quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Os quadros a óleo de Fernando Silva

OS QUADROS A ÓLEO LEMBRAM VIDAS E LOCAIS DE OUTROS TEMPOS

       São vários os quadros pintados a óleo existentes no Museu Etnográfico de Tercena, na sua grande maioria de autoria do criador do mesmo, que desde muito novo manifestou algum gosto pela pintura, mas por nem sempre lhe ter chegado a inspiração, pois só de tempos a tempos ele conseguia pintar, nunca se formou nesta actividade pictórica.
  Os quadros existentes são por isso antigos, lembram vidas e locais antigos desta terra, muitos pintados antes dos anos sessenta, outros da década de setenta, sem grande significado, mas focam, logo à partida, o grande gosto e estilo que o seu autor sempre manifestara e também o seu espírito conservador, daí ter criado um certo interesse pela museologia, na medida em que nunca pensou em vendê-los, pese embora tivesse sido assediado para tal.
    A pintura para ele, era como que conceber um filho e custava-lhe muito ver sair de sua casa um trabalho seu, com tudo em 1997, Fernando Silva ao fazer uma série de pinturas, todas elas relacionadas com a etnografia de sua terra, pintou uma colecção de casais agrícolas da região, alguns, de momento, já desaparecidos e outros em via de degradação total, que se destinava a ser conservada um dia mais tarde numa sala do museu.
    No momento da exposição ao público, Fernando Silva foi confrontado com os proprietários dos motivos pintados por ele, viu-se na obrigação de vender alguns, que na realidade, não sendo caros, lhe valeram algum dinheiro que deu para o investimento havido com aquela colecção de 21 quadros.
  Na realidade, o dinheiro acabou por desaparecer num ápice, mas a obra, essa, a grande essência do seu trabalho, sumiu-se de suas mãos e isso foi um dos principais factos que levaram o autor a não vender mais nenhuma obra sua, mesmo que ele próprio a tivesse considerado má.
   Assim aparece uma vasta colecção de pinturas de várias épocas, que medeiam desde os anos sessenta até aos nossos dias, mas todas elas merecendo por parte do autor o mesmo carinho, o mesmo respeito, pois ele bem conhecia as diferenças que os separava, que na realidade vão desde o tempo da sua aprendizagem e puro desconhecimento da arte de pintar, aos momentos em que essa fase já tinha desaparecido e alguma técnica era imposta na pintura.
   Colocados em várias salas, são a realidade do seu trabalho  que considera, neste caso, recordações do passado, e porque não afirmar mesmo, serem verdadeiros retalhos de um pintor embora amador, frustrado, que nunca soube bem o que talhar para o seu futuro, se a escrita, se a pintura, mas na realidade ao não ter tomado essa grande e verdadeira decisão, ele considera-se um falhado, porque afinal em nenhuma das artes ele conseguiu singrar.
   Ficaram estas obras sem valor, sem reconhecimento, sem distinção para a posteridade e então quando ele desaparecer deste mundo poderá ser que lhe seja reconhecido algum valor.
   No Museu, por exemplo existe um grande cenário pintado em 1991, a propósito de uma revista teatral levada a cabo na Associação Cultural de Tercena, que, passará a ser uma verdadeira e digna obra de museu, uma vez que a estação de caminho de ferro  foi trocada por outra.
    Não pela qualidade da pintura, ou quaisquer segredos na arte, mas sim por se tratar de um edifício que desapareceu e assim, por esta forma, ficará ali retratado para sempre, uma vez que se trata da estação de caminho de ferro de Barcarena, construída nos últimos anos do século XIX e que, por muitas que tivessem sido as solicitações, ninguém conseguiu evitar a sua demolição.
   O Museu orgulha-se de o exibir, altaneiro numa das suas paredes e o seu autor, vaidoso porque se trata de um testemunho importante do progresso demográfico desta localidade da linha de Sintra, que viu partir dela com destinos variados, milhares de passageiros e depois, por não ter havido compaixão por estas antiguidades e preciosidades do passado, ficará aquele verídico testemunho que Fernando Silva muito se orgulha de ter pintado.
   Neste espaço museológico ainda vamos encontrar algumas pinturas de flores, legado por um grande amigo tercenense falecido em 1996, aquando, de visita a Portugal por se encontrar emigrado nos Estados Unidos, faleceu num acidente de viação.
  João Luís Carrega, tinha oferecido a Fernando Silva todos aqueles exemplares, por saber que a sua família não era muito apreciadora e quis malogradamente que o destino lhe roubasse a vida meio ano depois, nessa maldita visita que fizera à sua terra, Tercena.
  Não só pela qualidade dos trabalhos, mas também pelas razões já apontadas, se trata de uma recordação de um amigo, de um tercenense infeliz e testemunho de uma morte inesperada.
As pinturas encontradas no Museu, são bem identificativas do estilo de seus autores e marcam locais, muitos já desaparecidos e só por isso, serão dignos de figurarem no Museu Etnográfico de Tercena, de que o seu criador muito se orgulha de ter concebido e que se encontram expostas  podendo  ser visitadas a qualquer  hora do dia em Tercena na Quinta do Filinto.
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terça-feira, 29 de outubro de 2013

Era um agricultor de "Tercenas"


MANUEL ANTUNES O “TAPIÇO”
                      NASCEU EM “TERCENAS” EM 1865      
       Manuel Antunes vulgarmente conhecido em Torcena pelo “Tapiço”, terá recebido esta alcunha, por possivelmente ter sempre alguma coisa destapada e os amigos, ou familiares o chamarem constantemente, por graça, a atenção desse pormenor, contudo é desconhecida a verdadeira razão deste popular tratamento que tinha um dos muitos agricultores de Tercena do princípio do século passado.
   Nascido a 4 de Outubro de 1865 era filho de António Antunes e Josepha Maria, viveu durante muitos anos numas casas situadas na Avenida de Santo António em Tercena, mesmo por detrás da igreja dedicada àquele santo, na localidade pertencente à freguesia de Barcarena.
  Foi graças ao aparecimento da sua caderneta militar que  se soube  que  Tercena tinha tido uma outra nomenclatura, pois  em 1865, data de nascimento deste cidadão tercenense a terra chamava-se “Tercenas”, segundo consta naquele documento oficial..
   Pelo menos é o que consta na sua caderneta militar, ao tomarmos conhecimento do dia em que assentou praça, a 28 de Fevereiro de 1887 no Regimento de Infantaria, agora situado na Amadora.
   Era servente da Fábrica da Pólvora, onde quase toda a sua família trabalhara, pois desde familiares antigos aos que o sucederam, como seus filhos, Maria Augusta e Clemente Antunes, mais tarde, em outras gerações, Filinto Silva, Fernando Silva e outros, todos ali ganharam o seu pão, por se tratar de uma fábrica estável, não sendo muito famosa na remuneração aos seus empregados e ainda temerosa, uma vez que, de quando em quando sucedessem terríveis explosões, que vitimavam familiares e amigos, mas pelo menos proporcionava mais garantias sociais que o simples e também duro trabalho do campo.
    Manuel Antunes vivia do seu casal agrícola, pois criava vacas e outros animais, num espaço que mais tarde viria a ser dividido em partes, sendo dadas as suas casas aos filhos que nelas passaram a viver, cada um, constituindo a sua família, à excepção de Fortunato Antunes, que se estabelecera na capital, mais propriamente em Campo de Ourique, com uma mercearia que, recebera o nome da freguesia, “Barcarenense”, isto era mais uma prova do grande amor que todos os naturais da autarquia nessa épocas, dedicavam à sua terra natal.
    Manuel Antunes veio permitir que o seu bisneto, Fernando Silva dedicado às recolhas de sua terra, conseguisse descobrir que afinal a localidade onde a família vivia se chamava, na altura do seu nascimento, em 1865, “Tercenas”, pois bem o prova o seu documento militar, mas ignorando-se quando se terá registado essa mudança para “Torcena”, como se verificou, pelo menos tendo perdurado até 1928.
   “Tercenas”, em nosso ver está correcto, pois tratava-se de um facto verídico na localidade, pois existiam as tercenas, arsenais do exército que compunham o complexo fabril da Real Fábrica da Pólvora que António Cremer tinha criado em 1729, acabando por o rei D. João V, o “Magnânimo”, deixasse de atribuir alvarás a fabricantes de pólvora de credibilidade medíocre, que tinham os seus engenhos montados ao longo da ribeira de Barcarena e que muito frequentemente explodiam.
    Conhecem-se ainda indícios desse tempo no lugar do Bico onde se podem ver, embora agora bastante assoreados pelas constantes cheias, pequenos reservatórios, quais cadinhos gigantes, uma espécie de vasos onde se fundiam metais, mas naquele lugar serviam para misturar os componentes da pólvora.
    “Tercenas” terá sido o nome da localidade por alguns anos, e como era vulgar e fácil mudar o nome da terra sem grandes consequências ou trabalheiras burocráticas, Tercenas terá passado a dada altura, a chamar-se simplesmente Torcena.
     Já dizia o Mestre Instrutor Francisco Assis Mafra, uma grande sumidade da Fábrica da Pólvora de Barcarena onde trabalhou durante setenta anos, que “torcena” se devia ao facto de se terem fabricado nas antigas Ferrarias del Rey, criadas por D. João II em Barcarena, mesmo ao lado da Fábrica da Pólvora, bacamartes que teriam recebido essa nomenclatura.
    A grande verdade é que, por muito que se tivesse procurado esses bacamartes em museus de armaria e em registos da época, tal nunca se veio a descobrir, pelo que essa remota ideia, acabaria por se perder prevalecendo o facto de ter mais realidade as tercenas, por de facto se relacionar com o que de verdade existia naquele local.
  Acrescentando à ideia, de que era fácil a mudança de nomenclaturas de localidades naquele tempo, em 1930, uma petição de Lino Pedro da Silva, para ampliação e modificação da sua propriedade naquela localidade, o requerimento entrou na Câmara Municipal de Oeiras com a indicação de “Torcena” em 13 de Novembro de 1930, e quando foi deferida a autorização, veio já com o nome de Tercena, perdurando até aos dias de hoje.
    Mas voltando a Manuel Antunes que motivou estas mutações, Tercenas deveria na realidade ser o verdadeiro nome da terra, só que, atendendo a que era uma nomenclatura no plural, terá sido optado por se dar aquele nome, mas no singular, pois a grande verdade é que tercenas, de facto existiam algumas naquele local junto ao ribeiro e não apenas uma, por isso terá sido esta uma das principais razões daquela mudança de nome no início da década de trinta do século passado.
    Manuel Antunes viria a falecer e jamais se terá apercebido em vida das razões destas mudanças, assim como outros moradores daquela época e geração e só muito mais tarde quase cem anos após o seu falecimento, o seu bisneto se preocupou com estes pormenores e tentou saber as razões destas alterações toponímicas, mas também ele, embora todo o seu trabalho e preocupação, jamais conseguiu saber a verdade, por nada existir registado em documentos formais e oficiais destas mudanças, como acabaria por suceder com a mudança de Torcena nos anos trinta do século passado, pois muito simplesmente foi retirado o “o” e colocado o “e” e isto por Joaquim Cabril, um distinto médico de Barcarena assim ter proposto em Oeiras e a troca foi fácil e entendida prevalecendo até aos dias de hoje.
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Esta Recolha indica-nos que são oriundas dos Açores

“’AS DANÇAS ETNOGRÁFICAS’ QUE SE REALIZAVAM EM TERCENA,PROVAVELMENTE SÃO ORIUNDAS DOS AÇORES
   Foi daqui que provavelmente saíram as “danças etnográficas” que se representavam na Área Metropolitana de Lisboa desde o princípio do século passado a meados dos anos cinquenta do século passado
     Aprovada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, na Horta, em 5 de Setembro de 2013 foi decidido propor ao Governo Regional dos Açores, depois de ter ouvido entidades representativas da cultura terceirense, que diligencie a classificação das tradicionais Danças e Bailinhos de Carnaval da Ilha Terceira como Património Cultural Imaterial de Portugal, o que consideramos uma grande justiça pelo valor, não só patrimonial, como também por uma tradição que se não for devidamente apoiada poderá perder-se em curto  espaço de tempo.
   Diz a determinação assinada pela  Presidente da Assembleia Legislativa, Ana Luísa Luís o seguinte despacho:
    Assim,  a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, nos termos regimentais aplicáveis e ao abrigo do n.º 3 do artigo 44.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, resolve recomendar ao Governo Regional que:
  “As tradicionais Danças e Bailinhos de Carnaval da ilha Terceira destacam-se pela sua longevidade, pela sua originalidade e pela sua representatividade.
 Remontam ao tempo dos povoadores e reflectem influência dos autos vicentinos do século XVI.
Constituem uma das formas mais peculiares de festejar o Carnaval em Portugal e não encontram paralelo no
nosso país.
   Representam a maior manifestação de teatro popular de língua portuguesa realizada em todo o mundo e mobilizam toda uma ilha.
Todos os anos, nos quatro dias de Entrudo, mais de meia centena de danças e bailinhos, com quase dois mil músicos e actores amadores, percorrem os salões das freguesias terceirenses, atraindo uma assistência global de dezenas de milhares de pessoas.
A sua concepção característica reparte-se por duas grandes modalidades específicas, em ambos os casos puxadas pelo apito de um mestre:
As “Danças de Espada” são geralmente dedicadas a assuntos mais dramáticos, porventura de carácter histórico;
“Os Bailinhos” envolvem uma vertente mais cómica, com crítica social a problemas actuais.
A sua estrutura tradicional subdivide-se em três componentes distintas, sob a orientação do mestre da dança:
A “saudação” cumprimenta o povo que os aguarda no local de passagem;
O “assunto” apresenta o argumento desenvolvido pelo enredo;
A “despedida” agradece o acolhimento do recinto e a
atenção da assistência.
As suas dimensões histórica, cultural, social e turística justificam o seu reconhecimento oficial como Património Cultural Imaterial de Portugal, sublinhando assim a sua importância actual e salvaguardando também o seu desenvolvimento
Futuro”
     Lembramos que foi talvez  baseado nestas tradições  muito remotas que a região saloia terá copiado da sua congénere açoriana, esta tradição, onde algumas das suas danças de Carnaval, chegassem até aos continentais, uma vez que  pelo menos as “Danças de Espada” têm muito em comum com o que se realizava especialmente a região saloia denominado “Danças etnográficas” que saiam para a rua pela Páscoa e Pascoela e que perduraram até meados dos anos cinquenta no continente mais propriamente  na região concelhia de  Oeiras., Sintra e Cascais.
     Os “bailinhos”,  mais semelhantes às velhas cegadas, tinham lugar único e simplesmente nos quatro dias de Carnaval.
   Já nos tínhamos  referido a este tema na devida altura e agora com este parecer aprovada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, na Horta, leva-nos a apoiar e a felicitar a ilha Terceira pela insistência na realização destes típicos e tão tradicionais espectáculos pela sua grande força de vontade do seu povo, mantendo-os até aos dias de hoje, depois de sermos assediados com tudo e mais alguma coisa que nos colocam diariamente em casa através das televisões.
     A região saloia  acabou por ser vencida aquando  foi instalada em  Portugal no dia 7 de Março de 1957, a televisão portuguesa que,  obrigou o povo a   afirmar que as danças etnográficas, que tão bem apresentavam os jovens de Tercena, Leceia,  Linda a  Pastora, Barcarena, Manique, Tires e todas as outras localidades  limítrofes, estavam fora de moda apresentando espectáculos obsoletos, mas a grande verdade é que esse indigna classificação transportou até aos nossos dias músicas e cantares que ainda hoje são devidamente respeitados pelos grupos folclóricos e Tercena orgulha-se de apresentar através do seu agrupamento três dessas relíquias, que dão pelo nome de, “”O Zé das Castanhas”, “Milho Rei” e “Aleluia”.
     Parabéns Açores por nos ter finalmente  facultado uma cópia  dessas tão queridas tradições que dão hoje fama ao Rancho Folclórico  “As Macanitas” de Tercena; que por coincidência ou coisas do destino, já fez mais de trinta representações na Região  Autónoma dos  Açores  em sete das  suas nove ilhas.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

As tradições desta região

A ÁGUA-PÉ SALOIA QUE SE FABRICAVA EM TERCENA E ARREDORES
 
      A água-pé era uma das bebidas mais típicas e famosas da região saloia,  e ainda hoje perdura em toda a região, mas com uma procura bem mais diminuta.
   Em tempos recuados a água-pé  aparecia logo a seguir ao feriado de Todos os Santos, mas  por altura do S. Martinho era obrigatória em quase todas as casas dos trabalhadores e isto porque a sua popularidade era tão grande e o desejo de a ter e beber tão óbvio,  que  toda a gente arranjava  sempre tempo para plantar uns bacelos na sua horta e deles retirar as preciosas uvas para delas fabricarem  o líquido.
     Os que não tinham  hortas compravam uvas e faziam o precioso néctar, uvas que vinham das mais diversas regiões afamadas, como Cheleiros, Torres Vedras, Ribatejo ou região de Setúbal.
    Ao longo dos tempos houve sempre gente especializada na feitura desta bebida e diziam-se conhecedores a fundo dos  segredos de Baco, vindos dos seus ancestrais familiares, uns com alguma utilidade, mas outros sem qualquer interesse.
   Havia também os chamados «batoteiros» que fabricavam a bebida por processos pouco ortodoxos, e que acabavam por  não merecer a  aceitação dos  verdadeiros bebedores pois bem lhe notavam sabores esquisitos que nada tinham a ver com a água-pé propriamente dita que se fabricava na região saloia.
    Açúcar moscavado, aguardentes vínicas e  outros produtos  concebiam a bebida, que depois de engarrafada, se tornava bastante espirituosa,  mas não era aquela bebida  bem conhecida pelo paladar, de todos os saloios.
    Nesta arte de fazer agua-pé, que já vem dos primórdios da região, conhecemos  o Jorge da Maria Emília que no lugar do Bico preparava  uma excelente agua-pé, jeito herdado  anos mais tarde pelo Manjerico, que acabou por ser o último  homem a comercializar a bebida em Tercena.
   O Jorge da Maria Emília fazia a bebida, que era  por norma consumida pelos  caçadores que nesta altura  do ano invadiam as terras  de caça de Cabanas e sempre na volta, de regresso a suas casas por ali passavam para provar a bebida e comerem os seus petiscos.
   Essa arte, como já dissemos, foi mais tarde herdada pelo   Manjerico que chegou a fabricar mais de  3.000 litros e vendê-los nos seus barracões sitos no Pomar junto á sua casa.
   O António da Rosa também, vendeu muita água-pé fabricada por si próprio, e a bebida era consumida no Bico num barraco  junto ao ribeiro por onde o frio entrava e lhe dava força e espírito, vendida depois  na taberna que tinha em Tercena e mais tarde quando já estava bastante velhote, ainda a fazia nos barracões existentes no Mercado Provisório onde chegou a ter ali um talho.
    Na horta do Louro na Ferraria também se fabricou água-pé, mas essa era único e simplesmente para seu consumo e dos seus amigos que juntava depois das caçadas, na barraca das  alfaias  da horta onde aliás, a bebida, cozia e se bebia.
   O Barbosa também era especialista no fabrico de água-pé, mas esse, por vezes,  aplicava os seus  secundários conhecimentos e baptizava a bebida com produtos estranhos  para que ela pudesse ter melhor paladar e obviamente durar mais tempo dentro dos barris, já que não vendia a ninguém.
     Tinha a mania que só ele é que sabia preparar aquele líquido, e que só a sua água-pé é que era boa, as demais não prestavam para nada.   
    A bebida, certos anos com grande qualidade de facto, era feita no Canto  do João de Péles, por detrás da sua vivenda, a uva normalmente vinha de Cheleiros e a sua chegada era sempre rodeada de grandes secretismos, altas horas da noite, porque  quem fosse encontrado a transportar uva sem guias passadas pela  Junta Nacional do Vinho era  multado, a uva destruída e o vinho era apreendido e arremaçado para as valetas da rua e isso aconteceu com muita gente, que por vezes apenas fabricava a bebida  para seu consumo, só que os fiscais que andavam de noite e dia a farejar esses recantos, não perdoavam a ninguém.
     A água pé não tinha segredos na sua feitura, mas na realidade havia regas para a fazer e se elas fossem respeitadas  não se justificava a bebida sair má.
     A qualidade da uva, o cuidado de não lhe misturar lixos aquando era pisada no lagar; a quantidade de água a misturar com o vinho. o tempo que ficava na balça para lhe dar mais ou menos cor; a lavagem dos barris, por forma a não ficarem cheiros nem gostos esquisitos pois isso iria depois adulterar o líquido e dar toda a atenção ao tempo de fervura, pois os barris conforme iam fervendo deveriam ser bem atestados com bebida que se guardava para aquele fim, pois isso iria permitir não dar acidez ao líquido, entre muitos outros cuidados.
     Uma recomendação que todos faziam na sua adega, era não deixar entrar mulheres menstruadas na zona dos barris, pois segundo diziam os antigos isso podia estragar toda a bebida, o que não vimos qualquer razão, mas a grande verdade é que esse cuidado era religiosamente cumprido pelo mulherio que frequentava a casa de quem fazia a bebida.    
    Já o pai do Barbosa, que sempre vivera em Queluz de Baixo também era um grande especialista no fabrico de água-pé, só que este  fazia grandes quantidades, em tonéis de grande litragem, para vender e chegou a ter mesmo uma grande clientela nesta altura do ano.  
   O Lagarto também costumava fazer agua pé para satisfazer os  clientes da sua taberna e  junto ao casebre onde guardava a burra e a carroça,  tinha sempre um ou dois tonéis de trezentos litros e ali fazia a bebida para depois a vender.
     Era um grande risco que estes homens corriam, especialmente os comerciantes, em quem se concentrava mais atenções por parte da fiscalização, mas  ultimamente os fiscais apenas actuavam por denuncia.
     O Lagarto  uma vez, depois  de praticamente ter vendido toda a agua-pé, deixou ficar um resto no barril em cima da mãe, para de quando em quando beber e dar aos seus amigos mais íntimos.
   Tinha enchido uma grande quantidade de garrafas para vender mais tarde na sua loja e o restante era sempre, como ele dizia; «para as suas paródias com os amigos».
      O Filinto, o Virgílio do Olímpio e outros rapazes daquela época, enquanto houvesse água-pé no lugar não a largavam e então todas as noites procuravam o Lagarto para lhes vender umas canequinhas.
   O Lagarto, àquela hora da noite, já estava cansado do seu rude trabalho diário e  por vezes, o que lhe apetecia era dormir e então entregava a chave do barracão ao  Filinto para  beberem ali umas canecas e depois faziam contas.
   Eram pessoas conhecidas e amigas e demais o Filinto tratava da sua escrita e como tal confiava grandemente nele.
   Mas foram tantos os dias que aqueles rapazes ali foram ao barracão que o Lagarto acabou por desconfiar.
   Pois sabia que já pouca água-pé lhe restava no tonel, e provavelmente  só daria para vinte ou trinta canecas, e como é que aqueles rapazes todos os dias lhe pagavam dez e mais canecas que bebiam e isto durante mais de uma semana.
   Ao vê-los regressarem da barraca, perguntou-lhes:
     «Você conseguem beber a água-pé que está no fim do   tonel?... Aquilo  já só deve ter borras. E vocês bebem?..»
     - Claro que bebemos e está que é uma maravilha. Bebemos três canecas cada um e ainda lá ficou muita bebida.
    O Lagarto ficou alertado com a informação, pois sabia e bem o que lá tinha deixado e pelas suas contas,  há uma semana que aquele grupinho andava a beber três canecas cada um, o que,  pelas suas contas  dava uns bons litros de bebida o que não havia  de certeza no  tonel .
  No outro dia foi ao barracão e ao abrir a torneira do tonel, reparou que o mesmo já nada deitava.
      A vasilha só tinha borras, e por curiosidade espreitou para debaixo do canteiro para ver as garrafas que lá tinha colocado, devidamente cheias e enrolhadas para mais tarde as vender na sua loja, e outras destinadas ao Crisóstomo Gonçalves chefe da Secretaria da Fábrica da Pólvora .
     Qual não foi  o seu espanto ao reparar que metade da pilha já não estava lá, e foi então quando constatou que afinal a agua-pé que os seus amigos bebiam todas as noites era da engarrafada e não do  tonel.
   Quando eles à noite chegaram com o pretexto de irem ao barracão beber, o Lagarto, fingiu nada saber e deu-lhes a chave, só que passados cinco minutos estava à porta da barraca para observar ao vivo a manobra daqueles seus grandes amigos.
    Lá estavam eles a abrir uma garrafa, com um saca rolhas que o Filinto levava na algibeira.
    Quando entrou, eles ficaram pasmados e assustados, pois não esperavam ali o Lagarto àquelas horas e este deu-lhes um grito, bem típico seu e foi então que os espertos foram descobertos.
     Não é que eles lhe tivessem a roubar a bebida, pois todas as noites pagavam o que bebiam, o que aconteceu foi que,  mais tarde a água pé, a que  se destinava ao Crisóstomo estava quase toda bebida e o Lagarto tinha-se comprometido em arranjar-lhe cinquenta garrafas e depois ficou enrascado.
   Muitas histórias se passavam  no período da água-pé, só que todas elas não tinham grandes consequências porque existia uma grande amizade entre as pessoas, e depois em primeiro lugar havia que dar sequência à tradição saloia de se fabricar aquela bebida tão apreciada pelos lisboetas que se sentiam defraudados quando, por altura da Feira das Mercês ali a bebiam, diziam que era boa,  só que ao provarem a bebida umas semanas mais tarde nestes produtores particulares, constatavam que afinal, bebida boa era aquela que estes amantes fabricavam particularmente e não a que se vendia na Feira.
   A água-pé deixou de se fabricar em todas as casas e quintas da região, porque entretanto outros a vendiam em grande quantidade, como o Grupo Recreativo de Tercena, o Manjerico, o Pico do Arieiro, as tabernas locais e outros grandes produtores ocasionais, e a bebida perdurou até aos dias de hoje, sempre feita pelos mais saudosistas, contudo uma das grandes razões da mesma se deixar de fabricar em grandes quantidades nesta região, foi o facto da Junta Nacional do Vinho proibir por completo o seu fabrico, e neste empasse, entretanto as novas gerações também  já se tinham habituado a outras bebidas, como a cerveja, a coca-cola entre muitas outras, que deitaram completamente por terra esta grande tradição saloia.
      Hoje a água-pé já aparece raramente nestes lugares e agora até, toda a gente a poderia fabricar à vontade porque a Junta Nacional do Vinho deixou de pressionar como antes do 25 de Abril.
   A água-pé nesse tempo era expressamente proibida e até o seu nome não podia ser divulgado livremente.
    Hoje, até os fornecedores de vinhos a vendem, com esse nome mesmo,  só que a qualidade é totalmente diferente, porque é feita com os resíduos  da uva que primeiramente faz o vinho, o que aqui não se fazia.
     A procura era grande e toda a gente rabiscava os locais de fabrico e venda,  nomeadamente os lisboetas, que chegavam a vir de propósito da capital a Tercena, para levarem para suas casas um garrafão para festejarem o S. Martinho, como todos os anos acontecia com o Leitão e o Raúl «Morto», que trabalhavam na Fábrica da Pólvora que neste dia vinham a Tercena comprar a agua pé para à noite a beberem em suas casas com a família ou com os amigos.
     As tascas de Porto Salvo não tinham mãos a medir neste dia, casos dos irmãos Canejos, o «Cego» e outros, o Bicharada de Vila Fria, o Alberto de D. Maria entre muitos outros famosos produtores de agua pé saloia.
    Ainda e baseados nas histórias que se diziam e aliás se respeitavam solenemente, o dia 10 de Novembro, véspera de S. Martinho era considerado o dia dos «profissionais».
    Todos aqueles que ao longo do ano estavam acostumados a beber, mas o dia 11, ou seja o próprio dia de S. Martinho era para os «amadores», ou seja, todos os outros que, com dois ou três copinhos ficavam logo a cantar o fado ou a dormir.
    Diz ainda a tradição que foi desse mesmo dia em que todos bebiam e se «enfrascavam», que saíram grandes profissionais da bebida que, a partir de então, jamais bebiam água pé no dia do patrono, mas sim na véspera, pois a sua categoria  «bacológica», tinha mudado e isso teria de ser solenemente respeitado.

domingo, 25 de agosto de 2013

A Cultura de um povo

TUDO SE DEVE AO ANCESTRAL SABER E A PARCA CULTURA DESSES REMOTOS TEMPOS
       A freguesia de Barcarena, cresceu desde os primeiros séculos, sempre despida de um certo número de estruturas, onde o povo pudesse demonstrar os seus conhecimentos, a sua cultura, a sua real vontade em dar nas vistas perante outras comunidades, nitidamente mais desenvolvidas
   No campo associativo Barcarena, ainda hoje, não possui grande riqueza, pois só a partir do final do século XIX se começou a delinear e a criar estruturas que servissem o povo por forma a desenvolver os seus conhecimentos e a motivar a população nas áreas, cultural e desportiva.
    Mesmo ainda nos nossos dias, os jovens jamais encontraram espaços para praticar desporto, a não ser o modesto atletismo, onde as estradas da freguesia são as grandes pistas, tendo sido o grande suporte das necessidades e carências nessa área de toda a juventude, pois de resto nem um simples campo de futebol existe, pese embora se tenha solicitado por diversas vezes.
    Barcarena, encontra no seu meio associativo, a mais antiga estrutura, a Associação de Bombeiros Voluntários Progresso Barcarenense, fundada na sede da na freguesia na década de oitenta do século XIX, estrutura que para além da sua componente social e humana de apoio à população, iniciou a difusão das áreas, recreativa e cultural, fundada em 1880, seguindo-se depois o Grupo Recreativo de Tercena, que desenvolveu um papel cultural e desportivo importante desde 1928, colectividade caracterizada pelo seu nascimento, pois foi dentro da capela de Santo António que a mesma deu os seus primeiros passos e amadureceu durante dez anos, passando depois para edifício próprio e recentemente mais dedicada ao desporto, mas sem ter grande implantação pelas razões já apontadas, a falta de espaços desportivos em toda a freguesia, próprios para a prática do desporto.
  “O Grupo”Os Fixes” de Queluz de Baixo, têm mantido uma actividade regular no campo desportivo, pese embora nos primeiros anos de vida fosse, tal qual todas as outras, um grupo vocacionado para a cultura e lazer pois nasceu em 1933 e só há pouco mais de trinta anos se dedicou profundamente ao desporto, sendo talvez o mais conhecido na área desportiva, com modalidades ligadas ao futsal, atletismo, mas pouco mais.
  A SERUL – Sociedade de Educação e Recreio “Os Unidos” de Leceia foi fundada em 1949 e tal qual as outras congéneres, teve uma dedicação especial à cultura e lazer, mas só recentemente se virou mais para o desporto.
 Todas as outras existentes são mais recentes, gozando já de um estatuto moderno, dedicando-se ao desporto como o Valejas Atlético Clube, e o Grupo Desportivo de Barcarena, já que a Associação Cultural de Tercena, a mais recente colectividade concebida em 1990, está totalmente vocacionada à área cultural.
  Neste aspecto, os Bombeiros de Barcarena desenvolveram um profícuo trabalho no campo teatral e foi talvez a colectividade onde terá nascido o gosto pelas danças etnográficas e teatro, pois já no tempo do grande maestro Alípio Seco, um homem forte na associação barcarenense, manteve um trabalho pormenorizado nessa área, sobressaindo-se a arte de representar, de onde saíram grandes mestres do amadorismo, como Ramirinho, Venda Seca, Baltazar Silva, Florêncio Aguiar entre muitos outros.
  “Os Fixes” encontraram também, nos primeiros anos de vida, uma grande actividade dedicada ao teatro e às danças etno-folclóricas, quando a sua sede ainda se situava bem colada ao mítico palácio Restani, hoje em ruínas, edifício antigo, concebido para albergar o médico da corte, quando esta se encontrava no grande palácio de Queluz.
     O Grupo Recreativo de Tercena, foi mesmo exímio na arte de representar, encontrou grandes homens ligados à música e ao teatro, como Jaime da Silva Barcarena, um enorme vulto no campo profissional e a nível nacional, assim como o Mestre Oliveira que foram os iniciadores da famosa orquestra que daí brotou e que perdurou até 1957, sendo mesmo considerada a melhor de toda a Área Metropolitana de Lisboa.
   O teatro encontrou igualmente grande projecção com o trabalho de António e Fernando Martins, pai e filho, Filinto Silva e Joaquim Rodrigues da Silva, tendo-se criado desde 1929 uma grande apetência pelos espectáculos etno-folclóricos, onde João Marques Boletas teve grande impacto, mas acabando no seu reinado a arte de fazer folclore ao jeito saloio de Barcarena, bem diferente do que se conhecia nas redondezas mais do interior.
  Barcarena, dedicou-se muito cedo à etnografia e folclore, contudo as suas actividades nesse campo eram diferentes do que existia em outros locais da região, tendo-se abandonado essa actividade por se interporem outras actividades, e a colectividade de Tercena foi a grande continuadora desse tipo de espectáculos bastante queridos na época, sendo inclusivamente uma modalidade cultural que prevaleceu até ao princípio dos anos cinquenta, terminando praticamente quando surgiu a televisão e veio dar novas ideias e preferências ao povo português.
  Mais tarde, já com Fernando Silva nos seus últimos anos de associativismo, voltou a impor essa actividade, mas nos moldes actuais e surgiu a Associação Cultural de Tercena, que deu início a um grupo de folclore que viria a representar esse passado, tendo inclusivamente recolhido três das antigas cantigas populares dos anos vinte e trinta, junto de pessoas idosas que participaram nesses antigos grupos, encontrando em Doroteia Dias Oliveira, João Marques Boletas e Júlio Gonçalves, os que mais colaboraram com o novo agrupamento.
    Foi graças a estes idosos de boa vontade e ainda de memória bem activa que se conseguiu atingir os ideais com que hoje se trabalha.
  A cultura do povo antigo, os seus ancestrais conhecimentos, transmitidos de geração em geração foi absorvida e desenvolvida com extrema dificuldade até se atingir o alto grau tecnológico com que se vive actualmente, parecendo mesmo aos mais novos que nada se consegue sem esses novos conhecimentos, mas a verdade é que acabaram por ser fundamentais e básicos, diante das muitas ofertas que hoje proliferam em todas as áreas.
    Foi devido ao grande sacrifício desses antigos que se atingiu este desenvolvido patamar e mais surgirá com o avançar dos anos.
  Foi graças ao espírito criativo dessa pobre e inculta gente que tudo fazia à custa dos seus ancestrais conhecimentos, da força dos seus desenvolvidos músculos, aliada aos seus parcos recursos e sabedorias, coadjuvada ainda pela força dos animais que os serviam e bastante facilitavam na movimentação dos materiais, que se atingiu a plenitude de hoje.
     Por isso será sempre necessário evidenciar essas sacrificadas criaturas, lembrá-las às novas gerações, porque se hoje existe todo este mundo tecnológico, toda esta facilidade à força de um simples “clik”, arranjando-se soluções para tudo, onde de tudo se sabe dispensando os ancestrais livros que consumiram milhões de cérebros humanos, se deve à insistência dessas pessoas que foram desenvolvendo pistas, estratagemas que hoje não passam de teorias desvalorizadas, caricatas mesmo, para se atingir os meios, e como tal terão sempre de ser valoradas, por muito desconhecimento que haja desses recuados tempos, estranhos mas fundamentais para o progresso que hoje sustenta o mundo civilizado.
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quinta-feira, 11 de julho de 2013

História do povo de Tercena

GENTE QUE JÁ DESAPARECEU DE ‘TORCENA’
      É sempre bom recordar o passado e sobretudo louvar as pessoas que tivemos o prazer de conhecer e que, pelas suas características, influência e forma estranha de vivência na vida social da terra, merecem hoje esse tributo, já que, no tempo em que viveram, nada lhes foi agradecido, e muito menos reconhecido.
   Gente pobre, de trabalho, mas ordeira e respeitadora, sacrificando-se muitas das vezes apenas para ajudar o seu conterrâneo e só isso já era um feito de tal ordem importante que merecia os nossos elogios, as nossas palavras, simples é certo, numa sincera homenagem, que bem poderá causar impacto na sociedade actual, esta, bem ao invés, interes-seira, pouco reconhecedora, desinteressada e até pouco participativa, que por muito que fizesse, jamais conseguiria su-perar os nossos antepassados.
      Num périplo cerebral, lembramos no Bico o velho Manjerico, homem dedicado ás cegadas, às danças etnográficas e à arte de bem representar e reconheça-se ter sido um grande interprete, vocação que acabaria por ser transmitida a suas filhas, que seguiram os passos de seu pai, embora não com tanto ênfase, mas de facto de forma evidente, a ponto de quando em quando serem recordadas, como tem acontecido com a Maria Cândida e a Lubélia Freire.
   Ainda no Bico, não podemos esquecer a Carlota Barreiros felizmente ainda viva, mas internada num hospício há imensos anos, mas que nos seus tempos de jovem teve papel preponderante nos teatros e danças etno-folclóricas que se realizavam na localidade.
  Seu pai o bem conhecido Pedro da Rosa, foi um exímio operário polvorista da Fábrica da Pólvora, mas depois, passado um mau momento de sua vida, dedicou-se à venda e compra de ferro velho, mas jamais desviando-se da sua conduta, tendo sido um excelente homem, pai de um grande número de filhos, e sempre de cabeça erguida para, na companhia de sua sacrificada esposa, a ti Jerónima, tudo fazer para que nada lhes faltasse, enquanto crianças e numa época em que a vida estava seriamente má no nosso país.
     No lugar de Torcena, conhecemos gente como o senhor Shazel, nome de origem alemã, mas bem português e amante da terra, que fabricava sombrinhas de senhora, assim como o senhor Américo de Carvalho, ligado à “Cartucheira” fábrica que funcionava no Bico, que acabaria por ser igualmente um grande e activo associativista, um dos fundadores do Grupo Recreativo de Tercena, conjuntamente com outros conterrâneos, como foi o merceeiro Duarte Silva, Filinto Silva, Libertário da Silva Freire entre muitos outros.
   Recordamos ainda o José da Silva, mais conhecido pelo “Contramouco”, que andou na Guerra de 1914, pai da Albertina, uma rapariga especializada em revista à portuguesa, fundamental nas danças folclóricas e uma excelente colaboradora, que acabaria por falecer ainda nova devido a problemas pulmonares.
   Mas fugindo um pouco às pessoas ligadas ao associativismo, não podemos esquecer a velha Carolina Chaves com a sua exótica forma de viver, vestindo de forma estranha e misteriosa, assim como o senhor Alarcão que morava no casal das Andorinhas, cujo filho, o menino Hugo, não se importava de trocar os seus mais ricos e caros brinquedos por aqueles que os locais, gente pobre, usavam, como as latinhas de conserva a fazer de carroças e os bois moldados nos arames ferrugentos que sobravam das debulhas, próprios para prenderem os fardos da palha de trigo que na eira do Manuel Roque eram debulhados.
    Lembramos ainda a Carolina Portas que morava num quarto alugado ao Lino da Silva, mesmo junto ao Grupo Recreativo de Torcena, uma senhora que, apesar da sua avançada idade ainda vendia roupas e dotada de um excelente bom gosto, talvez por frequentar amiudadamente a capital e ali ver montras bem recheadas de novidades e modas novas, trazendo-as para as jovens da terra comprarem e pagá-las a prestações.
     A ti Antónia e o ti Paulino familiares do velho “Calmaria” que tinha a mercearia no lugar, que mais tarde fora herdada pelo seu filho Duarte Silva, mais conhecido pelo Lagarto.
    O ti Paulino era colaborador do merceeiro e nada podia faltar à sua burra, a Balbina que, para além de acartar as bilhas da água todos os dias, desde a fonte à mercearia, lá ia todas as semanas à estação de caminho de ferro buscar as mercadorias que o Lagarto trazia da capital.
  O Ti João André, o Ti Raimundo, pai do Zé Barbeiro e do ti Arménio que viviam no caminho que dava para a fonte.
   O capitão Silveira, que sem ter grandes funções na vida social local, foi um homem que sempre defendeu os interesses da localidade onde vivia e sobretudo respeitando e colaborando, embora de forma modesta, com as iniciativas da colectividade local.
  O Raúl de Matos mais conhecido pelo Narra, homem obcecado pela sua quinta na calçada da Susana, que comunicava com o lugar do Bico, muito agarrado à sua vida e aos seus dinheiros, polémico e parecendo querer ser dono de tudo, especialmente das águas que sobravam do chafariz para regar a sus hortas, criando sempre grandes problemas com os locais.
    O velho Abílio, homem muito dedicado aos seus petiscos que fazia na barraca mesmo junto ao chafariz da terra onde passava os dias depois de reformado, conhecido pelo “Abílio das Caldeiradas”, também entregue à horticultura, sempre preocupado com as ovelhas do seu vizinho João de Peles, que, para beberem agua nos bebedouros de madeira criados de propósito para o gado saciar a sua sede, mesmo junto ao espaço que amanhava, já que por vezes iam até aos frescos legumes e era logo motivo para o Abílio desavir-se com o “Siga à Dança”, pastor do Peles, mas zangas de pouca monta, sanadas à tardinha com um “copo” na taberna do António da Rosa.
     O Manuel Maria, casado com a “ti Angélica” pai do João do Bico. Um ferroviário, que nas suas horas de folga se dedicava acerrimamente à caça nas férteis terras de Cabanas, onde ela abundava.
   A “Pipa”, lavadeira famosa que contratava raparigas da terra para as colocar, já naquele tempo, numa bem estruturada empresa de lavandaria.
  Angariava as suas freguesas na capital e punha as empregadas a lavar roupa no tanque da Quinta do “Marques Café”, no lavadouro da Fonte e até na ribeira de Barcarena, onde as suas água límpidas corriam abundantemente no lugar do Bico, desde Almornos a Caxias.
   Mesmo junto à colectividade lembramos o Alberto Silva, ligado ao Grupo Recreativo de Tercena, empregado na Companhia dos Telefones, um homem muito metódico, e conservador, pois guardava na cave de sua moradia tudo quanto encontrava na rua, fosse velho ou novo, dizendo e com alguma razão, “não serve agora mas mais tarde tem sempre aplicação”, uma verdade indesmentível que hoje as novas gerações desprezam por completo.    
    O Armando Pires, vulgarmente conhecido pelo “Farman”, guarda da Fábrica da Pólvora, que foi um grande amante do associativismo, celibatário até muito tarde, natural de Leceia mas que Tercena, onde vivia seu pai, o velho Alfredo Pires, carpinteiro e igualmente funcionário daquela unidade fabril, zelava pelos interesses da sua segunda terra.
  O Jacinto Farinha, que vindo do concelho do Entroncamento aqui se radicou, acabando por ser empregado da Fábrica da Pólvora enquanto viveu em Tercena.
    Veio para esta localidade com a sua família e propor-cionando uma nova vida à terra com a sua familiar e improvisada fabri-queta de foguetes, trabalho que aprendera com esmero na sua terra, Barquinha, à beira de seus irmãos e viera dar mais vida às localidades do concelho, com a alegria do ribombar dos seus morteiros e foguetes, anunciando as festas que por aqui se faziam.
   Lá ia ele, ou o filho montado na sua velha “pasteleira”, levar dúzias e dúzias de foguetes aos clientes dos mais distantes lugares do concelho de Oeiras, Sintra e Cascais.
     Muitas mais pessoas por aqui passaram, fizeram suas vidas, criaram história, deixaram obra, mas desapareceram, cumprindo religiosamente a lei da vida, consoladas apenas com o singelo reconhecimento das gentes de sua condição social, nem sequer bafejados com as preces divinas, por a capela de Santo António à muito ter sido profanada, mas cônscios de que, enquanto vivos, tiveram uma acção meritória, no desenvolvimento social, educacional e associativo desta terra, que  foi sempre madrasta para os seus filhos e uma extremada mãe para todos aqueles que  entenderam aqui pousar e fazer parte de suas vidas.
    “Gente, que afinal, já desapareceu de Torcena”, mas que jamais poderá ser olvidada, pois foi ela que se sacrificou, suportou os horrores de uma ditadura longa, para hoje se poder viver numa tremida paz e sossego, devido as expectativas de uma especialíssima noite de Abril, não terem resultado a contento de todos, já que mal e tardiamente tem dado alguns frutos, que parecem agora perderem-se com as exigências de uma inventada e astuta Toika, agarrada a pedra e cal a um governo que demonstra possuir mais vontade de regressar aos tempos terríveis e “salazarentos” de outrora, que dar força e ânimo à democracia que os capitães de Abril, com tanto gosto, sacrifício e vontade tentaram implantar neste privilegiado país, concebido à
 beira mar e inundado por um sol que a todos parceiros da Comunidade Europeia e não só, faz grande inveja.
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