrer as tradições

Dia de todos os santos caracteriza-se pelo pedir do “pão por Deus”, por parte das crianças

        A Festa do      “Dia de Todos os Santos” é celebrada em honra de todos os santos e mártires conhecidos ou não e tem lugar sempre no primeiro dia de Novembro, feriado nacional nos países cristianizados.
     Era a festa da igreja Católica Romana que celebra a “Festum omnium sanctorum” seguindo-se imediatamente o dia de fiéis defuntos, com a visita de toda a gente aos cemitérios para colocar flores nos seus familiares e amigos falecidos.
   Seria mais um dia feriado, vulgar como quase todos os outros, contudo o “Dia de Todos os Santos” tem a particularidade de ser o dia de “Pão por Deus”, onde de manhã bem cedo as crianças, munidas do seu saquinho de pano, alguns feitos especialmente para aquela finalidade, correm de casa em casa, porta em porta, para pedirem o “Pão por Deus”.
  Calcorreando toda a localidade, as crianças vão em bandos em alegre chilreada e voltam a suas casas com os sacos cheios de romãs, maçãs, outros frutos, bolachas, rebuçados e tudo quanto as pessoas entenderem oferecer, inclusive dinheiro.
   Há localidades do nosso país, onde o nome desta tradição, é conhecido pelo “Dia dos Bolinhos”, não faltando a oferta de uma pequena broa confeccionada especialmente para este dia.
  Noutras regiões do pais, é vulgar também o padrinho oferecer aos seus afilhados um bolo, conhecido pelo nome de “Santoro”, uma especialidade muito apreciada, mas que na nossa região saloia não era muito vulgar.
  O “Pão por Deus” foi criado e mantido ao longo dos tempos, para perpetuar a triste ideia de que antigamente as pessoas eram quase todas muito pobres e então neste dia, iam pedir o “Pão por Deus” porque havia mesmo muita necessidade de se estender a mão à caridade.
    Primitivamente, as pessoas abriam a porta de suas casas às crianças e afinal a todos os necessitados e estas encontravam uma mesa bem recheada de comida e bebida e quando chegavam os pobres, estes comiam à vontade e à saída, ainda lhes ofereciam mais qualquer coisa, que guardavam religiosamente no saco que portavam.
     Hoje, apenas as crianças se dedicam a pedir o “Pão Por Deus”, para que se mantenha a tradição, contudo esta, devido a evolução da sociedade e o seu óbvio desconhecimento recíproco das pessoas e destes populares hábitos, tudo tende a terminar, e portanto, só nos meios mais pequenos, nos lugares onde vive pouca gente, o “Pão por Deus” no dia 1 de Novembro se verifica.
   Particularmente, na freguesia de Barcarena, o “Pão por Deus” ainda felizmente perdura, mas não com tanta criança como era hábito antigamente e isto porque a freguesia tornou-se muito densa e populosa, com habitantes de diversos pontos do país, hábitos e costumes distintos e o desenraizamento óbvio, conduzem a uma nítida falta de conhecimento de todas estas tradições, permitindo que os seus pais não autorizem seus filhos a darem seguimento a esta velha, salutar e humana tradição.
   Outros não permitem que seus filhos andem ao “Pão por Deus”, por se sentirem demasiado importantes no seio da sociedade e por isso, petulantemente entendem parecer mal, seus filhos praticarem este acto.
   Só que ele contém um cunho muito especial, humano onde a humildade está presente e francamente tornando-se numa evocação e homenagem aos pobres que hoje, praticamente não necessitam de mendigar, mas que outrora se sentiam mesmo na obrigação de o fazer, caso contrário morreriam à fome.
    O “Pão por Deus”, tinha frases muito características e especiais, que apesar de negativas, não eram cumpridas, como, vulgarmente dizia a Rita Nogueira, que morava na Ferraria junto à Fábrica da Pólvora e oferecia sempre grande quantidade de nozes às crianças, por possuir no seu quintal muitas nogueiras.
“Queres pão por Deus ?...
Toma  um pau pelas costas
E vai com Deus”.
    Algumas crianças riam, achando graça, mas haviam outras que ficavam assustadas e não aceitavam bem estas palavras, mas na verdade todas recebiam o seu quinhão e pese embora a caminhada fosse grande, desde Tercena à Ferraria, valia sempre a pena, porque a quantidade de nozes ofertada era sempre significativa.
  Noutros locais, as crianças no seu périplo feliz e radiantes da vida, cantavam em conjunto, de porta em porta.
“Pão por Deus
Fiel a Deus,
Bolinho no saco
andai com Deus”.
    Outros preferiam,
“Bolinhos e bolinhós
Para mim e para vós,
Para dará os finados
Que estão mortos, enterrados
Á porta daquela cruz”.
   Os mais conhecedores e fiéis a esta tradição, não se esqueciam de cantar:
“Truz!... Truz!... Truz!...
A senhora que está lá dentro
Assentada num banquinho
Faz favor de se levantar
Para vir dar um tostãozinho”.
    Mas também se cantavam quadras, dedicadas aos donos de casa que davam sempre o “Pão por Deus”.
“Esta casa cheira a broa
Aqui mora gente boa.
Esta casa cheira a vinho
Aqui mora algum santinho”.
    Aos sovinas ou indiferentes a estas tradições, que avarentamente nada davam às crianças, a cantiga era outra.
“Esta casa cheira a alho
Aqui mora um espantalho.
Esta casa cheira a unto,
Aqui mora algum defunto”.
     Quadras que traduziam a verdade daquele preciso momento, positiva ou negativa, contudo este tipo de poema não era vulgar na nossa região, pois as crianças, mal tinham tempo para estudar, os seus trabalhos escolares, quanto mais aprenderem estas quadras e depois, nem os seus familiares, nem os seus mestres escolares sabiam destes usos, por francamente não serem conhecidos na região saloia.
     O “Pão por Deus”, desenrolava-se apenas no período da manhã, pois de tarde toda a gente recolhia a suas casa, para verificar melhor o que lhes tinha sido ofertado e as crianças poderiam de facto dar ênfase a tudo quanto recebiam, mas as guloseimas era o que mais agradava e seduzia à maioria, pois era com ele, por norma que podiam adquirir aquilo que mais desejavam, contudo esta ideia já não se enquadrava em anos mais recuados, pois o comer, fazia falta é certo, mas o dinheiro ?...Esse era o mais importante, para poderem adquirir o que de mais falta lhes fazia no seu modesto lar e não se destinava à criança, mas sim aos pais desejosos que a receita tivesse sido abastada.
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sábado, 20 de outubro de 2012

Fernando Silva queixa-se de falta de reconhecimento

OS DESABAFOS DE FERNANDO SILVA
NO SEU ÚLTIMO QUARTEL DE VIDA
      Está na hora de falar, de dizer as coisas como elas aconteceram e afinal desabafar o que lhe vai na alma, passados que foram todos estes anos, mais de meio século e nunca ter passado da base da escada da vida, nem sequer ter pisado a estrada poeirenta que o poderia conduzir ao local que sempre tanto desejara atingir.
    Fernando Silva foi sempre um homem dinâmico, empreendedor, investidor, criativo e sobretudo dotado de um espírito inigualável a vários níveis.
   Daí que logo aos dezanove anos, idade de pensar somente em raparigas, arranjar os seus namoricos, frequentar bailaricos, se ter dedicado de alma e coração ao teatro amador na sua colectividade, o Grupo Recreativo de Tercena.
     Ali aprendeu a andar pelas mãos de sua amiga Rosa do Grupo, qual escrava das pessoas desta terra, ali estudou e tirou a instrução primária, foi naquela casa que aprendeu a dançar, arranjou namoro com a mulher que viria a ser sua esposa, casando com ela naquela colectividade, o que não aconteceu com mais ninguém até aos dias de hoje, ali se lançou como amador de teatro, quer representando, quer ensaiando e até como autor dramaturgo.
   Perante tanta e variada actividade desenvolvida naquela casa era natural que outras iniciativas tivesse criado, o que mais ninguém se atrevera, como por exemplo as grandes festas de rua, que duravam por vezes quinze dias
    O homem que nos anos setenta do século passado quase por sua própria iniciativa trocou o espaço que fora até ali uma escola primária, num belo e agradável cinema, onde passava semanalmente sete sessões de filmes e sempre com público a assistir.
    Utopia ?...Não !...Não é utopia,  são realidades que muitas pessoas desconhecem por não terem vivido esses tempos  nesta terra, e ele   com tanto ardor, com tanta vontade de fazer crescer  Tercena, torná-la conhecida no mundo, ali se esforçou para que  o G.R.T. fosse dotado de um cinema e assim conseguiu, trazendo filmes que quase passavam simultaneamente na capital e isto graças ao seu estilo empreendedor, ao seu espírito aventureiro e francamente, porque não, aos seus  grandes conhecimentos.
    Não foi só isto que Fernando Silva construiu, pois lançou-se profissionalmente num grande empreendimento criando um restaurante em Tercena que, passados uns anos, depois de ter trabalhado numa simples casa de chão térreo e sem condições, se transformou num mega restaurante típico da ilha da Madeira que comportava setecentos e cinquenta lugares sentados, recebendo gente de todo o mundo e que acabaria por dar definitivamente a conhecer o nome desta terra.
    O grande “Pico do Arieiro”, assim se chamava, era de tal ordem conhecido, que as pessoas em Lisboa e em outros lugares do país, quando falavam de Tercena diziam ignorar onde ficava, mas logo que lhes falassem no “Pico do Arieiro”, toda a gente localizava a localidade.
    O “Pico do Arieiro” que era uma espécie de “rendez vous” dos lisboetas, fora de portas, era frequentado por grande parte do turismo que passava por Lisboa uma vez que ele tinha publicidade em quase todas as companhias de aviação, nos estádios de futebol da 1ª divisão e anunciado nos melhores programas da rádio, como “Os Parodiantes de Lisboa” com emissões directas da sua sala de fados por onde passaram quase todos os artistas que estavam no Top nessa época.
    Esta casa foi demasiado grande e só acabaria por fechar devido a uma grande crise nos anos oitenta à semelhança da que neste momento os portugueses estão a atravessar.
   A par disto, em 1975, Fernando Silva abalançou-se a fundar dois jornais. Primeiro, o “Pico do Arieiro Informativo” que anos depois se transformaria na “A Voz de Torcena” e ainda um outro dedicado às actividades folclórica “A Voz do Folclore” pois, se este acabaria seis anos depois, o mais antigo, perdura ainda nos dias de hoje, 38 anos passados e sem nunca ter sido interrompido.
  Ainda não satisfeito, este grande investidor e criador, em 1990 fundou um rancho folclórico, que logo de início começou a ser bastante conhecido e preferido e vinte e dois anos depois, “As Macanitas”de Tercena, assim se chama o agrupamento, ainda desenvolve a sua actividade orgulhando-se de um enorme palmarés, pois já visitou oito das onze ilhas do nosso país tendo representado mais de três dezenas de vezes nos nossos arquipélagos. Já esteve em Espanha por seis vezes, já foi ao Brasil e recentemente à Áustria, recebendo agora imensos convites para o estrangeiro que só não são aceites devido às exigências da Troika que se instalou em Portugal, obrigando as autarquias e a sociedade em geral a não contribuírem monetariamente para que pudesse cumprir essas solicitações.
    Em todas estas criações, em todo os quase vinte anos que serviu o “Pico do Arieiro”, os trinta e oito anos de publicações do jornal “A Voz de Torcena”, com as duas décadas de deslocações do grupo de folclore, atrevemo-nos a perguntar sem dúvida de uma resposta unânime, quem foi o homem em Tercena que mais desenvolveu a terra, que mais longe levou o seu nome fora de portas e que, obviamente, acabou por trazer mais gente a ela ?...
   Quem?...
    Talvez seja por tudo isto, toda esta desinteressada luta travada no decorrer dos anos, as amarguras, as dificuldades, os espinhos encontrados mas superados, que muitos desta terra nutram alguma inveja, uma vez que ainda hoje se atrevam a criticar a sua acção e a sua vasta obra literária amadora, sobretudo as próprias autarquias ignorarem o seu valor cultural, a sua grande e inegável dedicação a Tercena.
   A par de tudo isto acresce ainda o valor humano que lhe deve ser atribuído pelo seu espírito altruísta que sempre esteve com ele e sua esposa ao recolher debaixo das telha de sua sempre modesta casa, inúmeras pessoas a quem chamou a si a responsabilidade de vida e encaminhando outras a bons lugares na vida e até proporcionar a reforma a muitas delas, algumas, por muito incrível que pareça a auferirem reformas mais elevadas que ele próprio e sua esposa, que tantos anos tiveram a descontar para a Segurança Social.
    Recebeu ligeiros reconhecimentos nos seus últimos anos de vida mas nenhum deles o deixou realizado, embora ele não pense nisso, pois o que ele mais desejaria e infelizmente nunca o conseguiu, foi depois de tanto trabalho desenvolvido, tantas palavras ter escrito com a autoria e encenação de mais de meia centena de peças de teatro, tanto livro ter concebido e tanta reportagem jornalística ter feito, nunca ter dado o passo que o guindasse ao profissionalismo como sempre desejou e para tal bastante trabalhou.
     Vai morrer sem nunca ter conhecido o verdadeiro êxito e as suas obras certamente irão ser esquecidas por, mudança radical das ancestrais tecnologias e ainda, porque não, a grande falta de reconhecimento da sociedade injusta, ingrata, maldosa como ele próprio classifica, porque por muito menos, mas mesmo muito menos, outros nomes se ergueram e sem desenvolverem o que este homem conseguiu desinteressadamente ao longo da sua atribulada vida, e a grande utilidade que sempre teve no campo social, no campo literário amador, deixando uma vasta obra escrita que foi, nem mais nem menos, o levantamento e recolha rigorosos da vida de um povo desde os mais tenros anos do século passado, desnudando os seus usos, os costumes, as tradições desta gente pobre e humilde que com ele conviveu e sem nunca merecer o justo valor por parte de quem de direito.
    São estas injustiças que levam muita gente a ficar quieta, sentada no banco dos reformados, a recolher a sua casas e calçar as pantufas, prostrados pachorrentamente diante da televisão, passeando desinteressadamente sobre os assuntos da sua terra sem lhes dar a mínima importância.
     Mais não fazem, uns porque francamente não sabem, outros, porque se dedicaram a si próprios, preferindo enriquecer o seu espólio e biribando-se para estas “ninharias” que, segundo eles, erradamente afirmam, não interessarem a ninguém.
    Esta é a verdade que assiste a Fernando Silva, hoje com 74 anos de idade e prostrado, pela lei da vida, na sua modesta casa, limitando-se a seguir em frente como que se estivesse ainda a começar, mirando triste, é certo, a sua rectaguarda, mas tentando não perder o ânimo que sempre teve, desnudar novas histórias, escrevendo as ocorrências do dia a dia, mas não vendo o seu trabalho compensado condignamente, porque nunca houve alguém que o ajudasse no último passo a dar, ou seja subir o degrau que o deveria ter levado ao cimo da escada e afinal nunca passou, ingratamente, da sua base, ou colocado pela mão amiga de alguém, na verdadeira estrada do êxito, nem que ela fosse apenas a mais poeirenta.
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quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O novo livro de Fernando Silva
“VERDADES DE ONTEM… HISTÓRIAS DE HOJE”

   Fernando Silva, depois de “Felner Duarte”, “Um Anjo Explosivo”, “Degredo e Negligência”,”O Poder da Fé e da Descrença”,”A Escravidão da Vida” e ”Restos da Vida”, acabou de escrever mais um trabalho, a que deu o nome de “Verdades de Ontem, Histórias de Hoje”, que procura sucintamente prestar “uma sincera homenagem a toda essa sacrificada gente que passou as mais incríveis tormentas para poder sobreviver, deixando muitos, um verdadeiro legado e historial, hoje considerado um autêntico tesouro bem difícil de entender, enquanto outros, infelizmente, jamais conseguiram sobreviver dada a severa pena imposta por um regime ditatorial”.
   O novo livro de Fernando Silva, recorda histórias incríveis, de como passavam as pessoas nesses recuados anos, onde a miséria se confundia com o remedeio e onde o grau de exigência não passava por outros valores que não fossem os que saciassem minimamente o apetite de cada um, isto obviamente, aqueles que trabalhavam no duro, sem escolaridade, viviam em casas  abarracadas e auferiam salários de miséria.
   A felicidade era grande, e eram dotados de um nível humano altíssimo, o que infelizmente hoje, tardiamente, vem sendo reparado pelos analistas, e que, francamente devido ao alto nível de exigência no consumo, levaram as pessoas equivalentes a esse estrato social a uma abastança que, sem se dar bem por isso, nos conduziu a todos a este estado de coisas, onde, de um país farto, com os cofres cheios de ouro, se obriga a estender a mão, quase como por caridade, aos donos da Europa, senhores do poder absoluto e do dinheiro que circula.
  Quais “Hitler’s” que gravitam e vivem de forma lauta, sugando com juros exagerados aqueles que se deixaram cair no logro.
   Mais uma pbra deste autor desconhecido que certamente irá entrar na gaveta à espera da Luz da publicação, tal qual outros trabalhos considerados pelo autor como importantes para o desnudar de uma região do nosso país e que foi duramente marcada, como foi a freguesia de Barcarena, nas primeiras décadas do século passado.
  Fernando Silva com 74 anos de idade, já não espera nenhum milagre mas apela para que, pelo menos as novas gerações se debrucem sobre os seus trabalhos, porque certamente aprenderão muito e talvez agora, nestes anos mais próximos seja uma verdadeira lição para poderem levar a cruz ao calvário, face a toda exigência, tanto corte, tanto exagero como se tem apresentado a Troika no nosso país.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Historial da Fábrica da Pólvora

OS BELGAS E O INSUCESSO DA SUA GERÊNCIA  DE VINTE E CINCO ANOS   
    A Fábrica da Pólvora foi durante os seus últimos anos de existência uma unidade fabril de futuro incerto, já que tanto a gerência belga, como as estatais que lhe seguiram, sempre estiveram repletas de boas intenções, mas indefinidas, acabando por saírem frustradas.
  Em Novembro de 1951, Armand Simon Jonet foi colocado na Direcção da fábrica que optara por mudança de nomenclatura, passando a chamar-se Companhia de Pólvoras e Munições de Barcarena.
   O Estado português arrendou aquela unidade fabril de fabrico de pólvoras negras a um grupo belga por vinte e cinco anos mas salvaguardou os interesses lusos ficando com 51 por cento do capital e cedendo 49 por cento à nova empresa que tinha como apoio financeiro o Banco Burnay .
   Na administração, entre muitos estrangeiros e portugueses foi escolhido para administrador principal residente, o Coronel José Mouzinho de Albuquerque, homem conceituado e respeitado, morador no Cacém, onde hoje se instalou a Consolata, instituição ligada a missões religiosas, homem muito orgulhoso da sua medalha de prata conquistada nos jogos olímpicos de Munique, pois era um exímio cavaleiro.
     As intenções da nova gerência era acabar de vez com o fabrico da pólvora negra e trocá-la por uma que fabricasse pólvora branca, idêntica à que se produzia na Bélgica chamada “Ball Powder”, que de imediato passou a ser importada para que a venda em Portugal se implantasse rapidamente.
   Os belgas, no entanto, reconheceram que a pólvora negra teria de continuar a fabricar-se em Barcarena por algum tempo mais, porque os consumidores não conhecendo o novo explosivo, próprio para armas de caça automáticas, não a comprariam e a fábrica teria de sobreviver.
   Havia um projecto para iniciar o fabrico em Portugal, pois a direcção tencionava montar a fábrica logo que a pólvora importada começasse a ser conhecida e sobretudo vendida, demais que a Fábrica de Moscavide, a INDEP começava a ser contestada por se encontrar dentro da povoação e causar muito perigo o que aconteceria em 1957, mas fechando de imediato devido a outros interesses.
  A grande verdade é que os portugueses consumidores das pólvoras negras, não abdicavam desta, pois conheciam bem os efeitos da velha Diamantina nº 1, nº 2 e 3, da Pólvora G e tantas outras mais fraquinhas, porque as suas armas eram antigas e não arriscavam a mudança com medo que as suas velhas armas, a maioria de cães, não aguentasse o impacto produzido pelo novo explosivo laminado.
     Logo aí os belgas começaram a ver que o sucesso não surgia com a rapidez desejada pois os estanqueiros espalhados por todo o país, experimentavam mas só os caçadores que já tinham adquirido armas modernas a experimentavam, mas francamente eram tão poucos que as vendas eram resumidas em relação às pólvoras de caça, negras.
   Também é verdade que a facturação baseava-se muito mais na venda de pólvoras para minas, pedreiras, como a grafitada e outras e como tal eram ainda o grande sustentáculo dos cerca de duzentos empregados que a fábrica possuía, pois o contrato obrigava a manter o pessoal existente, considerado do Estado, por ter sido admitido antes da Companhia de Pólvoras e Munições de Barcarena existir.
   O fabrico de artefactos para a marinha, socorros a náufragos e outros artigos de guerra, como granadas de mão defensivas, ofensivas, petardos de caminho de ferro, tudo isso completava a facturação, mas as vendas eram reduzidas, pois praticamente era o governo português o melhor cliente, que comprava esses produtos para treino das suas tropas, uma vez que a II Guerra Mundial tinha acabado à relativamente pouco tempo, mas corriam rumores de novos conflitos e era necessário manter os “stoks” em ordem para no caso de uma deflagração internacional, a fábrica pudesse corresponder de imediato.
    Mas a administração não desistia e teimava no sucesso da nova pólvora, porque os armeiros já vendiam essas novas armas e acreditava-se que ano menos ano a nova fábrica de pólvora branca pudesse surgir em força, já que existiam projectos para a mesma e como tal criou, dois anos depois em 1953, quadros laborais que na altura não eram muito necessários, como assistentes sociais, altos funcionários prospectores, e uma grande quantidade de servidores tomando em conta a ideia assente da construção da nova fábrica de fabrico de pólvora branca a M1 que servia bem os interesses dos belgas.
    Em 1957, foi construída a Fábrica de Pólvora M1 para a produção de pólvora de base simples (nitro celulose) que, acabaria por encerrar e entregue à Fábrica Nacional de Munições de Armas Ligeiras e isto por que a Guerra de África afigurava-se com boas perspectivas de fabrico de outros materiais, pois tinha sido construída a sexta secção que fora criada para o carregamento de granadas à base de trotil e tetril, por isso o número de empregados subiu aos seiscentos, com uma grande percentagem à base de mulheres.
   Entretanto tinha sido admitido o filho de um administrador, chamado Nuno de Lima, cuja família estava radicada em Angola em Novo Redondo.
   Este senhor mantinha várias roças em Angola, que produziam altas quantidades de café, entre outros produtos.
   Possuía também uma extensa frota de barcos de pesca que bastante rendiam à empresa angolana, mas ele, em vez de se manter na colónia à frente dos negócios, antevendo um conflito interno, preferiu Lisboa e como tal o pai arranjou-lhe aquele “tacho” para, não só, poder manter as suas brincadeiras, como entreter-se com qualquer coisa dentro da Fábrica da Pólvora que fosse da maior utilidade o que nunca aconteceu.
   Tudo parecia correr bem, demais que deflagrara a guerra de África e as ideias mudaram-se repentinamente pois a criação da fábrica de pólvora branca passou para segundo plano, optando-se por se fazer uma parceria com a Fundição de Oeiras e assim aconteceu.
 A Fundição de Oeiras construía as embalagens metálicas de diversos calibres de granadas e outro tipo de material bélico, entretanto Salazar enchia os barcos de militares para defender Angola, Moçambique e Guiné e era preciso abastecer essa gente para combater as forças revolucionárias ali existentes.
     Esta guerra que deflagrou em 1961 estava a causar um enorme descontentamento no seio da população portuguesa que via a sua juventude desaparecer aos poucos acabando por enfraquecer os serviços no continente, já que eram as mulheres e os idosos que se obrigaram a tomar conta desses serviços, especialmente agrícolas.
    A governação das possessões ultramarinas estava praticamente a ser coordenada pelos grandes senhores radicados em África, já que os ricos tinham adquirido a quase totalidade das grandes empresas africanas e obrigavam os negros a trabalhar a baixos salários e mesmo sabedores de que a escravatura já tinha sido abolida, a verdade é que toda aquela gente era tratada como que escravos fossem, sem regalias, trabalho duro de sol a sol e isso começou a revoltar o povo africano, obrigando-o a lutar por melhores dias, criando guerrilhas aqui e acolá e sobretudo para que lhes fosse dada a independência, que contrariava Salazar que via ali uma grande riqueza.
    Foi este grande negócio, a venda de material para África, que ainda ia mantendo a fábrica da pólvora de Barcarena, porque de resto, com as novas estruturas e renovados quadros de pessoal, a pensar único e simplesmente na mudança de fabrico de pólvora, certamente tudo iria dar em desastre financeiro, como acabaria por acontecer.
  Criaram-se vícios de laboração administrativa que pouco produziam. Todos os funcionários admitidos para os serviços administrativos, nada faziam, e a grande verdade é que, se não fosse o fabrico da pólvora negra que se mantinha fiel aos seus princípios, a fábrica, muitos dos meses não tinha dinheiro para pagar aos seus funcionários, já que os valores da facturação do carregamento de granadas chegava sempre muito tarde aos cofres de Barcarena, porque na realidade as três frentes de guerra em África que Salazar teimosamente mantinha, custava-lhe muito dinheiro, e como tal Barcarena, produzia aquele novo material mas para se manter, era a base dos seus antigos e obsoletos produtos, como era considerada a pólvora negra.
    Em 1974 quando acabaram as guerrilhas devido à revolução dos cravos, Barcarena veio a saber que tudo aquilo que produzia e embarcava para o ultramar e outros portos africanos e facturado em nome do governo alemão, destinava-se a servir as tropas rebeldes que acabavam por matar os nossos soldados.
  Isso foi descoberto por os grupos de defesa instalados em África quando avançavam com os seus giros dentro das densas selvas para manterem a ordem e combater os insurrectos negros, encontravam no chão embalagens vazias, abandonadas e já utilizadas que diziam ser fabrico “mad in Barcarena – Portugal”, concluiu-se então que Salazar vendia material aos alemães, para estes revenderem aos países aliados das tropas revolucionárias, por norma países que faziam fronteira com Angola, Moçambique e Guiné.
      O povo português e sobretudo os militares que lá tinham combatido sentiram uma grande revolta, mas a grande verdade é que o ditador já tinha falecido, e pouco ou mesmo nada se podia fazer, porque as ordens eram dele e posteriormente de Marcelo Caetano, só que este também já estava refugiado no Brasil e tudo ficou sem haver qualquer retaliação.
   Em 1976, uma vez terminada a guerra de África, a Companhia de Pólvoras e Munições de Barcarena deixou de existir, também porque tinha terminado o contrato estabelecido com o Estado português, e naquele quarto de século de laboração nunca conseguiram concretizar os seus intentos.
    A Fábrica M1 começou então a funcionar mas já com grandes dificuldades económicas, para produzir pólvora branca laminada, com a designação de Fábrica de Pólvora e Explosivos de Barcarena, nomenclatura que manteria a partir desse ano até ao seu encerramento.
        Entretanto nos anos sessenta, na fábrica de Barcarena as produções aumentaram consideravelmente, o material de guerra era produzido em força, com os trabalhadores a laborarem continuamente, pois chegou a haver trabalho dentro da fábrica 24 horas por dia, dividido em três turnos de oito horas, tal era o ritmo de saídas para o estrangeiro, pois todas as semanas iam dezenas de camionetas descarregar material bélico à Rocha de Conde de Óbidos com destino a África, e embora muito fosse para as nossas tropas, nunca se percebeu, que algumas das encomendas dirigiam-se a outros portos, pois eram aquelas que Salazar vendia ao governo Alemão, para abastecer os inimigos de Portugal.
      A admissão de pessoal terminou em Barcarena e todos quantos optavam sair, já não eram substituídos.
    Entretanto, alguns empregados antigos foram atirados para a reforma e do pessoal moderno, admitido pela gerência belga, parte dele optara por outras fábricas onde ganhavam mais, pois coincidiu com a instalação em Portugal das Multinacionais em Queluz de Baixo e assim, aos poucos a despesa em Barcarena foi diminuindo, mas continuava a ser a venda de pólvora negra que sustentava a fábrica de Barcarena alimentando ainda o sonho da nova gerência.
   Os directores foram mudando, pois saía um entrava outro que vinha com novas ideias, mas a grande verdade é que já não havia soluções para que a empresa se pudesse manter, fazendo-se todos os meses uma grande ginástica financeira para se arranjar o dinheiro para os salários e vencimentos.
   Com o passar dos anos, a fábrica via os seus sonhos esfumarem-se pois aquilo que a direcção pretendia ver desenvolver-se, a venda de pólvora branca, mantinha um ritmo baixo, constatando os seus responsáveis, que não valia a pena insistir naquela nova linha de fabrico com aquele novo tipo de pólvora e o definhamento foi aparecendo aos poucos, mas os empregados superiores, esses foram-se mantendo, sem nada fazerem, sem nada produzirem.
    Ainda, no tempo da companhia de Pólvoras e Munições de Barcarena chegou-se a pensar no carregamento de cartuchos de caça, com a nova pólvora belga importada, mas a negligência foi de tal ordem, que os cartuchos depois de carregados, ficavam mais caros que aqueles que se vendiam na concorrência.
     Nuno de Lima, o filho do administrador, que nunca fez nada dentro da fábrica senão pensar nas suas brincadeiras com o seu potente “Corvert”, carro de turismo e divertimentos com algumas funcionárias, mantendo um ritmo de reuniões com grupos femininos em locais recatados da fábrica, como a sala de reuniões da administração depois das horas laborais, ainda pensou nessa fábrica de cartuchos, mas também tudo se esfumou ao constatar os resultados.
     Este homem ainda pensou na criação de uma linha de montagem e carregamento de cartuchos de caça numa velha oficina da 5ª secção, onde se fabricavam artigos para a marinha, mas as contas foram mal feitas, pois para carregar cartuchos era preciso um engenheiro responsável, um mestre para dirigir o pessoal, um chefe de grupo e apenas dois funcionários, acrescido do vencimento dele próprio, que era elevado.
     O vencimento destes, somado com mais os encargos da verdadeira fabricação e carregamento dos cartuchos de caça, tornava o produto acabado incomportável, pelo que teve de acabar passado pouco mais de um mês de iniciada essa experiência.
    Um insucesso, que juntamente com o verificado com a ideia de se fabricar pólvora branca, acabaria por levar a gerência belga a um enfraquecimento, que viria a acabar de vez com uma infeliz tragédia, em 30 de Novembro de 1972 que deu origem à morte de seis operários polvoristas na secção de pólvoras.
     A tragédia abalou o pessoal fabril e demais que a inspecção que regulava este tipo de fabricos, optou por não aprovar as obras de recuperação do edifício sinistrado, por considerar a fábrica da pólvora muito obsoleta, com máquinas do tempo ainda do princípio do século e assim naquele fatídico dia, a oficina da Fonte Caiada explodira pela última vez, a mesma ficou condenada ao seu encerramento, assim, como todas as outras, passando a fábrica a viver dos “stoks” que ainda possuía que acabaram por esgotar facilmente, e a venda de artifícios e material de guerra para as nossas tropas, e marinha mercante o que na realidade era bastante fraco, mas mesmo assim ainda conseguiu durar mais quatro anos, já com pouco pessoal e na sua maioria completamente desmotivado para poder arranjar ideias que pudessem dar outra vida e ânimo aquela unidade fabril, mas a explosão de 1972 acabaria por ser o golpe de misericórdia na Companhia de Pólvoras e Munições de Barcarena.
   A Fábrica que existiu durante cerca de quatrocentos e quarenta e oito anos, tomando em consideração os anos que laborou de forma artesanal e descoordenada, só a partir de 1729, com o aparecimento da Real Fábrica da Pólvora de Barcarena tomou um cariz sério, organizado e coordenado, com a entrada de António Cremer que transformaria por completo os sistemas de produção e de segurança daquela importante unidade fabril portuguesa.
   Em 1995 a Câmara Municipal de Oeiras adquiriu as instalações da Fábrica da Pólvora por dois milhões de escudos, transformando-a num complexo aberto a todos e em 1998, foram então instalados alguns serviços da CMO, entre eles ao criação do Museu da Pólvora Negra, assim como outras benesses naquele espaço de 44 hectares com actividades culturais, lazer e divertimento o que agradou a toda a gente.
     A gerência belga que pretendia transformar o obsoleto numa unidade de fabrico moderna e rentável, duraria apenas o tempo que constava no contrato de arrendamento, 25 anos, mas sempre envolvida em insucessos, frustrações e planeamentos errados, pese embora tivesse sido atraiçoada por mais uma das irreverências de António Oliveira Salazar, que se por um lado foi letal para a juventude portuguesa, ainda foi o balão de oxigénio dos belgas que assim foram protelando o definhamento e desmantelamento dos seus ambiciosos projectos, mas o desastre de 1972 atiraria com todos os seus sonhos para um abismo sem hipóteses de recuperação.
  Mas a grande verdade é que mesmo as gerências estatais que lhe sucederam, melhor não conseguiram fazer e hoje há uma grande felicidade por vermos aquele espaço, onde a morte andou sempre por perto, criando dor e luto, transformado num local onde reina a alegria, a diversão, a cultura e o lazer, recebendo milhares de visitantes por ano.
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