domingo, 2 de setembro de 2012

Uma passgem pelo passado

OS CASAIS AGRÍCOLAS NA REGIÃO DE BARCARENA


    Antes da freguesia de Barcarena, ter sido constituída em 1835, já toda a região possuía os sus casais agrícolas, pois os núcleos habitacionais eram reduzidos e pelas serranias, vales e lezírias, misturados com as grandes searas, existiam os Casais, que, albergavam, para além das famílias que neles viviam, o pessoal contratado para o amanho das terras, neste caso particular, o ciclo do trigo, que era bastante em ambas as margens da Ribeira de Barcarena.
   Conhecemos assim alguns casais mais contemporâneos, mas a verdade é que esse tipo de habitação, armazém e celeiro, já vinha dos tempos remotos em que toda a região se regia por clãs, uma vez que há conhecimento de que, já no século XIII, se produziam cereais, e produtos hortícolas, pois toda a vasta área, hoje Tercena, era uma “Herdade” ocupada pelos “Homens de Torgena” que, obviamente, se dedicava à agricultura.
  Com a criação da fábrica da pólvora, os casais predominaram mais na área norte da freguesia, bastante deserta e só por volta do século XIX é instalada uma mais rígida atenção à área agrícola.
   Todo o movimento local passou a ser mais bem controlado pela Junta da Paróquia de S. Pedro de Barcarena, mas a partir de 1836 com a constituição do primeiro executivo da Junta, esta ficou responsável pela divisão administrativa e as paróquias com os seus registos e determinações de índole religiosa.
   O primeiro executivo foi entregue ao presidente José de Avellar e como membros do executivo, Joaquim Rebello, José Maria Sinel de Cordes e João Dias Alces Franco.   
    Entretanto o Morgado de Barcarena já vinha abarcando muitas terras arrendadas a rendeiros e foreiros, só que os terrenos mais importantes pertenciam a quintas, que assim pagavam as rendas e impostos, norma que prevaleceu até quase aos nossos dias.
   A verdade é que no século XX conhecemos diversos casais, que mantinham a sua actividade durante todo o ano, embora com maior ritmo de Abril a Julho, pois era quando os trabalhadores os invadiam, primeiro parta as mondas, depois para as animadas ceifas e finalmente para a fase final do ciclo, que consistia nas debulhas, arrumos e limpeza dos armazéns anexos aos casais.
  Os seus donos cobravam uma renda para rendeiros mais pobres os trabalharem e assim apareceram vários casais que regulavam determinadas áreas de terrenos de cultivo, sendo o de Cabanas, o que mais movimento possuía.
   Cabanas, que se localizava ao cimo das terras do lugar do Bico, albergava sempre um grande número de trabalhadores, por norma mais de meia centena de mulheres e homens, que ali chegavam vindos de todas as partes do pais, mas com maior força do Oeste.
  Eram transportados nos comboios que chegavam à estação do Cacém e depois caminhavam a pé, ou nas carroças e galeras para os casais onde eram colocados.
  Cabanas mantinha uma tradição muito grande nesta actividade e foi o último casal a deixar essa vida agrícola, depois de todos os terrenos circundantes terem sido vendidos para a construção de urbanizações, só que, por sorte, os mais importantes em redor do grande casal, foram adquiridos pela Câmara Municipal de Oeiras, onde determinou ali instalar um campo de golfe e portanto manter-se ainda hoje uma longa faixa de viço verde.
    Mais ao lado existia, o casal de S. Miguel da Serra pertencente à família de Álvaro Brée de Barcarena, que igualmente albergava muita gente, pois no princípio do século passado, o Casal chegou a juntar ali, reconheça-se em condições precárias, cerca de cem pessoas a viver, todas elas dependentes do trabalho que ali se gerava em torno dos campos agrícolas.
   Até uma capela ali fora concebida, dedicada, obviamente, a S. Miguel, só que, aos poucos a vida agrícola foi baixando a ponto de se extinguir por completo, as casas foram tombando com a influência do tempo e também por demolição propositada e hoje não se consegue distinguir esse antigo bairro, tendo prevalecido até aos nossos dias, apenas e curiosamente, uma das figueiras que ali existiam e que, dava figos suficientes para matar a fome a muita gente necessitada e que na verdade, deles dependia.
   Os últimos barracões ali existentes deverão ter caído de vez nos anos sessenta, pois albergavam o gado do pastor Vítor filho dum lavrador bem conhecido, o “Álvaro da Pinta” que tinha o seu quartel - general montado à entrada de Barcarena, na descida do Sobreiro, o que ainda hoje se pode  ver, mas  completamente desmantelado.
    O Casal do “Álvaro da Pinta” era outro dos casais existentes na região, que no seu tempo recebia igualmente pessoal para o trabalho do campo, mas em menor número que o de Cabanas, no entanto fez vida albergando mulheres e homens, durante muitos anos.
    Mais a baixo, existia o casal agrícola do Sobreiro, que prevaleceu muitos anos como local agrícola, pertencente a Álvaro de Brèe, mas depois de ficar separado da sua luxuosa propriedade à entrada de Barcarena, devido a estrada entre o Cacém e Caxias os separar, foi vendido e hoje está transformado em moradia de uma família, encontrando-se em excelente estado de conservação. 
  Em Queluz de Baixo existia o casal do Barroca, mesmo dentro da povoação, colado à propriedade, onde viveram os médicos da corte, quando esta se instalava no Palácio Nacional de Queluz, denominada “Palácio Restani”, hoje em ruínas, mas do casal do Barroca, nem uma pedra lá se encontra.
     No centro de Tercena, existiam cinco casais que marcaram esta época áurea dos anos trinta a meados dos anos sessenta do século passado.
    A norte, era conhecido o Casal do Crispim, onde a família vivia do campo, pois estava encarregado de fabricar todas as terras circundantes, que pertenciam à família Canas, com o velho Javardo, figura típica da terra, a tomar conta e bem, desta actividade.
    O Javardo contratava famílias sérias e trabalhadoras para cuidarem das suas terras e depois, no final da época era-lhes pago o seu trabalho com parte das colheitas.
  Quase ao lado, estava o Casal de Manuel Roque, com os seus velhos armazéns, mesmo ao lado da grande eira, onde mais tarde, por a actividade ter findado, se ter enchido de famílias que da província chegavam procurando nos arredores da capital melhores dias e sobretudo casa barata.
  Mais abaixo existia, o casal do Conde da Azaruzinha, adquirido posteriormente pelos Canas, família de Porto Salvo que foi dirigido por um elemento da família dos Guizos de Massamá.
 O Alfredo e o António eram irmãos e davam-se muito mal, contudo viviam da agricultura, mas numa escala muito reduzida.
      Mais ao lado ficava o casal do António e talvez por estarem perto uma da outra, as cunhadas davam-se muito mal, envolvidas quase sempre em discussão, por isto e por aquilo, mas os irmãos, embora nunca tivessem tido um bom relacionamento um com o outro, iam fazendo a sua vida, criando as suas eiras mesmo ao lado do edifício onde viviam.
    Dentro da rua principal de Tercena conhecíamos o Casal do Tapiço, que, apenas vivia da criação de gado, pois mantinha sempre um bom número de vacas, animais que sustentavam a numerosa família, já que era composta por mulher e mais seis filhos.
   Mesmo no fim da localidade encontrávamos o Casal do João de Peles que igualmente se governava com a criação de ovelhas, possuindo um grande número de terrenos que apenas serviam para alimentar os seus animais.
  Os casais foram desaparecendo, ou ficando em ruínas com a grande expansão demográfica verificada a partir dos anos sessenta e a região que era uma das melhores para criação se trigo, já o garantia o Marquês de Pombal, ficou abandonada, por falta de terrenos de amanho, já que quase todos eles, foram dedicados à construção de grandes bairros, que ainda hoje prevalecem, e uma das grandes perdas para além dos cereais que ali se criavam, foi a extinção completa das espécies cinegéticas, pois as terras de Cabanas eram uma das zonas mais procuradas pelos caçadores, onde abundavam lebres, coelhos, perdizes e todas as espécies de arribação que no Inverno invadiam todos estes terrenos agrícolas, tornando a região numa área de caça muito apetecível.

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