segunda-feira, 13 de junho de 2011

Os Casais Agricolas de Tercena


O CASAL AGRÍCOLA DA FAMÍLIA TAPIÇO

     Mesmo na rua principal da localidade de Tercena, ao cimo, existia o Casal do Tapiço, chefe de uma família numerosa, pois possuía seis filhos, quatro raparigas e dois rapazes, por isso o casal tinha sempre um razoável movimento, pese embora as lides de casa fossem na totalidade executadas pelos progenitores, embora as filhas dessem por vezes alguma ajuda.
    O Clemente trabalhava na Fábrica da Pólvora de Barcarena e o Fortunato estava estabelecido em Lisboa com uma mercearia, pois desde muito cedo decidira-se por um negócio individual, pouco interessado em continuar a vida de seus pais.
   O Casal possuía vacas, e outros animais, mas poucos, mas mesmo assim o trabalho era intenso pois cuidar dos animais era difícil, já que logo de manhã cedo teriam de ser postos a pastar nas imediações e pela tarde recorrer o leite, pois para além de ser uma mais valia para a criação dos filhos, grande parte era vendido a particulares.
 O Tapiço era casado com a Estefânia Antunes, mulher muito activa desde sempre, pois tudo agarrava com muita devoção e de todas as tarefas se desenvencilhava com êxito.
   Apesar do seu duro trabalho, cuidar dos filhos e dos animais que possuía, ainda arranjava tempo para em certas épocas do ano participar nas festas locais, pois as suas iniciativas, eram excelentes e toda a gente gostava de trabalhar com ela, porque, era uma mulher pragmática e sobretudo muito criativa.
     Dotada de uma grande coragem, daí ter sido uma das principais protagonistas da interrupção do roubo que estavam a fazer na sua igreja mesmo durante o dia quase à vista de toda a gente.
    A Estefânia estava em sua casa a pouco mais de vinte metros da capela de Santo António, quando de repente ouviu ruídos dentro dela.
  Logo adivinhou que se tratava de obras, só que, ela não tinha conhecimento de tal, uma vez que tudo quanto ali se passava, era do conhecimento da população, por tão pouca actividade se registar naquele tempo.
  Demais a preocupação com a I Guerra Mundial, dava dores de cabeça ao povo, pois de Torcena tinham saído vários jovens e só isso bastava para os nervos andarem sobressaltados.
  Tirou de si e foi ver o que se passava, já que a entrada do templo ficava oposta à sua casa e quando ali chegou deparou com dois guarda republicanos, montados em cavalos nas escadas da capela.
    Perguntou o que estavam ali a fazer e os guardas, mal educados, responderam-lhe secamente que nada tinha a ver com isso.
  Ficou preocupada, mas ficou a saber que na realidade algo se passava dentro do templo.
   Contou ao marido a sua descoberta e no dia seguinte, quando os guardas lá se encontravam no mesmo sítio, parte da população, cerca de vinte pessoa, dirigiu-se para a capela e sob as ordens da corajosa Estefânia, esta acabou por entrar à força, passando por debaixo dos pesados animais, mas viu com os seus próprios olhos que dentro, estavam dois homens a retirarem os azulejos que mostravam alguns pormenores da vida de Santo António.
 Os homens ficaram assustados e nada souberam responder, só que o povo entrou de rompante, os guarda republicanos fugiram e os pobres trabalhadores que estavam ali a mando de alguém que não sabiam dizer quem, aproveitando a confusão conseguiram subir para cima da galera que estava encostada na rua ao lado do templo e fugiram com parte dos azulejos que já tinham retirado da parede.
   E assim a capela de Santo António ficou sem uma parte daquela magnífica colecção que retratava algumas das parábolas do santo, que ali tinha sido colocada no século dezoito, precisamente no ano de 1742.
    A Estefânia ficou célebre pela sua coragem e daí em diante a mulher do Tapiço foi considerada pelo povo uma heroína, não só pelo seu feito, como também por ser sempre ela a encabeçar as organizações das festas em honra de Santo António, que passaram a ser feitas na mesma durante algum tempo, mesmo com a capela encerrada, pois o Patriarcado acabaria por determinar a profanação do templo o que aconteceu até finais dos anos cinquenta do século passado.
  As festas acabaram por deixar de se fazer, devido a terra na altura em que se festejava este santo tão popular, ser assolada por muito vento e como tal dificultava a sua realização, pois as pessoas acabavam por não aparecer por ser bastante desagradável.
  Contam os idosos que disto ainda se recordam, que numa dessas vezes, tudo estava enfeitado para no dia seguinte se realizar a festa e quando acordaram no dia de Santo António, tudo estava destruído, pois até a Kermesse ficou derrubada, com alguns efeitos a voarem e só terem parado em Barcarena, a dois quilómetros de distância.
   Foi razão mais que suficiente para se acabar com a festa que só se viria a organizar depois do templo ser reactivado quase quarenta anos depois.
  Com aquela atitude insólita e inesperada do roubo dos azulejos a igreja por se encontrar profanada esteve encerrada e no seu interior, foram-se acumulando lixos, materiais de construção e palhas para os animais que possuíam os guardas do templo, um casal que dormia ao lado, num anexo.
   Mais tarde, precisamente em 1928, fundou-se uma colectividade em Tercena e a igreja de Santo António foi a escolhida para sede provisória funcionando como tal, durante dez anos.
  Entretanto o Tapiço e a sua esposa acabaram por desaparecer deste mundo, e o conjunto de casas que formavam o seu bairro, foram herdadas pelos filhos, que passaram a habitá-las, mas a vida que seus pais levavam, a agricultura e criação de gado bovino e algum caprino, é que jamais continuou.
    A Maria Augusta, uma das herdeiras ficou com uma parte do casal e nela mandou construir, em 1930, um andar por cima, tal qual as suas irmãs Elísia e Amélia, mas estas muito mais tarde por intermédio de seus filhos e o pequeno bairro composto por cinco casas encontra-se hoje dividido pelos cinco irmãos, já que o Fortunato, como entretanto se tinha radicado em Lisboa onde possuía o seu negócio, recebeu tornas dos irmãos, desvinculando-se dos direitos como herdeiro, recebendo o dinheiro e pouco se interessando por aquele valor, uma vez que o negócio na capital lhe era bastante rentável.
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