terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Desabafo de um casal nesta quadra natalícia

“O NATAL DA HIPOCRISIA
Obrigado pelas felicitações
E vosso sentimento humano,
Mas o Natal para nós dois
É recordado todo o ano.

Pensávamos estar sós
Por sofrermos tantos castigos
Mas afinal constatamos
Ainda haver por aí amigos.

Obrigado aos que felicitaram
Este modesto casal
Que ao tanta gente ajudar
Só nos pagaram com o mal

Por isso há uma revolta
Para o resto da nossa vida,
A amizade que em tempos houve
Hoje já está esquecida.

Pois festejem o Natal
Mas ponderem o fazer bem!...
Vejam o que nos sucedeu ?...
Hoje não temos ninguém !...

 Essa gente que acarinhamos
Só nos deu vida atroz
Os anos passaram céleres
E hoje estamos tão sós.

O Natal é das crianças
Com seu mundo de fantasia
Porque os adultos nesta quadra
Só oferecem hipocrisia.

É esta a nossa revolta,
Que isto não fique esquecido,
Quem dá por caridade
À pedrada é agradecido!...

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Lembrando velhos tempos e costumes

O CASAL “MIRA”
E O APOIO SOCIAL E HUMANO QUE DAVA AOS MAIS NECESSITADOS
   Tercena conheceu nos anos quarenta e cinquenta, uma família que ficou marcada na história desta terra como uma das mais sociais e humanas que por Tercena passou.
  Porfírio Simões e Maria Francisca, eram naturais da região de Sines e vieram para Tercena muito novos, precisamente nos primeiros anos da década de quarenta.
    Ela tinha servido durante muito tempo em casas de Lisboa, naquele tempo, mulheres que trabalhavam como criadas, viviam debaixo do mesmo tecto que os seus patrões, indo à sua terra Natal de tempos a tempos, pois eram como que escravas das famílias mais abastadas, contudo como a vida estava má e nas suas terras de origem ganhavam muito pouco, estas raparigas sem estudos, muitas até sem saberem ler, obrigavam-se a servir e passar por estas aventuras.
   Conhecemos muitas que até eram abusadas pelos seus patrões, e pobres, de condição baixa, sujeitavam-se a isso, apenas para poderem usufruir de um pouco de carinho, uma melhor alimentação, já que a fraca jorna que lhes era atribuída ao final do mês, e muitas até só no final do ano, era uma mais valia importantíssima para delinearem o seu futuro.
   A Maria Francisca, vulgarmente conhecida pela “Mira” trabalhou em Lisboa em diversas casas, e por este processo, logo que viu chegar a oportunidade de se soltar desta vida, acompanhou o seu marido, o Porfírio Simões, também alcunhado pelo “Mira” numa migração vulgar, em busca de melhores dias junto da capital portuguesa, acabando por se radicarem em Tercena.
  Ela era muito espirituosa e mais tarde, quando lhe ofereciam sopa para comer respondia altiva e com um sorriso muito especial no rosto.
    “Sopa, farta de ser sopeira fiquei eu quando trabalhava em casa das minhas patroas”.
  Ele, atraído pelo trabalho quase garantido da Fábrica da Pólvora e ela, deixando as suas antigas patroas, partiram para uma nova aventura, deixando os seus familiares e o seu torrão natal.
    A II Guerra Mundial estava instalada no seio da Europa, e a guerra civil de Espanha matava a esmo em terras de “nuestros irmanos” e estes dois terríveis acontecimentos na Europa, obrigavam que a Fábrica Militar de Barcarena, não parasse de noite e dia no fabrico de material bélico para os abastecer, porque Salazar não dormia, esperto não participou nestes conflitos, mantendo neutralidade apenas para poder facturar as muitas munições e explosivos que fabricava em Barcarena.
    Foram pais de três filhos, a Alda, a Manuela e o Álvaro e foram morar numas casas pertencentes ao Filinto Silva e por ali se deixaram ficar durante muito tempo, pois este proprietário, como era empregado superior na Fábrica da Pólvora, arranjou-lhe trabalho naquela unidade fabril.
  Ele, tal qual se previa, colocou-se radiante na fábrica como servente e ela ficou-se pelos seus trabalhos domésticos, uma vez que, com três filhos pequenos para criar, tinha muito com que se entreter.
  Tornou-se um casal muito popular por serem muito prestáveis, pois ela a todos acudia e mesmo com escassos recursos, valia a toda a gente, enquanto ele não lhe ficava nada atrás, pois sempre que alguém lhe solicitava os seus préstimos, acorria de imediato sem olhar a recompensas, embora por vezes recebesse compensações, especialmente quando era chamado para despejar fossas, enterrar animais domésticos que morriam, ou para vestir defuntos, tarefa que tanto ele, como ela se prestavam com a maior das simplicidades, recebendo depois roupas daquele que faleciam, homem ou mulher e logo no dia a seguir usavam essas mesmas vestes sem possuírem quaisquer dúvidas ou receios.
     Mas a família “Mira” ficou caracterizada pelo facto de ser muito humana, no entanto não se julgue que vivesse desafogadamente, pois bem ao invés, ele com um mísero ordenado de vinte e oito escudos por dia, mal chegava ao fim de semana para alimentar a família e por essas razões, ela, obrigava-se a lavar roupas, ou fazer quaisquer outros serviços, a quem lhe solicitasse.
     Na época do Natal apareciam sempre em Tercena, grupos familiares que deambulavam miseravelmente pelo país apresentando um simples espectáculo de circo ao ar livre e então, por norma, faziam o seu trabalho quase junto à sua porta, precisamente na entrada da Travessa 5 de Outubro que comunica com o chafariz e tanque das lavadeiras a caminho do lugar do Bico.
    Era aí que essa gente pousava, sem consentimento de ninguém, mas também, verdade se diga, que nenhum vizinho reclamava, por saberem que se tratava de gente muito pobre que daquela forma tentava ganhar a vida e era precisamente a “Mira” que ao ver, por vezes, crianças pequenas, mal vestidas, passando fome e frio com roupas de todo o ano, que as levava para sua casa, lhes dava de comer e vestindo-as com trapos velhos de seus filhos, mas muito melhores que aqueles que as crianças usavam e isso era uma acção social que, embora na época ninguém reparasse, deixava-a bastante consolada, porque custava-lhe muito ver aqueles desgraçados inocentes, que não tinham a culpa de terem nascido, passarem tão mal e por vezes tão pequenos.
   Os pais lá apresentavam à noite, quando o tempo deixava, o seu modesto espectáculo, onde não faltava a cabra e o burro escanzelados, grande transporte dos parcos apetrechos do improvisado circo, o escadote e alguns sacos com as suas roupas encardidas e acabrunhadas com que se apresentavam ao público.
    As pessoas de Tercena compareciam para ver, também diga-se em abono da verdade, que pouca animação havia na terra, pois raramente se faziam espectáculos na colectividade local e então servia para passarem um pouco de tempo e também, muitos com o sentido humano de ajudar aquela pobre família, que daquela forma corria o país de terra em terra.
  A “Mira” facilitava a sua pobre casa a esta gente, dando-lhes comer, e por vezes até dormida, quando via que era desumano deixar aquela família aconchegar-se debaixo de um pano que armavam com duas varas, atrás da casa da D. Esperança ou do tanque onde as mulheres lavavam a roupa, para passarem a noite, sabedora de que chovia fortemente.
  Era isto que mais ninguém se atrevia a fazer, sem conhecer as pessoas de lado nenhum, sujeita a criar problemas, mas esses medos eram coisas que não pairavam na mente daquele casal, considerado os pais dos desgraçados que gravitavam por esse país fora e de quando em quando apareciam em Tercena.
  Também nas noites cálidas do verão, aparecia o homem do cinema com a sua máquina muito obsoleta, funcionando a acetileno, que projectava contra a parede alva da Margarida Pires, mesmo diante do café do Parreirinha, os filmes mudos que encantavam, especialmente a rapaziada, que, quando os viam chegar, andavam de um lado para o outro a transmitir às pessoas do lugar que tinha chegado o homem do cinema.
  E a grande verdade é que o muro do “Lagarto” enchia-se de gente ávida por ver aquelas películas americanas muito antigas, como o “Charlot”, filmes de cowbois e tantas outros a preto e branco, sendo mesmo um grande entertenimento às vezes durante uma semana.
    O “Mira” recebia aqueles homens como que fosse o “alcaide” da terra, o chefe de uma clã, ou comparável, dando-lhes de comer e era ele que no final da sessão passava com uma bandeja a recolher donativos para ofertar ao projectista que agradecia imenso retirando-lhe uma grande e importante tarefa.
    O “Mira” adorava ver estes filmes, especialmente os de cowbois e quando as coisas corriam mal para o lado do herói da fita, gritava:
   “Mira manca está com a tranca”, ou então quando se tratava de cenas mais amorosas, o “Mira derretia-se todo e gritava; “agora o rapaz morreu e a rapariga casa com o cavalo”.
  Uma gargalhada fazia-se ouvir e a boa disposição reinava sempre nessas noites agradáveis, onde as pessoas acorriam por o cinema nessa época ser uma grande novidade, e Tercena raramente receber os ambulantes que, projectavam esses filmes na colectividade, já com som e com grandes artistas, só que era muito raro, aparecendo em média duas ou três vezes por ano.
   Ainda neste tipo de distracção, na localidade, nos anos quarenta e cinquenta surgiam ainda pelo menos duas vezes por ano o ventrículo que portava sempre dois bonecos, o “Sebastião” e o “Ambrósio”, que se detestavam, nas histórias que o artista contava com entusiasmo e um certo humor.
     E perguntava a ambos: “Ambrósio”, o mais mariquinhas, “o que queres ser quando fores grande ?”
    E o boneco, através da voz de falsete do artista, respondia: 
”Passarinho”.  “Para quê ?”, insistia o artista.
    “Para poder voar pelo espaço!”, respondia o boneco.
    Depois virando-se para o outro, mais malandreco e refilão, questionava-o:  “E tu Sebastião ?”  respondendo logo de seguida  “Espingarda!”.
     O artista voltava a perguntar:  “Para quê ?”
      E o Sebastião com voz grossa de rufia, ripostava. “Para matar o passarinho. Eu não o gramo!”.
  Era uma risota geral à porta da mercearia do Lagarto, no largo 1º Maio onde as pessoas, munidas de cadeiras que traziam de casa, ali se sentavam para ver este tipo de espectáculo, que tinha tanto de artístico, como de boa disposição.
   Tratava-se de pessoas mais evoluídas, privilegiadas que já não se apresentavam tão miseravelmente como as do circo ou do cinema e assim viviam correndo as localidades vizinha com estes improvisados programas que distraíam o povo, já que este, por norma não tinha acesso aos grandes espectáculos que decorriam na capital, e nos grandes centros urbanos.
    Mas a grande verdade e moral destas histórias era o espírito humano e social que reinava no seio das nossas gentes, pois acolhia estes personagens, alguns até com grandes recursos artísticos, com todo o carinho, sem desconfianças, ajudando-os na sua grande e árdua luta pela vida e por norma sempre olhando as crianças que se obrigavam a deambular junto de seus familiares, tanta vez passando fome, sem acesso à escolaridade e logo de pequeninos, obrigando-se a participarem no espectáculo fazendo números arriscados, como era o obrigatório número de contorcionismo que, sem exibirem grande qualidade, acabavam por ser aplaudidos por se perceber o grande esforço, a sua grande coragem que demonstravam e sobretudo tratarem-se de crianças de tenra idade, imbuídas já no espírito de ajudar os seus pais para que pudessem passar um pouco melhor.     
   A “Mira” era uma pessoa muito sensível e por isso ficou demarcada pelo seu grande espírito humano, altruísta e amiga de quem tinha dificuldades, esquecendo-se muita das vezes que ela pertencia a esse mesmo grupo social, já que na sua casa também tinha que acorrer a apoios extras por nutrir sérias dificuldades, pois o ordenado de seu marido não chegava para fazer face às despesas das cinco pessoas que compunham o seu agregado familiar, dando aquilo que tinha em casa aos outros por entender serem mais necessitados que ela, faltando, incrivelmente, por vezes aos seus próprios filhos.
&&&

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

A morte de Augusto Lenine Abreu

O MARINHEIRO, O AMIGO, O PINTOR E O EX-AUTARCA DEIXOU-NOS PARA SEMPRE
    
     Quem diria que o marinheiro, o amigo, o pintor e o ex-autarca completaria oitenta anos a 18 de Janeiro do próximo ano ?...
   Com a vitalidade que exibia Augusto Lenine Abreu, ninguém podia acreditar que a sua morte acontecesse assim tão rapidamente, mas a grande verdade é que ela surgiu inesperadamente deixando a população de Barcarena numa grande consternação, pois era um homem demasiado conhecido, atencioso, muito preocupado com o problema dos outros, e sempre com uma história para contar, onde a marinha era obrigatoriamente o principal protagonista.
    Falava-nos por vezes do seus importantes trabalhos, quase sempre desvalorizando as suas habilidades, mas a verdade é que as suas obras tinham muita qualidade, daí receber sempre muitos pedidos, o que ele francamente não podia corresponder.
  A arte de pintar sobre azulejo, só ele sabia dar o tal toque final que fazia agradar o amigo. Os preços … ora os preços era o quanto bastasse para pagar os materiais porque de resto jamais seria com esta sua arte que Lenine iria enriquecer, pois ele pintava por gosto, por distracção e também para satisfazer a vontade dos seus amigos.
 Assim surgiram dezenas de trabalhos que ele naturalmente, passados todos estes anos, até desconhecia onde se encontravam, mas a realidade era só uma, tinha feito o gosto ao dedo e sobretudo encantado o seu cliente, que orgulhosamente exibia os seus trabalhos nos sítios mais convenientes.
  Assim aconteceu com Fernando Silva, que lhe solicitou alguns quadros em azulejos e os exibe com a maior estima e consideração em sítios frequentados, como é a entrada do seu museu Etnográfico, com a placa identificativa do mesmo, e o salão do restaurante Retiro Típico da Quinta do Filinto.
 Os seus trabalhos são sempre admirados com minúcia fazendo mesmo inveja a sua arte, o seu saber, o seu requintado bom gosto e tantos nos têm solicitado o seu endereço, mas por vezes não é possível assim repentinamente, no entanto agora, infelizmente, as suas habilidades apenas vão ficar na memória dos seus amigos, recordá-las e apelar para que os mais novos sintam com fervor a sua arte, insistam naquele tipo de actividade, pois será uma forma de constantemente, enquanto por cá andarmos, recordarmos com muita saudade esse grande homem chamado Augusto Lenine Abreu que tão inesperadamente nos deu o desgosto de ver desaparecer para sempre.
     A notícia de sua morte chegou brutalmente à nossa redacção o que nos deixou deveras tristes, por tão inesperado se ter registado.
  Lenine Abreu ainda há menos de uma semana tinha falado connosco a marcar o serviço para a próxima edição do jornal “ A Voz de Torcena” onde ele era colaborador há alguns anos, rubricando a coluna “História do Dia”.
    Lenine Abreu, tinha estado numa festa, mas ao sentir-se mal, teve de ser conduzido ao hospital de Cascais, onde dois dias depois infelizmente acabaria por falecer.
  Lenine era das pessoas mais consideradas na freguesia de Barcarena, não só por
ter sido um excelente associativista e autarca, como
também pelo seu porte, a sua maneira de ser nunca tendo uma palavra amarga fosse para quem fosse.
    Lenine Abreu foi presidente da Mesa da Assembleia de Freguesia de Barcarena, membro da Assembleia Municipal assim como pertenceu a vários executivos na autarquia de Barcarena.
  Pertenceu várias vezes aos corpos gerentes dos Bombeiros de Barcarena e presentemente exercia o cargo de relator da Assembleia-Geral da Associação Cultural de Tercena, colectividade que ele estimava e inclusivamente tinha acompanhado o seu rancho folclórico numa digressão ao Brasil e estar sempre à sua inteira disposição.
    Reformado da Marinha onde prestou serviço vários anos e presentemente fazia parte dos corpos gerentes de um grupo ligado a reformados marinheiros, de quem, falava das suas iniciativas com muito orgulho e entusiasmo.
     O seu corpo foi velado na Igreja de S. João no Estoril e seguiu depois para o crematório de Rio de Mouro onde acabaria por ser cremado, respeitando-se a sua vontade.
   A Junta de freguesia de Barcarena, por intermédio do seu presidente Vítor Alves, ainda tentou que o seu corpo fosse velado numa das capelas da Freguesia, assim como sepultado no cemitério local, mas a vontade de Lenine teria de ser satisfeita e como tal assim aconteceu no crematório de Rio de Mouro três dias depois de ter falecido.
  Vítor Alves, um dos grandes e muitos amigo de Lenine Abreu, ainda adiantou sobre esta decisão de sua esposa, “se ele pudesse escolher tenho a certeza que gostaria de ser aqui velado e nesse sentido ofereci os meus préstimos”, no entanto coube à sua companheira de muitos anos, tomar muito justamente, a derradeira decisão.
  Casado, com D. Lurdes Abreu, pai de dois filhos, viveu muitos anos em Tercena mas ultimamente morava no Estoril, só que era rara a semana que não visitasse Tercena e inclusivamente as instalações do jornal onde colaborava.
  Tanta vez o seu nome, “Lenine”, foi alvo de momentos de paródia, pois conhecido que era o grande ditador russo que também se chamava Vladimir Lenine, os amigos parodiavam “Aí está o grande czar da Rússia”.
  Ele ria, nunca levava a mal e apenas comentava. “Czar nunca, mas sim Lenine Abreu, pois sou socialista com muita convicção, mas não ditador”.
   Uma gargalhada entre todos e nada mais merecia comentário, porque o que ele fomentava com muita convicção era a amizade, a concórdia e o respeito pelo seu próximo, fosse de que cor fosse, etnia, religião, ou estrato social.
     O seu funeral realizou-se no passado dia de S. Martinho e foi cremado no crematório de Rio de Mouro.
  O seu corpo, foi acompanhado por muita gente, apesar de estarmos num dia de semana, e com a presença de um pelotão de marinheiros que fez as honras militares com salvas.
    Presentes também quase todos os membros da Junta de Freguesia de Barcarena, assim como militantes do partido Socialista, já que ele era um fiel adepto, e ainda outras instituições, pois todos lamentavam a sua tão repentina morte, quando muito ainda se esperava dele.
 O corpo antes de ir para o forno crematório esteve na sala de despedida, e sem ser aberta a urna, os presentes, especialmente os seus mais directos familiares, despediram-se comovidamente, enquanto um oficial da marinha entregava à viúva D. Lurdes Abreu duas medalhas atribuídas pela armada, precisamente a “Medalha por serviços distintos com palma” e ainda a relativa à sua comissão na Guiné.
   Perdeu-se um grande valor e foi pena porque Augusto Lenine Abreu ainda poderia estar muito mais tempo entre nós, mas a vida é assim mesmo, não temos poder sobre ela, resta-nos recordá-lo com saudade porque ele bem o merecia.     
&&&





segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Devido aos abusos do povo português

OS USOS E COSTUMES ANCESTRAIS TERÃO DE VOLTAR
   Cada vez e mais do que nunca, os portugueses terão de pensar seriamente nas suas velhas tradições, assim como nos seus ancestrais usos e costumes.
   O actual governo tem estado a deixar o país sem conserto, exigindo do povo aquilo que ele não pode dar, contudo o civismo e o bom sentido patriótico obriga-o a aceitar todas estas imposições substanciadas em cortes nos ordenados, nas pensões de reforma, impostos mais elevados, despedimentos em massa e uma série de encargos e restrições que têm deixado o povo desorganizado.
    Sucedem-se manifestações, críticas duras nos média, opinião adversa até por parte de elementos do partido que está no governo, por pessoas credenciadas e bem conhecidas do grande público mas nada faz demover os senhores que nos governam.
  As tradições terão forçosamente que surgir e aqueles que a elas não estavam habituados, ou nem sequer as conheciam, terão de aprender com os mais velhos e sobretudo com aqueles que nunca as abandonaram porque esses velhos hábitos e métodos são mais que necessários nos dias de hoje.
  Estamos a ver como estrangeiros, nomeadamente alemães e holandeses, procuram o nosso país e estabelecem-se nos nossos terrenos no Alentejo e Algarve para iniciarem uma vida onde possam ser dependentes da terra e do que ela produz, porque já constataram que suas vidas se encontram cada vez mais difíceis de suportar e eles e suas famílias, forçosamente, terão de sobreviver.
    Reconheça-se que se trata de gente onde nas suas terras nada de anormal se passa, como supomos se encontrar a Alemanha e a Holanda, onde a Troika ainda não entrou, mas esta gente antecipa-se porque bem sabe que se um dia a Comunidade Europeia se obrigar a “fechar as portas”, será a primeira a sofrer no duro e mais que ninguém, devido às imposições de sua líder Angel Merkel, que para manter aquela instituição tem sub-carregado os seus cofres, assim como dos bancos que a apoiam.
     Exemplos vindos dessa gente que agora habita o nosso país, trabalhos agrícolas que os portugueses abandonaram por luxúria, por pedantismo e por erradamente pensarem que a vida sempre lhes iria correr da melhor forma.
   Os lavradores alentejanos abandonaram as suas terras por estarem velhos, mas entretanto seus filhos jamais quiseram seguir a vida de seus pais e como tal formaram-se como engenheiros, doutores, arquitectos e sei lá mais o quê, instalando-se na capital com vida confortável e abandonando as suas terras de origem e hoje, estão a ver que naturalmente erraram, porque os pais faleceram, outros estão demasiado velhos, os dinheiros estão a esgotarem-se, o trabalho nas suas áreas está a escassear por falta de clientes, e depois as propriedades herdadas não são vendidas por não haver poder de compra e as terras, essas, encontram-se a monte cheias de mato e vazias de gado, que eram, em outros tempos, o grande sustentáculo de suas vidas, como das suas comunidades e até do próprio país.
   Hoje tudo vem de fora, até os mais singelos produtos são “made  in Spain” e outros países e nós  damo-nos ao   luxo de adquirir um cartão de plástico para adquirir tudo e mais alguma coisa, necessário ou dispensável, pedir ao banco um crédito e agora,  com tanto despedimento e cortes nos ordenados, não há dinheiro para  fazer as respectivas liquidações deixando toda a gente sem condições de  sobrevivência e as instituições à beira da falência.
   Esta é a grande realidade, porque não se pensou seriamente na vida. Porque não se salvaguardou o dia de amanhã. Porque quisemos imitar os povos abastados e super modernizados como são os nórdicos e americanos, e largamos o singelo, para entrarmos no modernismo, ao ponto de hoje até serem raras as famílias que tomam o seu pequeno almoço em casa, pois tudo recorre aos cafés e bares de suas redondezas.
  Esqueceram-se das hortas que seus avós faziam nos quintais e logradouros de suas casas, actividades que hoje são raras devido à demografia das localidades e aproveitamento de terreno, que eram metade do sustento da família.
    Puseram de parte a criação de porcos, galinhas, patos, coelhos que eram alimentados com as sobras e restos da casa.
    Abandonaram a videira e as árvores de fruta do pequeno quintal onde quase tudo havia e agora, obviamente, nada sabem fazer, nem sequer há espaços para cultivar porque foram preenchidos com betão e hoje até nem para se descansar em dias de estio quase não se encontra um cantinho tranquilo, pois tudo está preenchido com habitação hipotecada, tipo jaula, onde se acomodam numerosas famílias.
  Todas estas opções, vícios, ou modernismos, destruíram os nossos costumes e as nossas tão ricas e profícuas tradições e hoje, possivelmente, com o duro estado de vida a que os portugueses se obrigam e se antevê pela frente, terão de fazer o mesmo que os antepassados fizeram, depois de terem ficado sem as suas casas e seus haveres após o grande e devastador terramoto de 1755.
      Tiveram de estender a mão à caridade, pedindo “pão por Deus” aos que na época melhor vida possuíam porque nem esse tão singelo alimento, qualquer dia vão ter para se alimentarem e poderem adiar, embora por pouco tempo, a partida para o outro mundo, tal não está a pôr-se a vida neste belo e velho país plantado à beira mar.
&&&

Coisas que restam da Fábrica da Pólvora de Barcarena

O SALITRE PARA O FABRICO DE PÓLVORA
VINHA DOS ANDES, DO CHILE E OS
 SEGREDOS DE FABRICO, DE ASSIS MAFRA
     O fabrico de pólvora que desde o século XV, sempre se conheceu no vale da Ribeira de Barcarena, na sua margem esquerda, sempre utilizou o salitre para o fabrico do explosivo.
    O salitre é um dos três ingredientes utilizados no fabrico de pólvora, já que o enxofre e o carvão são os outros componentes fundamentais do seu fabrico.
 Sem ele a pólvora não pode existir, pois tratava-se de um material raro no nosso país, existindo poucas jazidas em Portugal, sendo necessário, nesse remoto tempo, na época em que reinava D. Afonso V, importá-lo da Índia, da Holanda ou ainda da Inglaterra.
    Por cá apenas conhecíamos em Moura como produtor deste ingrediente vindo de jazidas, mas nesse tempo as nossas naus que partiam para o ultramar, no regresso vinham carregadas dele, para ser utilizado pelas fábricas de pólvora, pois esse nitrato de sódio era o elemento fundamental do fabrico do explosivo.
   Os engenhos de fabrico de pólvora existentes à beira da ribeira de Barcarena, utilizavam-no de forma pouco recomendada, daí que as explosões fossem quase contínuas, provocando a morte a muitos trabalhadores, na maioria gente de baixa condição social e ainda muita das vezes, homens condenados à morte que para ali eram arrastados por ordem dos monarcas.
   Daí, a pensar nesta mortandade, para que a mesma fosse diminuída, D. João V no seu reinado mandou vir da Suiça António Cremer, um técnico especializado na construção de fábricas de pólvora e tudo melhorou consideravelmente em Barcarena.
   Com a nova tecnologia implantada, máquinas mais seguras movidas hidricamente a explosão passou a ser esquecida, porque as dosagens de nitrato eram as necessárias, bem mais equivalentes.
   Também é verdade que as novas técnicas de extracção e preparação do salitre melhoravam consideravelmente a sua qualidade, passando a ser importado de outros países que despontavam no comércio deste produto e Portugal passou a ser comprado em países da América do Sul como, Brasil e Chile, muito especialmente proveniente das grandes jazidas naturais existentes nos Andes.
      Para o fabrico de pólvora o salitre em Barcarena tinha de passar por um tratamento especial a que se dava o nome de Refinar, depois cristalizar, seguindo a sua lavagem e extracção de lixos, seguia para o enxugo e só depois era utilizado para o fabrico da pólvora.
   Este trabalho só começou a ser feito na casa do Salitre da Fábrica de Barcarena por volta do século XIX, mas antes, vinha totalmente das fábricas de Alcântara, que depois de tratado, era transportado para Barcarena.
  Em Barcarena a oficina de tratamento de salitre começou a funcionar num amplo edifício à beira da estrada e no seu espaço foram construídos quatro fornos, alimentados pelo exterior, tabuleiros extensos para a secagem e celhas de lavagem que portavam cerca de 500 litros de água.
   Esta secção estava distante do fabrico de pólvora, separada pelo ribeiro de Barcarena e por frondoso arvoredo que envolvia a fábrica, procurando não haver contactos para evitar as explosões.
  Também o carvão, outro dos ingrediente que compunham o fabrico da pólvora negra, a lenha que vinha da região de Almeirim, era carbonizada em Barcarena, numa secção distanciada das oficinas de transformação do explosivo, igualmente protegida para evitar explosões, o que francamente e também por haver nisso algum cuidado, nunca acontecera, embora se tivessem registado diversas ao longo do século XX, mesmo já com outros cuidados no fabrico da pólvora.
     A partir da entrada do técnico suíço, esses trágicos acidentes reduziram bastante, no entanto duas explosões quase seguidas, 17 de Agosto e 26 de Outubro do ano de 1805, causaram um certo receio no respeitante à segurança que era apontada, mas na verdade, tanto aquelas, como todas as outras que se seguiram até ao encerramento da fábrica em 1988, foram motivadas por pura negligência dos seus operários.
  Depois da fábrica ser vendida a um grupo empresarial belga em 1951, que denominou a Fábrica de “Companhia de Pólvoras e Munições de Barcarena”, o fabrico de pólvora tinha tendências a terminar para ser trocada por uma unidade de fabrico de pólvora branca, no entanto muitas dificuldades se cruzaram na empresa e também alguma negligência administrativa e empresarial fizeram com que isso nunca se verificasse.
     Nesse tempo o salitre vinha de fábricas existentes em Santa Iria de Azóia, onde preparavam grande parte do que se consumia em Barcarena, pese embora a secção criada nesta unidade fabril vinda dos tempos de António Cremer, embora com significativas modificações, continuasse a fazer o seu trabalho, só que a produção conseguida era insuficiente para o consumo.
  Era chefe desta secção o operário António Nogueira, mais conhecido pelo “António Louro” e nela trabalhava ainda um outro operário vulgarmente tratado por “Saricoté” que vivia na Venda Seca.
    Nesse tempo, anos cinquenta, os mestres gerais foram, João Gonçalves, conhecido pelo “Piriquito” e por este se ter reformado foi trocado pelo José Valente, que eram comandados pelo director do fabrico de pólvoras, o engenheiro Boyen, também de nacionalidade belga, aposta do director Armand Simon Jonet.
   Os mestres interferiam na laboração do pessoal e no recrutamento dos mesmos para as respectiva oficinas de serviço, mas no fabrico, apesar do engenheiro ditar as directrizes de fabricação, obrigava-se a respeitar solenemente, desde o princípio do século passado, até quase falecer, as regras técnicas de fabrico ditadas pelo Mestre Instrutor, Francisco Assis Mafra, um portento no fabrico daquele explosivo, que acabaria por falecer uma semana depois de ter largado o trabalho após quase sessenta anos de ininterrupta laboração ao serviço do fabrico de pólvora negra, por imposição da administração.
  Era um homem bastante sabedor do fabrico de pólvoras e não se acredite que este explosivo para armas de caça, minas e pedreiras, aparecia só por incluir os três ingredientes, carvão, enxofre e salitre, havia lago mais que teimosamente ficou sempre dentro do cérebro daquele homem, que nunca foi desvendado, razão pela qual se obrigou a trabalhar quase sessenta anos, numa tentativa desesperada de um dia poder desvendar e transmitir a outros os tais segredos que ele tanto anunciava existirem, mas nunca terem sido divulgados, pois dizia sempre aos mais renitente, “meus amigos, o segredo é a alma do negócio” e assim, aquilo que de facto existia de secreto e que transformava o produto e o dotava de grande qualidade, residirá nas entranhas da terra, do cemitério de Barcarena onde um dia fora sepultado.
&&&

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Não deixar morrer as tradições

Dia de todos os santos caracteriza-se pelo pedir do “pão por Deus”, por parte das crianças

        A Festa do      “Dia de Todos os Santos” é celebrada em honra de todos os santos e mártires conhecidos ou não e tem lugar sempre no primeiro dia de Novembro, feriado nacional nos países cristianizados.
     Era a festa da igreja Católica Romana que celebra a “Festum omnium sanctorum” seguindo-se imediatamente o dia de fiéis defuntos, com a visita de toda a gente aos cemitérios para colocar flores nos seus familiares e amigos falecidos.
   Seria mais um dia feriado, vulgar como quase todos os outros, contudo o “Dia de Todos os Santos” tem a particularidade de ser o dia de “Pão por Deus”, onde de manhã bem cedo as crianças, munidas do seu saquinho de pano, alguns feitos especialmente para aquela finalidade, correm de casa em casa, porta em porta, para pedirem o “Pão por Deus”.
  Calcorreando toda a localidade, as crianças vão em bandos em alegre chilreada e voltam a suas casas com os sacos cheios de romãs, maçãs, outros frutos, bolachas, rebuçados e tudo quanto as pessoas entenderem oferecer, inclusive dinheiro.
   Há localidades do nosso país, onde o nome desta tradição, é conhecido pelo “Dia dos Bolinhos”, não faltando a oferta de uma pequena broa confeccionada especialmente para este dia.
  Noutras regiões do pais, é vulgar também o padrinho oferecer aos seus afilhados um bolo, conhecido pelo nome de “Santoro”, uma especialidade muito apreciada, mas que na nossa região saloia não era muito vulgar.
  O “Pão por Deus” foi criado e mantido ao longo dos tempos, para perpetuar a triste ideia de que antigamente as pessoas eram quase todas muito pobres e então neste dia, iam pedir o “Pão por Deus” porque havia mesmo muita necessidade de se estender a mão à caridade.
    Primitivamente, as pessoas abriam a porta de suas casas às crianças e afinal a todos os necessitados e estas encontravam uma mesa bem recheada de comida e bebida e quando chegavam os pobres, estes comiam à vontade e à saída, ainda lhes ofereciam mais qualquer coisa, que guardavam religiosamente no saco que portavam.
     Hoje, apenas as crianças se dedicam a pedir o “Pão Por Deus”, para que se mantenha a tradição, contudo esta, devido a evolução da sociedade e o seu óbvio desconhecimento recíproco das pessoas e destes populares hábitos, tudo tende a terminar, e portanto, só nos meios mais pequenos, nos lugares onde vive pouca gente, o “Pão por Deus” no dia 1 de Novembro se verifica.
   Particularmente, na freguesia de Barcarena, o “Pão por Deus” ainda felizmente perdura, mas não com tanta criança como era hábito antigamente e isto porque a freguesia tornou-se muito densa e populosa, com habitantes de diversos pontos do país, hábitos e costumes distintos e o desenraizamento óbvio, conduzem a uma nítida falta de conhecimento de todas estas tradições, permitindo que os seus pais não autorizem seus filhos a darem seguimento a esta velha, salutar e humana tradição.
   Outros não permitem que seus filhos andem ao “Pão por Deus”, por se sentirem demasiado importantes no seio da sociedade e por isso, petulantemente entendem parecer mal, seus filhos praticarem este acto.
   Só que ele contém um cunho muito especial, humano onde a humildade está presente e francamente tornando-se numa evocação e homenagem aos pobres que hoje, praticamente não necessitam de mendigar, mas que outrora se sentiam mesmo na obrigação de o fazer, caso contrário morreriam à fome.
    O “Pão por Deus”, tinha frases muito características e especiais, que apesar de negativas, não eram cumpridas, como, vulgarmente dizia a Rita Nogueira, que morava na Ferraria junto à Fábrica da Pólvora e oferecia sempre grande quantidade de nozes às crianças, por possuir no seu quintal muitas nogueiras.
“Queres pão por Deus ?...
Toma  um pau pelas costas
E vai com Deus”.
    Algumas crianças riam, achando graça, mas haviam outras que ficavam assustadas e não aceitavam bem estas palavras, mas na verdade todas recebiam o seu quinhão e pese embora a caminhada fosse grande, desde Tercena à Ferraria, valia sempre a pena, porque a quantidade de nozes ofertada era sempre significativa.
  Noutros locais, as crianças no seu périplo feliz e radiantes da vida, cantavam em conjunto, de porta em porta.
“Pão por Deus
Fiel a Deus,
Bolinho no saco
andai com Deus”.
    Outros preferiam,
“Bolinhos e bolinhós
Para mim e para vós,
Para dará os finados
Que estão mortos, enterrados
Á porta daquela cruz”.
   Os mais conhecedores e fiéis a esta tradição, não se esqueciam de cantar:
“Truz!... Truz!... Truz!...
A senhora que está lá dentro
Assentada num banquinho
Faz favor de se levantar
Para vir dar um tostãozinho”.
    Mas também se cantavam quadras, dedicadas aos donos de casa que davam sempre o “Pão por Deus”.
“Esta casa cheira a broa
Aqui mora gente boa.
Esta casa cheira a vinho
Aqui mora algum santinho”.
    Aos sovinas ou indiferentes a estas tradições, que avarentamente nada davam às crianças, a cantiga era outra.
“Esta casa cheira a alho
Aqui mora um espantalho.
Esta casa cheira a unto,
Aqui mora algum defunto”.
     Quadras que traduziam a verdade daquele preciso momento, positiva ou negativa, contudo este tipo de poema não era vulgar na nossa região, pois as crianças, mal tinham tempo para estudar, os seus trabalhos escolares, quanto mais aprenderem estas quadras e depois, nem os seus familiares, nem os seus mestres escolares sabiam destes usos, por francamente não serem conhecidos na região saloia.
     O “Pão por Deus”, desenrolava-se apenas no período da manhã, pois de tarde toda a gente recolhia a suas casa, para verificar melhor o que lhes tinha sido ofertado e as crianças poderiam de facto dar ênfase a tudo quanto recebiam, mas as guloseimas era o que mais agradava e seduzia à maioria, pois era com ele, por norma que podiam adquirir aquilo que mais desejavam, contudo esta ideia já não se enquadrava em anos mais recuados, pois o comer, fazia falta é certo, mas o dinheiro ?...Esse era o mais importante, para poderem adquirir o que de mais falta lhes fazia no seu modesto lar e não se destinava à criança, mas sim aos pais desejosos que a receita tivesse sido abastada.
&&&

sábado, 20 de outubro de 2012

Fernando Silva queixa-se de falta de reconhecimento

OS DESABAFOS DE FERNANDO SILVA
NO SEU ÚLTIMO QUARTEL DE VIDA
      Está na hora de falar, de dizer as coisas como elas aconteceram e afinal desabafar o que lhe vai na alma, passados que foram todos estes anos, mais de meio século e nunca ter passado da base da escada da vida, nem sequer ter pisado a estrada poeirenta que o poderia conduzir ao local que sempre tanto desejara atingir.
    Fernando Silva foi sempre um homem dinâmico, empreendedor, investidor, criativo e sobretudo dotado de um espírito inigualável a vários níveis.
   Daí que logo aos dezanove anos, idade de pensar somente em raparigas, arranjar os seus namoricos, frequentar bailaricos, se ter dedicado de alma e coração ao teatro amador na sua colectividade, o Grupo Recreativo de Tercena.
     Ali aprendeu a andar pelas mãos de sua amiga Rosa do Grupo, qual escrava das pessoas desta terra, ali estudou e tirou a instrução primária, foi naquela casa que aprendeu a dançar, arranjou namoro com a mulher que viria a ser sua esposa, casando com ela naquela colectividade, o que não aconteceu com mais ninguém até aos dias de hoje, ali se lançou como amador de teatro, quer representando, quer ensaiando e até como autor dramaturgo.
   Perante tanta e variada actividade desenvolvida naquela casa era natural que outras iniciativas tivesse criado, o que mais ninguém se atrevera, como por exemplo as grandes festas de rua, que duravam por vezes quinze dias
    O homem que nos anos setenta do século passado quase por sua própria iniciativa trocou o espaço que fora até ali uma escola primária, num belo e agradável cinema, onde passava semanalmente sete sessões de filmes e sempre com público a assistir.
    Utopia ?...Não !...Não é utopia,  são realidades que muitas pessoas desconhecem por não terem vivido esses tempos  nesta terra, e ele   com tanto ardor, com tanta vontade de fazer crescer  Tercena, torná-la conhecida no mundo, ali se esforçou para que  o G.R.T. fosse dotado de um cinema e assim conseguiu, trazendo filmes que quase passavam simultaneamente na capital e isto graças ao seu estilo empreendedor, ao seu espírito aventureiro e francamente, porque não, aos seus  grandes conhecimentos.
    Não foi só isto que Fernando Silva construiu, pois lançou-se profissionalmente num grande empreendimento criando um restaurante em Tercena que, passados uns anos, depois de ter trabalhado numa simples casa de chão térreo e sem condições, se transformou num mega restaurante típico da ilha da Madeira que comportava setecentos e cinquenta lugares sentados, recebendo gente de todo o mundo e que acabaria por dar definitivamente a conhecer o nome desta terra.
    O grande “Pico do Arieiro”, assim se chamava, era de tal ordem conhecido, que as pessoas em Lisboa e em outros lugares do país, quando falavam de Tercena diziam ignorar onde ficava, mas logo que lhes falassem no “Pico do Arieiro”, toda a gente localizava a localidade.
    O “Pico do Arieiro” que era uma espécie de “rendez vous” dos lisboetas, fora de portas, era frequentado por grande parte do turismo que passava por Lisboa uma vez que ele tinha publicidade em quase todas as companhias de aviação, nos estádios de futebol da 1ª divisão e anunciado nos melhores programas da rádio, como “Os Parodiantes de Lisboa” com emissões directas da sua sala de fados por onde passaram quase todos os artistas que estavam no Top nessa época.
    Esta casa foi demasiado grande e só acabaria por fechar devido a uma grande crise nos anos oitenta à semelhança da que neste momento os portugueses estão a atravessar.
   A par disto, em 1975, Fernando Silva abalançou-se a fundar dois jornais. Primeiro, o “Pico do Arieiro Informativo” que anos depois se transformaria na “A Voz de Torcena” e ainda um outro dedicado às actividades folclórica “A Voz do Folclore” pois, se este acabaria seis anos depois, o mais antigo, perdura ainda nos dias de hoje, 38 anos passados e sem nunca ter sido interrompido.
  Ainda não satisfeito, este grande investidor e criador, em 1990 fundou um rancho folclórico, que logo de início começou a ser bastante conhecido e preferido e vinte e dois anos depois, “As Macanitas”de Tercena, assim se chama o agrupamento, ainda desenvolve a sua actividade orgulhando-se de um enorme palmarés, pois já visitou oito das onze ilhas do nosso país tendo representado mais de três dezenas de vezes nos nossos arquipélagos. Já esteve em Espanha por seis vezes, já foi ao Brasil e recentemente à Áustria, recebendo agora imensos convites para o estrangeiro que só não são aceites devido às exigências da Troika que se instalou em Portugal, obrigando as autarquias e a sociedade em geral a não contribuírem monetariamente para que pudesse cumprir essas solicitações.
    Em todas estas criações, em todo os quase vinte anos que serviu o “Pico do Arieiro”, os trinta e oito anos de publicações do jornal “A Voz de Torcena”, com as duas décadas de deslocações do grupo de folclore, atrevemo-nos a perguntar sem dúvida de uma resposta unânime, quem foi o homem em Tercena que mais desenvolveu a terra, que mais longe levou o seu nome fora de portas e que, obviamente, acabou por trazer mais gente a ela ?...
   Quem?...
    Talvez seja por tudo isto, toda esta desinteressada luta travada no decorrer dos anos, as amarguras, as dificuldades, os espinhos encontrados mas superados, que muitos desta terra nutram alguma inveja, uma vez que ainda hoje se atrevam a criticar a sua acção e a sua vasta obra literária amadora, sobretudo as próprias autarquias ignorarem o seu valor cultural, a sua grande e inegável dedicação a Tercena.
   A par de tudo isto acresce ainda o valor humano que lhe deve ser atribuído pelo seu espírito altruísta que sempre esteve com ele e sua esposa ao recolher debaixo das telha de sua sempre modesta casa, inúmeras pessoas a quem chamou a si a responsabilidade de vida e encaminhando outras a bons lugares na vida e até proporcionar a reforma a muitas delas, algumas, por muito incrível que pareça a auferirem reformas mais elevadas que ele próprio e sua esposa, que tantos anos tiveram a descontar para a Segurança Social.
    Recebeu ligeiros reconhecimentos nos seus últimos anos de vida mas nenhum deles o deixou realizado, embora ele não pense nisso, pois o que ele mais desejaria e infelizmente nunca o conseguiu, foi depois de tanto trabalho desenvolvido, tantas palavras ter escrito com a autoria e encenação de mais de meia centena de peças de teatro, tanto livro ter concebido e tanta reportagem jornalística ter feito, nunca ter dado o passo que o guindasse ao profissionalismo como sempre desejou e para tal bastante trabalhou.
     Vai morrer sem nunca ter conhecido o verdadeiro êxito e as suas obras certamente irão ser esquecidas por, mudança radical das ancestrais tecnologias e ainda, porque não, a grande falta de reconhecimento da sociedade injusta, ingrata, maldosa como ele próprio classifica, porque por muito menos, mas mesmo muito menos, outros nomes se ergueram e sem desenvolverem o que este homem conseguiu desinteressadamente ao longo da sua atribulada vida, e a grande utilidade que sempre teve no campo social, no campo literário amador, deixando uma vasta obra escrita que foi, nem mais nem menos, o levantamento e recolha rigorosos da vida de um povo desde os mais tenros anos do século passado, desnudando os seus usos, os costumes, as tradições desta gente pobre e humilde que com ele conviveu e sem nunca merecer o justo valor por parte de quem de direito.
    São estas injustiças que levam muita gente a ficar quieta, sentada no banco dos reformados, a recolher a sua casas e calçar as pantufas, prostrados pachorrentamente diante da televisão, passeando desinteressadamente sobre os assuntos da sua terra sem lhes dar a mínima importância.
     Mais não fazem, uns porque francamente não sabem, outros, porque se dedicaram a si próprios, preferindo enriquecer o seu espólio e biribando-se para estas “ninharias” que, segundo eles, erradamente afirmam, não interessarem a ninguém.
    Esta é a verdade que assiste a Fernando Silva, hoje com 74 anos de idade e prostrado, pela lei da vida, na sua modesta casa, limitando-se a seguir em frente como que se estivesse ainda a começar, mirando triste, é certo, a sua rectaguarda, mas tentando não perder o ânimo que sempre teve, desnudar novas histórias, escrevendo as ocorrências do dia a dia, mas não vendo o seu trabalho compensado condignamente, porque nunca houve alguém que o ajudasse no último passo a dar, ou seja subir o degrau que o deveria ter levado ao cimo da escada e afinal nunca passou, ingratamente, da sua base, ou colocado pela mão amiga de alguém, na verdadeira estrada do êxito, nem que ela fosse apenas a mais poeirenta.
&&&