segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Como se aprendeu a ler em Tercena

O ensino Primário em Tercena


II Parte

   Com a escola a funcionar num edifício digno, feito praticamente de raiz, a colectividade assumiu a responsabilidade do ensino, contratando uma contínua, chamada Rosa Mateus, que passou a ser conhecida pela “Rosa do Grupo” e era ela que na sua dualidade de serviços, se desdobrava na limpeza da colectividade e do cuido das crianças no horário escolar.
 Fora uma verdadeira escrava dentro daquelas paredes, na medida em que as mães quase obrigavam a pobre mulher a ter de controlar as refeições dos filhos, uma vez que trabalhavam, deixando-lhes as comidas que a Rosa se obrigava a aquecer e a dar-lhes.
   Tanta vez, as crianças vinham para a escola sem a comida de casa e era a pobre mulher que, retirando do que era seu, modesto evidentemente, e dava-lhes para que não passassem sem alimentação, porque tinha pena deles, já que os alunos estudavam nesse tempo no período da manhã e de tarde.
 Essa mulher que foi uma verdadeira segunda mãe das crianças desse tempo, quando chegou a idosa, necessitou de apoio do povo de Tercena e ninguém foi capaz de lhe dar uma sopa por misericórdia, contudo tive de ser eu a chamar a mim a responsabilidade de a ter na minha casa, onde a mantive durante onze anos e ainda com o inconveniente de ter cegado nesse período, obrigando-se a minha mulher a fazer-lhe tudo, porque a infeliz não conseguia. Mas enfim, tudo isso foi feito por gosto, por amor e por reconhecimento ao grande interesse que ela nesse tempo teve por mim.
  A Câmara Municipal que apenas ajudara a equipar a escola, dava uma importância irrisória à colectividade para a manter ali, mas a água e a luz era suportada pela colectividade e afinal o subsídio mensal atribuído pela autarquia, por vezes nem sequer chegava para liquidar as facturas mensais, e reconheça-se que a água era já nesse tempo fornecido pelos Serviços Municipais da Câmara de Oeiras.
  Também as professoras, e aqui destacamos a D. Henriqueta, uma das primeiras a utilizar a nova escola de Tercena, se viam aflitas para arranjar material escolar para os seus alunos, pois não possuindo dinheiro para os cadernos, sebentas, lápis e borrachas, que eram necessários para ministrar as aulas diárias, criaram a Caixa Escolar, que constituía numa mensalidade paga pelos alunos para se adquirir cadernos e afinal o que faltava dentro da sala de aulas, sempre muito contestado pelos pais porque eram pobres e por muito baixa que fosse a quotização, afectava sempre os orçamentos familiares.
     No respeitante à aprendizagem escolar, havia, como sempre, uma grande preocupação com o grande número de analfabetos existente na freguesia e isso era mais notado nos serviços da Fábrica da Pólvora que mantinham ao seu serviço um grande número de empregados adultos que não sabia ler nem escrever e então a administração tentou dar a esses funcionários o conhecimento das letras.
      Foi escolhido o professor Manuel Vaz que morava em Tercena e criado um curso de alfabetização desses mesmos empregados que acabou por ter um grande êxito, pois a maioria que iniciou os estudos, acabou por completar a 4ª classe e assim, melhor rendimento puderam usufruir nos seus serviços da Fábrica da Pólvora.
     Também houve um período em que o “Posto Escolar de Tercena” não funcionou por falta de professora e então alguns alunos foram canalizados para a casa de uma curiosa, chamada Lidi Farinha que preparou esse número de crianças e as levou a exame na escola de Queluz de Baixo.
    O ensino nesse tempo encontrava, por parte dos pais que sabiam ler, felizmente alguns, um grande e profícuo apoio, pois nesse tempo como não havia ainda televisão, as famílias jantavam juntas à mesa e o pequeno serão era sempre feito em redor da mesa, momento em que o filho, colocava as suas dívidas escolares aos pais e estes, na medida do possível, respondiam, e eles ficavam mais elucidados, contudo hoje esse hábito perdeu-se completamente, porque deixaram, de haver essas úteis “conversas em família” e se agora uma criança aparece a perguntar à mãe qualquer coisa, logo esta responde.
     “Deixa-me agora porque quero ver a telenovela”.
     Se acaso se dirige ao pai, este não perdoa, porque também ele grita:
    “ Deixa-me. Quero ver a bola descansado. Amanhã ensino-te”.
    E assim se entra numa situação desagradável que bem tem contribuído para o insucesso escolar, porque as crianças, aquilo que escutam no limitado tempo de aulas, não lhes permite assimilar toda a matéria e necessitam, obviamente de apoio familiar, o que muitas infelizmente não encontram nos dias de hoje.
   Também nesse tempo, anos quarenta e cinquenta, o ensino era bastante diferente de hoje, pois os alunos logo na terceira classe obrigavam-se a estudar matérias que hoje, a maioria são dispensadas, como a História de Portugal em pormenor, os réis, as suas dinastias, os seus cognomes, e os factos mais importantes ocorridos nos seus reinados, assim como o Corpo Humano e todos os seus órgãos, as serras existentes no país, sua altitude e localização, linhas férreas, onde começavam, onde terminavam, rios, onde nasciam, por onde passavam, onde era a sua foz. Quais os seus afluentes de uma margem e outra. Enfim, estudos que estavam condicentes com as actividades profissionais no futuro quando atingisse a posição de trabalhadores, porque o aluno depois, colocado numa empresa, tinha necessidade de saber estas coisas, para melhor desenvolver o seu trabalho quotidiano.
  Os transportes faziam-se por caminho-de-ferro, porque as vias rodoviárias eram péssimas e poucas e outros ainda pela via fluvial e aqueles conhecimentos eram fundamentais para um melhor desenvolvimento profissional.
  Hoje felizmente existem novos métodos, novas teorias, outras ideias onde se baseia o ensino primário, e na minha perspectiva, tudo se torna mais fácil para a aprendizagem, contudo, existe uma grande contrariedade, pois verificando-se essa facilidade, o insucesso escolar parece ser muito maior, enquanto que naquela época os alunos que frequentavam a escola, porque infelizmente não eram todos que nela entravam, atingiam a 4ª classe em cinco anos, pois era obrigatório estar dois anos na primeira classe, mas mesmo assim raramente um aluno repetia, ou mesmo a percentagem de insucesso era pequena, contudo, conhecemos muitas crianças nesse tempo que não iam à escola porque seus pais não os deixavam ir, obrigando-os a trabalhar, porque a instrução não era necessária, (diziam alguns pais) o que era preciso era angariar dinheiro para se sobreviver e não se morrer à míngua.
      Nesse aspecto conhecemos ainda alguns casos, como o Vitorino do Casal, da família dos “Ventaneiras” ligado à esposa do António Barbosa e da Emília Silva, e os filhos do Mendes que viviam no Mercado antigo, conhecido pelo casal da Azarujinha, entre muitos outros.
    O ensino escolar ainda funcionou no Grupo Recreativo de Tercena, durante alguns anos e no final da década de sessenta, a autarquia municipal resolveu então construir a actual escola Primária de Tercena, ao cimo da Av. de Santo António, criando mesmo uma rua própria para dar acesso ao novo estabelecimento de ensino, instalações que ainda hoje existem.
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