sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Tercena teve sempre um papel importante na cultura popular portuguesa

FILOSOFANDO SOBRE ANCESTRAIS CULTURAS
Tercena, foi sempre uma terra pequena e muito desinteressada dos assuntos fundamentais e que, sobretudo, deram origem à sua formação, e isso, devido ao baixo grau cultural do seu povo, composto por pouco mais de uma centena de pessoas que vivia em reduzido número de casas térreas e nalguns casais agrícolas da periferia.
    Não foi por acaso que um grupo de jovens na terceira década do século XX, pensou na criação de uma colectividade em Torcena, pois sabia que elas existiam, nomeadamente na vizinha Barcarena, onde fora criado um grupo de “soli dó” e mais tarde acrescido de uma corporação de bombeiros.
   Gente que trabalhava em prol da cultura, com a criação de um grupo de teatro, uma banda de música, uma biblioteca, formas de poder dotar os seus sócios e simpatizantes do conhecimento ligeiro das coisas fundamentais da vida, dos factos, mas sempre longe de lhes darem a conhecer as origens do seu povo e isto, talvez, por ignorância, não só por não serem curiosos, não falarem com os seus idosos, justificando-se hoje todas estas carências devido ao regime em que se vivia, depois da queda da monarquia.
   O povo esteve sempre fechado, agarrado à ditadura monárquica, sujeito às vontades reais e depois o esbanjamento que se fazia na corte e as carências do povo, deram origem a que este se soltasse e instaurasse a República Portuguesa.
   Daí em diante foi um desenvencilhar de ideias, de criação de novos hábitos, tendo sido fácil com tanta liberdade, chegar-se a uma razoável e preocupante anarquia em todos os aspectos e os processos levados a cabo para fazê-la extinguir, demoraram, atravessaram o período infernal da I Guerra Mundial, mas o povo queria mais, mas não sabia como alcançar os seus desígnios, e os governos, consecutivamente, não conseguiam por cobro na forma impensada do povo actuar, até que a mão de ferro, chegou ao poder.
      Salazar tomou as rédeas do país e com a sua chegada, tudo serenou e foi nessa altura que Portugal entrou no verdadeiro caminho.
   Acabaram-se as leviandades e o povo entendeu então que bastava de loucuras, aceitou o regime salazarista e até ficou satisfeito com os primeiros passos dados, as directrizes indicadas, os conselhos régios, o rigor, e foi quando então as famílias portuguesas, entenderam o novo trilho a seguir, adaptando-se às novas regras do país, só que a grande falta de cultura que grassava no país, consistia uma das grandes e preocupantes carências portuguesas, pois as pessoas estavam habituadas a trabalhar e pouco mais tinham para combater esse desgaste quotidiano e foi então que muitas localidades, inclusivamente Torcena, se dedicaram um pouco mais ao associativismo, criando os seus grupos, onde pudessem adquirir ideias mais concentradas, estabilizadoras e sobretudo criar locais onde se pudessem, não só divertir, como educarem-se e adquirirem mais conhecimentos.
   E foi assim que apareceu um grupo de jovens tercenenses que se propôs criar uma colectividade para tentar dar ao seu povo um pouco de mais conhecimento, sobre a cultura.
 Mas quem eram eles, para poderem avançar com um programa mais rigoroso, que difundisse mais e melhores conselhos, se afinal eles, também pouco mais sabiam ?...
    Embora possuidores da sexta classe, aconselhada naquela época, como mínimo de escolaridade mas não para toda a gente, porque as pessoas tinham de trabalhar devido ás grandes carências que reinavam em seus lares, o Grupo Recreativo de Torcena, foi o berço desses mais desprovidos, e o ensino do teatro, da música e afinal esses princípios culturais foram-se enraizando, ao ponto de se criar uma orquestra que evoluiu até aos anos cinquenta, tornando-se mesmo numa das melhores da área metropolitana de Lisboa, acabando por se extinguir depois, em meados dos anos cinquenta.
    Criou-se uma biblioteca que, curiosamente, era dirigida e bem, por uma pessoa analfabeta, homenagem seja prestada a Doroteia de Oliveira que a dirigiu durante algum tempo.
   Formou-se um grupo cénico que fazia representar gente minimamente letrada, conjuntamente com analfabetos mas cheios de vontade de aprender a ponto de saírem dele, grandes amadores teatrais e foi esse agrupamento que mais se difundiu nessa época, que, com o avançar dos anos, respeitando as alterações precoces impostas pelo ditador Salazar, obrigavam a que as pessoas cada vez mais se refugiassem nessas colectividades, esquecendo a política, deixando a turbulência em que se vivia uns anos atrás, tendo sido mesmo fundamental para se dar início à revitalização e reconversão do povo, que por estes métodos ia tomando conhecimento de alguns factos que até então lhe eram estranhos, mas jamais preocupando-se com as raízes da sua terra.
   Foi desse trabalho fecundo nos anos cinquenta que Fernando Silva surgiu, mercê do seu entusiasmo, da sua força de vontade e do grande gosto que nutria pela arte de Molière
    Nesse tempo o povo lembrava vagamente as histórias dos seus familiares, mas a vida, sempre a dureza da vida era uma constante preocupação, porque as regras governamentais iam sendo cada vez mais rígidas.
    Salazar, tentava acabar com os abusos e terá conseguido mas por um processo ditatorial, determinado, e sobretudo repressivo, que aos poucos ia aumentando e por isso revoltando as gentes deste nobre país.
  Isso terá sido uma das causas por que o povo se foi esquecendo do passado, porque o futuro mostrava-se pouco risonho e o presente era duro, bastante difícil mesmo, quase impossível de suportar e quem se atrevesse a tentar alterar a situação, era severamente castigado.
    A falta de estudos mais avançados terá sido fundamental, porque as pessoas limitavam-se ao seu dia a dia de trabalho. Casa, emprego e vice-versa e pouco mais, restando-lhe um ligeiro tempo ao serão para dedicar à sua colectividade e era essa forma de cultura, carente, debilitada, que ia adquirindo, não havendo, nem estudos, nem interesse para se poderem debruçar sobre o passado.
   E assim foi vivendo o povo agarrado e seriamente atento ao cérebro tendencioso e tenaz da ditadura salazarista, aos seus inconvenientes, às suas repressões e sobretudo, acabando por acatar, devido aos pesados castigos, às injustiças, às leis que saiam e protegiam apenas os senhores, os ricos, os capitalistas e os trabalhadores, a classe mais pobre, era desprotegida, limitada ao primeiro ciclo de escolaridade, que nem sequer era obrigatório pois a maioria, dadas as grandes dificuldades nos seus carentes lares se obrigava a faltar às aulas e como tal, limitando o seu futuro, sujeitando-se aos trabalhos de campo e pouco mais, levando uma vida de autêntico escravo.
  Salazar impôs muito camufladamente a lei do silêncio, do terror, do analfabetismo, colocando as pessoas bem longe até da vulgar cultura popular e mais não tinha acesso, pois as pessoas nasciam, viviam e acabavam por morrer sem saberem o passado da sua gente, dos seus avós, dos seus bisavós e afinal daqueles que tanto tinham labutado para que eles tivessem chegado até ali e como as histórias eram tão singelas, tão iguais umas às outras, que nem sequer valia a pena nelas falar, porque afinal, as suas vidas, eram iguais à dos seus antepassados, na óptica deles, vazia, sem nada de registo, apenas preenchidas de trabalho, sacrifício, com muitos lares repletos de fome, dor e morte e pouca ou mesmo nenhuma relevância acabavam por lhes dar, perdendo-se no decorrer dos anos e torturas da vida.
    Isto repetiu-se até, praticamente, ao final da primeira metade do século XX, altura em que algumas luzes se acenderam, algum modernismo apareceu, através do surgimento da televisão.
  O mundo visto pela TV, embora de uma forma censurada e manipulada pelo Estado português, foi sendo mostrado ao povo que, o recebeu de braços abertos, curioso, ávido, desconhecendo que tudo que passava pelo ecrã era rigorosamente seleccionado, preparado, mas que importava, se o que lhe era mostrado era sensacional, maravilhoso e de espantar ?...
  Ouviam falar disto e daquilo mas na maioria das vezes não se fazia a mínima ideia de como podia ser, acontecer, como era, como se vivia e isso, passado algum tempo, acabaria por ser fundamental para despertar a curiosidade das carentes pessoas, que viviam nesta Tercena e em todas as outras “tercenas” do pais, verdadeiramente de olhos vendados e ouvidos mocos ao exterior.
    A ditadura impusera severas condições, regras rígidas, mas afinal, os mais curiosos, alguns acabaram mesmo por ser severamente castigados, por tentarem passar clandestinamente ideias e mensagens de que afinal, havia mais, melhor e mais interessante para o povo tomar conhecimento, só que tudo isso era escondido, para evitar que o povo se revoltasse e os que eram descobertos nessa transmissão de ideias, era castigado.
     O Tarrafal que o diga!.... O Aljube, estava cheio de gente injustamente encarcerada.
     Felner Duarte de Barcarena, Joaquim da Silva de Leceia vulgo o “Pirata” e Júlio do Rego de Valejas, foram massacrados pela Pide, numa tentativa de darem esses novos conhecimentos considerados subversivos ao povo da freguesia de Barcarena e foi então que a guerra começou, numa luta tenaz, mas escondida, atamancada, injusta que levou muita gente à morte, à repressão, ao duro castigo que só viria a terminar em Abril de 1974.
     Por tudo isto o povo de Tercena cresceu, viveu e morreu sem saber verdadeiramente o real historial da sua ancestral gente, evidenciando uma total ignorância no respeitante ás suas origens, por todos estes atropelos, que duraram quase cinquenta anos, tendo sido mesmo a razão porque hoje muito pouca gente natural da terra, ignora a maioria das histórias ocorridas pelos sacrificados seres que se atreveram a viver neste torrão desde, pelo menos, o século XIII no reinado de D. Afonso III.
   Gente que não teve tempo, cultura, nem a mínima preocupação em deixar gravadas essas histórias, esses sofrimentos, esses grandes sacrifícios, porque a ditadura de Salazar fora grande, traiçoeira, pois se porventura alguém se atrevesse a escrever fosse o que fosse, sobre essa dureza de vida imposta aos portugueses, a partir dos anos trinta, tinha o devido e severo castigo e assim aqueles que resistiram e tiveram a felicidade de chegar aos dias de hoje, muito poucos são eles, limitaram-se a contar vagamente as histórias ocorridas apenas com os seus familiares e pouco mais, mas mesmo assim a perderem-se com o seu desaparecimento e acabarem por ser esquecidas, por nítido desinteresse dos seus seguidores.
   Poucas histórias ficaram, restando apenas aquelas que os curiosos, e atrevidos corajosos, que tudo gostam de saber, tiveram a arte e o engenho de as desencantar a essas bibliotecas vivas, que entretanto foram desaparecendo.
    São essas que se impõe levar urgente e insistentemente às novas camadas, felizmente evoluídas, com estudos, com preocupações acrescidas, agarrados a especialidades, devido à grande concorrência dos nossos dias e que hoje, esses estudos, são conhecidos por antropologia na sua vertente etnográfica, bem entrosada ao folclore dos nossos dias.
     Foi com grande dificuldade que essas histórias apareceram fidedignamente relatadas, estudadas com rigor, algumas mesmo descodificadas devido a essa fraqueza cultural dos entrevistados, muitos já de memória esquecida e são essas preciosas narrativas que irão prevalecer no futuro, constituindo, felizmente ainda, um vasto rol de assuntos em todas as áreas, para se poder valorar a valentia e coragem dessa gente que tanto sofreu para fazer o seu ciclo de vida, coisas que hoje são consideradas de mera importância, mas que naquela época constituíam gigantescos problemas e obstáculos duros de ultrapassar.
    Mas na realidade, mesmo após alguma insistência na sua introdução nas novas mentalidades, infelizmente outras preocupações ocupam o cérebro desses jovens e as narrativas do passado, a maioria, acaba por ficar perdida na poeira da longa caminhada, pois constatamos que, infelizmente, cada idoso que desaparece é uma velha biblioteca que se afunda no abismo da eternidade, levando consigo os seus conhecimentos e é pena que assim aconteça, pois o que parece interessar ao povo desta época e afinal as razões porque existimos e respiramos o ar que a natureza gratuitamente nos oferece, são, o futebol e a porca e falsa política de quem nos governa.

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