domingo, 24 de abril de 2011

O azeite e o cultivo das oliveiras no concelho de Oeiras

OEIRAS CONTRIBUIU BASTANTE PARA O AUMENTO DE PRODUÇÃO DE AZEITE EM PORTUGAL
Trabalho dedicado ao meu neto  João Ricardo da Silva, que o apresentou na creche que frequenta, executado com a sua colaboração, pois foi ele quem descreveu o seu ciclo, dentro da sua imaginação juvenil, completado, obviamente por mim

    Portugal chegou a ser um dos principais produtores de azeite, pois todo o Alentejo estava cheio de oliveiras de onde se extraía a azeitona de grande qualidade.
   As árvores eram varejadas com canas e as bagas caíam para o chão para cima de grandes tapetes de serapilheira, procedendo-se depois à apanha, trabalho, quase sempre, efectuado por mulheres.
    A nossa terra, Tercena, também produzia muito azeite, pois o “Lagarto”, “O Marques do Café”, o Raúl Narra” tinham nas suas quintas grandes quantidades de oliveiras, assim como outras pessoas, pois era rara a família que não possuísse pelo menos uma oliveira em redor da sua habitação e por isso mesmo havia um lagar de azeite em Barcarena, mesmo à saída da sede de freguesia a caminho de Murganhal, num lugar chamado Ribeira a Baixa.
  Se rabiscarmos a história neolítica de Leceia, vamos encontrar grandes referências às oliveiras ali existentes há cinco mil anos atrás, pois a quantidade era tal, que, para além de já se exportar azeite, vindo até ali barcos fenícios e de outras regiões fazer transacções comerciais, com louças e outros produtos de que aquelas clãs que ali viviam eram carentes, consta também a doação de árvores por parte dos seus proprietários para igrejas de nomeada existentes em Lisboa, para que o azeite servisse da melhor forma a iluminação daqueles templos.
   Também no século XVIII fora edificado em Oeiras, por ordem do Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo – 1º Conde de Oeiras, o Palácio Marquês de Pombal, encontrando-se inserido num complexo agro-industrial, designado por Quinta do Marquês.
   As quintas que o Marquês de Pombal possuía em Oeiras englobavam cerca de oito olivais, cuja colheita era transformada no Lagar de Azeite. O destino dado ao azeite produzido neste lagar, é desconhecido e alvo de mera especulação, julga-se até que, para além de consumo próprio, o azeite aqui produzido seria provavelmente vendido em Lisboa ou até mesmo exportado.
   Já no séc. XX, a Câmara de Oeiras adquiriu o Palácio Marquês de Pombal e seus edifícios adjacentes onde se inseria o Lagar de Azeite e em 1989/1990 sofreu uma intervenção de recuperação, tendo funcionado até 2008 como galeria municipal, no entanto, em 2009, este espaço sofreu nova intervenção de recuperação tendo sido restaurado todo o processo de produção de azeite, com vista à sua futura dinamização enquanto pólo de recriação histórica de produção de azeite, uma vez que a autarquia.
   O concelho de Oeiras, foi desde esse remoto tempo uma zona onde o cultivo da oliveira era grande, pois tanto em Tercena como em outros lugares do concelho, recordamo-nos de existirem imensas oliveiras, nomeadamente nas quintas situadas nas férteis margens da ribeira de Barcarena, que produziam uma boa quantidade de litros de azeite e esta repentina mudança de ideias por parte da autarquia oeirense, em retirar a galeria municipal, espaço  dedicado a exposições que tinha instalado no secular Lagar de Azeite, dando-lhe a primitiva forma, ficou a dever-se ao facto da Câmara Municipal ter adquirido ao município de Mourão um grande número de oliveiras, que se encontravam no Alqueva e como estas se iriam perder com o alagamento daquele espaço transformado em barragem, houve esta campanha de solidariedade em todo o país, para que as oliveiras não se perdessem e então foram adquiridas e transplantadas em outras locais.
  O concelho de Oeiras possui cerca de seis milhares de oliveiras provenientes do Alqueva e curiosamente, que se saiba, nenhuma delas enjeitou o novo local e como tal prevê-se que dentro de um ano, Oeiras venha a ser também uma das grandes regiões de produção de azeite, pois o município pretende dar-lhe um cunho turístico, tal qual aconteceu com o seu famoso vinho de Carcavelos, onde a produção já é enorme e os proventos estão a ser parte do sustentáculo desse mesmo turismo no concelho.   
     No trabalho realizado para a creche do Centro Paroquial de Barcarena, apresentado por João Ricardo Silva, este texto foi um pouco infantilizado, para que as crianças pudessem entender melhor o ciclo da cultura do azeite e como tal tivemos que explanar com toda a singularidade como tudo decorria.
   Por isso explicamos em pormenor que a azeitona era acartada em sacas e transportada em carroças e ao chegarem ao lagar eram colocadas na grande tina, onde se misturava com outras vindas de outros lados, pois adicionava-se água a fim de ser lavada e também retirar algumas impurezas que sempre vinham com o produto.
   Depois, a água era retirada e entrava no ciclo de fabrico onde era descaroçada e desse trabalho era retirado o líquido, sendo guardado o engaço, massa composta pelos restos dos caroços desfeitos e parte da casca do fruto que depois de bem prensados para lhe ser retirado totalmente o líquido, servia para estrume, só que nessa manobra o cheiro era horrível, pois era muito activo e incomodativo.
    Após este trabalho, a massa da própria azeitona era esmagada, através de uma artesanal forma, onde uma velha mó, rodava sobre o produto, movida ou pela força dos homens, ou então por animais, que assim rodavam em redor da tina e iam transformando a massa em líquido.
      Depois de estar um dia ou dois a descansar, aquele massa que ficava proveniente do esmagamento entrava na prensa, a fim de ser aproveitado todo o líquido que se concentrava naquela grande quantidade, tal qual como se faz o vinho, escorrendo para uma outra tina, sobrando o resto do engaço.
    Depois do trabalho de prensagem, o azeite concentrava-se na tina, a descansar a fim de clarificar e deixar de ficar turvo, operação sempre muito complicada, pois daí era medido o grau de acidez e suas respectivas características, que muito tinham a ver com os locais onde as oliveiras eram criadas, por isso Portugal era sempre distinguido com bons azeites, e obviamente grandes prémios de qualidade, por o clima ser excelente, considerado mediterrânico e isso dera grande fama a Portugal, só que hoje esses títulos são raros, porque se afrouxou o cultivo da oliveira preferindo-se outras produções.
    Depois de verificadas estas características o azeite era então engarrafado e distribuído pelos grandes armazéns de venda, só que aqui na nossa zona, o azeite que se produzia no lagar de Barcarena, era para consumo dos seus proprietários, durando todo o ano e ainda por vezes sobrando para dispensar a amigos ou familiares, porque ficava sempre mais barato e sobretudo de qualidade reconhecida.
    Em Portugal perduram ainda grandes marcas de azeite que já vêm do início do século passado como o “Azeite Galo” entre muitos outros, que ainda vão levando o bom nome de Portugal no estrangeiro, através da exportação, sendo mesmo um dos grandes sustentáculos da economia portuguesa e uma grande esperança para o concelho de Oeiras, pois pretende-se ver circular por todo o mundo e não só, as famosas garrafinhas oferta do município, tal qual o famoso vinho adamado “Conde Oeiras” produzido no Casal da Manteiga na Quinta dos Marqueses em Oeiras, a quem o visitar, pelo menos por intermédio da autarquia.
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quinta-feira, 7 de abril de 2011

Recordações e Histórias de um povo

AS EIRAS E O ABASTECIMENTO DE ÁGUA A TERCENA  

  
  Nos anos trinta do século passado, Tercena, era uma terra sem condições de habitabilidade, por isso não admira que a população fosse tão escassa, pois viviam por aqui pouco mais que duzentas pessoas, só mais tarde é que o fluxo de migração despoletou com a vinda de muita gente das províncias, nomeadamente do Minho, Alentejo e Beiras com a ideia de que, à beira da capital é que se vivia bem, no entanto o local desejado para esse mesmo emprego era a lendária Fábrica da Pólvora que mantinha um ritmo galopante de serviço, devido ter despoletado nessa altura, primeiro a Guerra de Espanha e logo a seguir a II Guerra Mundial.
   Tercena, embora se distanciasse a escassos quinze quilómetros de Lisboa, tinha muitas dificuldades, pois as casas eram fracas, térreas, com um ou outro primeiro andar aqui e acolá, água canalizada não possuía e embora passasse por aqui desde os últimos anos do século XIX, o caminho de ferro, a dois passos da povoação, e a energia eléctrica fosse instalada na aldeia desde muito cedo, pouco mais existia que permitisse uma pessoa cativar-se pelo lugar.
   Assim Tercena era atravessada por uma grande rua, que sempre teve o nome pomposo de Avenida de Santo António de Tercena, que vinha quase desde a Fábrica da Pólvora até à Quinta das Lindas, numa extensão de cerca de quilómetro e meio, mas as casas só começavam a aparecer junto à mercearia do Lagarto, ou seja, mesmo no coração do lugar e depois, também terminavam um pouco mais acima da capela de Santo António, precisamente onde fazia a curva e se virava para a estrada que comunicava com Massamá, não havendo ainda a IC19, pois nesse local onde ela passa hoje, íamos encontrar a grande fonte abastecedora de água, que não era mais nem menos que uma mina arredondada que fornecia a água a parte da povoação, já que, as pessoas que viviam no lugar de baixo, acartavam-na em bilhas da fonte, existente no caminho que comunicava com o Bico,para suas casas.
     A água era a mesma que corria junto à eira, onde os agricultores mais pobres da periferia debulhavam os seus trigos, já que, em outras épocas, onde ela não era necessária, os jovens que trabalhavam na Fábrica da Pólvora treinavam ali a sua equipa de futebol, por não existir campo na localidade, dedicado àquela modalidade.
  A grande mina que ali se erguia vinha de umas fontes existentes em Massamá e continha sempre uma água muito fresca no verão e tépida no inverno, o que consistia numa enorme delícia, pois conhecemos muitas pessoas que, viviam na capital e vinham a Tercena buscar água em garrafões por dizerem que era muito boa e fresca.
    Em Tercena as pessoas para encherem as suas talhas de barro, teriam de a acartar em bilhas ou latas, desde aquele local até suas casas.
     Havia um balde, com uma corda agarrada e era assim que as pessoas puxavam o precioso líquido, atirando as sobras para o pequeno tanque que existia ao lado, onde o gado bebia, já que os pastores faziam questão de passar por ali com os animais para matarem a sede, quando regressavam aos currais vindos dos campos onde pastavam.
   Um pouco mais acima passava o caminho-de-ferro, nesse tempo comboios incómodos, fumarentos e pouco cômodos, que saíam da estação do Rossio, destinando-se a Sintra ou então para Oeste, virando o seu curso na estação do Cacém, imediatamente a seguir a Barcarena.
     Os habitantes em Tercena e Barcarena beneficiaram muito do caminho de ferro, pois as pessoas já se deslocavam à capital nele, e talvez por isso, não mostravam um tão grande atraso, como se verificava em outras localidades do interior, como Leceia, Barcarena e Valejas, pois o contacto com os lisboetas e com a sua vivência já muito influenciada pelo constante turismo, dava aos locais uma acentuada evolução, obrigando a uma grande mutação nas pessoas, modificando a sua forma de vestir, de falar e até de convivência.
   Na localidade existiam também três eiras, pois independentemente da que existia junto à mina de água a caminho da estação de caminho de ferro, havia uma outra perto do Casal do Conde de Azarujinha que era explorado por um dos Guizos, o Alfredo e mesmo ao lado era todos os anos montada a grande eira, que trabalhava para agricultores ainda mais modestos, como eram os irmãos Guizos, e outros que cultivavam poucas quantidades de trigo, mas que, igualmente necessitavam de o debulhar.
   Mais a Oeste ficava outra eira, mesmo ao lado do casal do Manuel Roque, onde vivia o dono da propriedade.
    Mais tarde, quando a eira deixou de funcionar, o proprietário deixou de viver naquele local, ficando quase ao abandono e então foi quando ali se instalaram diversas famílias, oriundas de Castro de Aire, mas depois disso, jamais ali viveu gente, porque os tempos mudaram, as facilidades de vida felizmente melhoraram bastante e o casal ficou entregue aos cuidados dos criadores de gado ovino, pois guardavam ali os seus animais durante a noite, pese embora, mesmo ao lado ficasse o casal do Crispim, outro agricultor, mas igualmente de fracos recursos, que daquela eira também se servia para debulhar as suas searas de trigo.
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domingo, 3 de abril de 2011

Até parece que o passado regressou como no tempo das "Macanitas"

TUDO VOLTOU COMO HÁ OITENTA ANOS ATRÁS

Afinal, as macanitas iniciaram este ciclo de miserável viver, prenúncio de uma velhice indesejada, quando tudo se fez, tudo se sacrificou e lutou para que isso não acontecesse. Que houvesse de facto um amanhã florido, risonho e farto, reiterado nessa manhã feliz, mas mentirosa, criada pelos bravos capitães de Abril, mas hoje, bem ao invés, constatamos que a miséria, o infortúnio, a desdita e a solidão, acabaram por, malogradamente, voltar a estamparem-se no tostado rosto dessa pobre gente, nas engelhadas, calejadas e enrugadas mãos desses antigos e fiéis trabalhadores, tal qual como se verificara há sete e oito décadas atrás. 
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     Muito se tem falado das mulheres que para a região saloia de Barcarena vinham trabalhar, nomeadamente para os campos agrícolas de Cabanas e muito se recorda ainda desses amargurados tempos, pois as diferenças de vida parecem de facto não existirem, embora os tempos tivessem mudado radicalmente.
    Gente que aparecia por aqui vinda do Oeste, desembarcada na estação de caminho de ferro do Cacém e que a pé, ou em carroças se dirigia para os casais da periferia para o amanho dos terrenos, dedicado ao ciclo do trigo, cultivo que se intensificava fortemente nesta área.
     Mulheres que aqui apareciam sazonalmente de Abril a Junho, envoltas em sonhos, desejosas de vencer, de arranjar melhores empregos, com muitas, por essa razão, a optarem por ficar por cá e não regressarem ás suas terras, por entenderem que, perto da capital, teriam muito mais possibilidades de vencer na vida que, isoladas nas suas aldeias frias e vazias do interior da Estremadura.
     Muitas acabaram por casar, arranjar companheiros trabalhadores e dedicados e vingarem na vida, como ainda hoje encontramos na freguesia de Barcarena, conjuntamente com seus filhos e netos, comungando uma vida melhor é certo, mas muito marcada pelas condicionantes e exigências dos governos actuais.
    Uma vida melhorada no aspecto físico, onde parece haver felicidade, estabilidade, mas confrontada com os problemas inerentes ao mau desempenho dos actuais regimes, que tudo fazem para engrandecerem os grandes senhores deste país, esquecendo por completo os mais desfavorecidos, nomeadamente essa camada de gente que infelizmente faltou à escola para ganhar a sua vida.
     Pessoas pouco letradas que acabaram por alcançar reformas de fome, verdadeiramente miseráveis, valendo-lhes alguns valores tomados por herança e pouco mais.
    Outras, no entanto, ao regressarem a suas terras, não foram felizes, tendo dado continuidade às dificuldades que sempre encontraram na vida, e ainda hoje parecem não ter encontrado o trilho certo.
   Nessa época, no seu dia a dia atribulado, muitas infelizmente enfrentaram a morte e ainda houve quem tivesse ficado marcada com filhos nos braços, devido a falsas promessas de homens sem preconceitos, que apenas conversavam com as raparigas para distracção, longe de pensarem a sério na vida.
     A maioria dessa gente de trabalho, foi infeliz, devido aos maus dias que passaram nesses campos, pois, isoladas, vivendo temporariamente em frios casarões, acabaram por contrair doenças graves, como a tuberculose e não resistindo pouco depois.
     Lembramos que, a falta de alimentação era uma constante, só com o sentido de juntarem dinheiro para com ele satisfazerem dívidas deixadas na terra, acabando por condenar o seu futuro, motivando um enorme desgosto a seus familiares.
     Por isso, hoje quando falamos das macanitas, lembramos apenas os momentos alegres que elas proporcionaram, nos bailaricos que organizaram nos desconfortáveis casais, nas cantigas que entoavam enquanto, vergadas sobre os trigais, ceifavam as louras espigas, ou mesmo com a sua brejeirice, em redor dos rapazes fazendo-lhes a cabeça louca de amores, quando afinal tudo não passava de um simples divertimento para mais rapidamente se passar aquela dura temporada.
   Ao recordarmos todos estes alegres momentos, esquecemos as suas desventuras, pois muitas para não perderem a magra jorna diária, acabavam por ter os filhos em plena seara, como acontecera com algumas.
     Sem condições, eram assistidas apenas pela curiosidade das colegas, ou por a ocasião repentina se proporcionar, pois nem sequer sabiam o que fazer naquele momento de aflição, mas lá aparecia um voluntário que conhecia alguém na aldeia que corria aflito em busca de uma curiosa que entendesse algo mais de partos, como chegamos a assistir, com a “ti” Emília Saragoça a largar os seus domésticos afazeres, para socorrer no meio do trigal, a rapariga que estava em situação de parto.
      Algumas bebiam água para matar a fome, ou comiam pão esquecido e bolorento na mala desde que chegara ao casal, ou ainda aquelas que se alimentavam diariamente de café e pouco mais, mastigando como alternativa, frutos silvestres que colhiam quando caminhavam para o degredo da monda, ou que, por acaso existissem nas árvores das redondezas do casal onde dormiam, porque o que amealhavam não era compensador para as doenças que mais tarde contraíam.
     Outras acreditavam nas promessas de seus conversados, francamente amores arranjados na ocasião, e que se perdiam logo que terminava a tarefa, crentes numa vida boa no futuro, mas que depois, ficavam agarradas aos filhos que mantinham na barriga e que, por vergonha de aparecerem assim na terra, davam-se ao desgosto, acabando por morrer tísicas, como conhecemos algumas.
  A macanita era uma mulher marcada pelo infortúnio, ou já não bastasse o seu duro trabalho de sol a sol, a fome que muita das vezes passava, o frio que sentia na sua dura e desconfortada enxerga, formada por uma simples esteira sobre velhas tábuas colocadas para servir de improvisada cama.
    O calor que nos dias de estio suportavam, debaixo das chapas escaldantes de zinco que serviam de telhado e tecto das barracas onde se obrigavam a viver.
    Foram todos esses maus tratos que as levou a contrair graves e letais doenças, umas suportando e superando nas suas terras, mas outras nem tanto, ficando pelo caminho, agarradas a sonhos utópicos, enfim, a uma vida de grandes sacrifícios e desprazeres.
    Hoje, lembramos tudo isso, quando falamos das macanitas e que saudades sentimos de as ter deixado de ver debruçadas no seu dia a dia sobre as verdes searas, aquando mondavam, ou quando ceifavam as louras espigas na encosta do lugar do Bico.
    Recordamos com alguma tristeza ao vermos todos esses trigais extensos de Cabanas trocados, por amontoados e inestéticos blocos de betão.
    Ficamos admirados como tudo se mudou de um momento para o outro. Terrenos bem cheios de vida cinegética, como perdizes codornizes, coelhos, lebres e toda a espécie de passarada de arribação, que procurava estas paragens por saberem que aqui havia alimento com fartura e que, davam gozo aos caçadores que, na época própria perdiam o seu tempo caçando essa real abundância.
    As macanitas, hoje desapareceram, restam as que ainda, felizes vivem nesta terra, só que quando lhes falamos deste passado tempo, deixam cair uma breve gargalhada e apenas respondem sem saudosismos evidentes, “tempos para esquecer, pois foram demasiado maus e que se desejam que não regressem, mas hoje apesar de já não vermos esses loiros campos, aparecem outras, ainda mais graves, contrariedades”.
      “Felizmente que não voltam”, garantem ainda alimentando uma ténue esperança, mas a verdade é que com esse seu desaparecimento, deixou de haver abundância de pão, de trabalho e afinal de quase tudo, inclusivamente de alegria, pois tudo passou a ser importado num ritmo de vida taciturno.
     O trabalho desapareceu, aumentando consideravelmente as listas de desemprego e afinal os governos lutam para conseguirem repor as exigências impostas pela Comunidade Europeia, onde erradamente os portugueses aderiram e assim se vive, do resto dos outros, comendo mal, caro e sem qualidade, tal qual como no tempo dessas antigas trabalhadoras do campo.
     Para se sobreviver ter-se-á de fazer uma enorme ginástica, tal qual nessa época, sem se saber o que fazer e que medidas tomar, por isso, quando recordamos as macanitas, apenas podemos, malogradamente, constatar que, pelo menos aquelas que não tiveram a sorte de granjear um “pé de meia”que lhe garantisse um futuro melhorado, continuam a viver mal, como nesse tempo.
      Numa época, que devido ás grandes restrições impostas pela ditadura de um governo, ainda se vivia com alguma alegria por se conhecer bem as drásticas regras do regime, e respeitá-las solenemente, mas hoje, em plena democracia, em liberdade e igualdade, como erradamente se afirma, vive-se pior e com tristeza.
     Desconhece-se o dia de amanhã devido a tanta ameaça social, só para que os grandes possam cada vez ser mais ricos, nada se importando que as pessoas desse antiga época, velhos agora e sem forças para nada, passem novamente tremendos sacrifícios, para poderem sobreviver, e ainda roubando, para enfraquecerem cada vez mais a sociedade mais desfavorecida.
     Essa infeliz gente ainda acredita, ainda mantém fé, quase como que um castigo masoquista, mas a grande verdade é que as irregularidades desses senhores vão sendo esquecidas pelas desajustadas e variadas leis que correm nos tribunais portugueses, mas o pior são as ameaças que são feitas, devido aos grandes interesses da Comunidade, por parte de países ricos e considerados grandes potências.
     Incrível e desavergonhadamente exigem até a esses pobres que auferem reformas de fome, conseguidas através de uma vida de duro trabalho, que façam sacrifícios, nem que suas vidas já não estejam bem repletas deles, congelando, ou mesmo diminuindo os magros valores, aumentando ainda mais o sacrifício desses eternamente sacrificados.
     Ah pobre gente, quais macanitas do princípio do século passado, que têm um drama garantido até ao fim da vida e a velhice maltratada, acabando numa cova sem fé, sem carinho e sem tostão para mitigar a fome que surgirá inequivocamente até ao dia do juízo final.
    Afinal, as macanitas iniciaram este ciclo de miserável viver, prenúncio de uma velhice indesejada, quando tudo se fez, tudo se sacrificou e lutou para que isso não acontecesse. Que houvesse de facto um amanhã florido, risonho e farto, reiterado nessa manhã feliz, mas mentirosa, criada pelos bravos capitães de Abril, mas hoje, bem ao invés, constatamos que a miséria, o infortúnio, a desdita e a solidão, acabaram por, malogradamente, voltar a estamparem-se no tostado rosto dessa pobre gente, nas engelhadas, calejadas e enrugadas mãos desses antigos e fiéis trabalhadores, tal qual como se verificara há sete e oito décadas atrás.  
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