segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Lembranças da Fábrica da Pólvora

A ESTRADA DOS EUCALIPTOS E A SEGURANÇA DA FÁBRICA DA PÓLVORA

     As velhas granadas à entrada da estrada particular que servia a Fábrica da Pólvora, foram construídas para identificarem o espaço particular daquela empresa estatal, por onde o trânsito rodoviário que servia à unidade fabril passava e marcava o começo de uma segurança naquela área onde circulavam viaturas e pessoas, mas francamente nunca funcionou com eficácia.
    Os grandes portões de ferro ali existentes agarrados ás granadas construídas em alvenaria, só se abriam para passar as viaturas da empresa, nomeadamente camionetas, pois quase todo o restante tráfico mais ligeiro, passava pela velha estrada das Fontaínhas, contudo viaturas de maior tonelagem não podiam passar naquela apertada curva nas Fontaínhas, local conhecido pela casa da D. Mariana, ou da “Tasca da Bicha Rodilha”, ali existente.
     A curva era muito apertada, pois mesmo os autocarros que faziam a carreira Queluz de Baixo/Caxias tinham alguma dificuldade por isso a empresa escolhera viaturas pequenas, de vinte e dois lugares, que para além de passarem facilmente aquela curva, chegavam bem para o tráfego transportado naquela época.
   Mais tarde, quando as localidades da freguesia se desenvolveram, obviamente que o tráfico aumentou, principalmente nos meses de verão, devido à frequência da população da praia de Caxias.
     A empresa Eduardo Jorge da Venda-Nova, Amadora solicitou à administração da Fábrica da Pólvora uma autorização especial para que os seus autocarros pudessem passar pela estrada particular da Fábrica, que começava no edifício da Secretaria e estendia-se até às velhas granadas, já dentro da localidade de Tercena.
  Contudo os motoristas tinham de abrir e fechar os portões sempre que por ali passavam o que causava algum incómodo, porque natural e teimosamente a proprietária da vivenda existente na curva das Fontaínhas, D. Mariana não autorizava que a sua habitação fosse destruída para que a estrada naquele local fosse alargada.
   As viaturas passaram então a passar por dentro da Fábrica, durante o dia nos seus horários normais e só muito mais tarde, já nos anos sessenta, depois daquela senhora ter falecido, é que a casa foi demolida e a estrada alargada, mas mesmo assim ainda hoje se verifica essa curva acentuada na respectiva estrada das Fontaínhas.
   A estrada dos eucaliptos, como vulgarmente os empregados lhe chamavam, era um local aprazível e isto porque o movimento por ela era muito reduzido, pois para além das camionetas da Fábrica e as carreiras da Empresa Eduardo Jorge que ali passavam, só os moradores no bairro fabril, ou quem viesse a pé de Barcarena para Tercena a utilizavam, por isso o piso mantinha-se sempre bom, já que, quem mais se servia dela eram os funcionários no seu dia a dia a caminho e regresso do trabalho, mas esses não causavam o mínimo desgaste àquela artéria.
    Era bastante arborizada, com palmeiras, eucaliptos e outras árvores, por isso toda ela era envolvida numa permanente sombra o que permitia uma caminhada mais agradável, aos funcionários que a utilizavam diariamente por duas vezes ida e volta.
   A estrada fora construída no princípio do século passado, para dar serventia ao pessoal militar que guardava aquele estabelecimento fabril do Estado e então, na sua extensão, cerca de quinhentos metros, existiam três guaritas construídas em alvenaria.
   Uma logo no seu início, junto ao edifício administrativo onde trabalhavam os empregados de escritório e se concentravam, a direcção e administração da Fábrica, uma segunda mesmo junto à entrada do novo e actual edifício da Universidade Atlântica e uma última ao fim da grande recta, onde curvava para a direita, a escassos metros do termo da estrada.
    Nessas guaritas ficavam dia e noite soldados do quartel de Queluz, que tinham a sua base, na Fábrica da Pólvora, mesmo junto à ponte de ferro que dava acesso à margem sul da ribeira de Barcarena.
    Os soldados estavam ali dia e noite, e dali saíam para fazerem as suas rondas, substituindo os seus camaradas, mas depois da II Guerra Mundial, esse serviço de guarda, deixou de se efectuar, ficando apenas o serviço de guarda, próprio da Fábrica, mas as guaritas continuaram no seu lugar, mas sem qualquer uso, até que, uns anos mais tarde, devido a muitos fazerem delas  retretes,  foram demolidas.
    Esse serviço de vigilância efectuado pelos militares terminou logo após a Fábrica ser vendida a uma empresa privada belga, a Companhia de Pólvoras e Munições de Barcarena, criando um serviço de guarda especial, mas particular.
    A Fábrica teve este importante serviço de guarda durante muitos anos, devido às Guerras Mundiais que estalaram na Europa e os receios de ataques, mas francamente sem qualquer eficácia, porque, se era guardada aquela entrada com tanto rigor e aparato, o ribeiro que passava por dentro da Fábrica, estava completamente descurado, assim como a zona sul da fábrica que dava acesso à carbonização.
  Nesta zona da fábrica existiam muros baixos que de nada serviam, pois quem pretendesse entrar dentro daquele amplo espaço, era muito fácil e depois, a densa arborização no seu interior ainda mais facilidades permitia a quem quisesse ali entrar pois ninguém dava por isso por não haver postos de vigia.
   A vigilância dentro da fábrica foi sempre muito desguarnecida, pois, se no tempo em que os militares cuidavam da vigia daquele espaço ela já era muito deficiente, na época em que foram admitidos guardas particulares para fazerem a sua vigia nocturna, ainda era bem pior.
     Os guardas sem qualquer formação militar, limitavam-se a estar apenas ao portão, e só de duas em duas horas davam uma volta por aquele amplo espaço, mas de nada valia.
      Primeiro, porque nada conseguiam detectar se acaso alguém entrasse dentro da fábrica e depois, as armas obsoletas que usavam a sua acção era nula não lhes permitindo actuar e a grande verdade é que foram várias as vezes que os guardas foram questionados sobre o que fariam se acaso encontrassem alguém estranho dentro da Fábrica e a resposta, não passou de uma gargalhada, acompanhada da seguinte frase.
     “Temos uma espingarda «Mauser», mais velha que a fábrica, nas mãos mas as balas, ficam sempre na casa da guarda e raramente vêm connosco”.
     Havia uma grande confiança nas pessoas e a verdade, reconheça-se, é que foram muito poucas as vezes que foram detectadas pessoas estranhas durante a noite, dentro da Fábrica.
    As que foram encontradas, eram quase sempre pessoas conhecidas que procuravam, caça por ela ali se refugiar, por norma, pombos que dormiam em buracos nas paredes do Pátio do Sol, ou então para roubarem pedaços de metal que por ali ficavam caídos depois das terríveis explosões, de resto alguns guardas  até  garantiam, em jeito de chacota:
    “Estive aqui a trabalhar trinta anos e nunca dei um tiro”.
    “Entrei para a guarda logo no início da Companhia e nunca utilizei a espingarda. Naturalmente se alguma vez necessitasse de o fazer, as armas e as balas estavam ferrugentas”, e estas frases sempre acompanhadas de grandes e estridentes gargalhadas, por isso constatamos que afinal, o serviço de guarda e segurança daquele estabelecimento fabril, nunca foi visto com bons olhos, pese embora o pessoal que ali trabalhou nesse serviço, ao portão e durante o dia, se mostrasse sempre atento e cumpridor dos seus deveres, mas na realidade nunca se passaram casos alarmantes nem que viessem a prejudicar o bom serviço daquela unidade fabril que foi do Estado até 1951, passando a Companhia desde essa data até ao seu encerramento.
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