segunda-feira, 28 de março de 2011

Recordando o passado

AS GRANDES CHEIAS DE 25 DE NOVEMBRO DE 1967
Naquela dia, a chuva caiu intensamente, facto que não foi valorizado na medida em que, Novembro era, habitualmente, o mês da chuva, e como tal, ninguém esperava o que viria a suceder ao final daquele dia.
 Na realidade a intensidade manteve-se, enchendo por completo as ribeiras que atingiram rapidamente o seu limite máximo, transbordando mesmo de forma assustadora.
  A noite caiu rapidamente e as pessoas mal viam os caminhos, quanto mais o nível das águas, pois só se ouvia o barulho ensurdecedor das águas enlameadas em turbilhão rumo ao mar.
  Os alarmes começaram a surgir ao final da tarde, no lugar do Bico, pois o pequeno bloco habitacional, com pouco mais de trinta pessoas, começava a ficar verdadeiramente transformado, com as pessoas assustadas, pois as águas já chegavam às casas, com algumas mesmo a ficarem totalmente inundadas.
  A solidariedade das pessoas fez-se sentir de imediato e da povoação de Tercena, começou a chegar gente, para ajudar todos aqueles que se sentiam em perigo, acartando alguns bens para lugares seguros, pois as águas ameaçavam grandemente.
     No Bico passam dois ribeiros, o que vem de Almornos e desagua em Caxias e o que se inicia em Massamá, passando pela povoação de Tercena, sendo pois um afluente da ribeira de Barcarena, desaguando precisamente naquele lugar.
    Eram precisamente essas águas que invadiam as casas do lugar, uma vez que a fortaleza do ribeiro não permitia escoar facilmente essas águas, que vinham de Tercena, e as pessoas, ficaram preocupadas, pois já tinham entrado em algumas habitações.
  Foi nessa altura que se percebeu a grandiosidade da tragédia, mas sem se vislumbrar os seus verdadeiros resultados, pois por todo o lado as rádios anunciavam as cheias, com estragos em todos os pontos da periferia da capital.
    A noite estava cerrada e as pessoas ficaram sem luz eléctrica o que agravara ainda mais a caótica situação.
    De Tercena, vinha agora a triste notícias, que o ribeiro que passava junto ás Fontaínhas, proveniente das águas que escoavam das terras do Moinho Encarnado e Queluz de Baixo sul, estavam a por em perigo as habitações marginais, quase junto à Fábrica da Pólvora, onde viviam algumas famílias com casas alugadas à Maria Pinto.
   Morava nelas uma família carenciada, marcada pelo infortúnio da vida, cuja senhora, vivia com a filha mais nova, conhecida por “Lé-Lé”, que residira anteriormente no casal da Serra, conhecido pelo Casal de S. Miguel da Serra.
  Com a extinção daquele bairro, aquela família, composta por mãe e filha, a Sofia, arranjara uma pequena barraca junto ao muro, na propriedade da Maria Pinto a pouco mais de um metro do leito do riacho, que raramente enchia e não havia memória de alguma vez ter transbordado, só que naquele dia ameaçava tal. 
   Entretanto no lugar do Bico trabalhava-se arduamente, para salvar os parcos haveres daquelas famílias, ignorando-se que em outros pontos da freguesia se passava o mesmo drama e os bombeiros não tinham mãos a medir, pois as chuvadas caídas o dia inteiro estavam agora a produzir os seus nefastos efeitos.
  Em Barcarena, uma casa tinha desaparecido, salvando-se felizmente, os seus moradores, a ponte que comunicava com Leceia ameaçava ruir, pois as águas já a galgavam, e os pedregulhos, árvores, automóveis e toda a lixarada que se encontrava nas margens mal tratadas e cheias de enormes volumes abandonados, eram levadas e batiam com força na ponte, esperando-se mesmo que esta ruísse, por isso o trânsito fora prudentemente cortado.
    Noo bairro da Fábrica da Pólvora, a ponte de ferro tinha sido destroçada e levada pela fúria das águas, e a taberna da Perreirinha, mesmo à beira do ribeiro, tinha sido arrancada pela raiz e levada pela fúria das águas.
  Momentos antes, voluntários tinham salvo um trabalhador, o “Alegria”, que na sua barraca já tinha água pelo pescoço e já não conseguia sair pela porta.
 Teve de ser salvo pelo telhado, e puxado para cima, por três homens que se lembraram que ele deveria estar em perigo, pois sabiam que ele momentos antes tinha ido para casa.
    E nesta labuta, e consecutivas informações vindas daqui e de acolá, chegou a triste notícia de que, a filha da Maria Pinto, a Carolina, moradora nas Fontaínhas tinha desaparecido e engolida pela águas, causando um pânico elevado, com a convergência de parte da população de Tercena a tentar saber a verdade e a fazer algo que minimizasse a dor da família.
    Entretanto, neste amontoado de pessoas que rodeavam a estrada, junto da sua casa, uma sua vizinha, a filha da “Lé Lé”, precisamente a Sofia, que se retirara de sua casa, na companhia de sua mãe por as águas já terem galgado a margem e ameaçavam entrar na sua barraca, lembrou-se repentinamente que tinha deixado lá o seu rádio e precisava dele para ouvir as notícias de tão grande tragédia.
 Aconselhada a não regressar a sua casa, por se tornar perigoso devido a escuridão da noite, a rapariga movida pela sua juventude partiu alvoraçada mas a verdade é que jamais voltara, porque, segundo se verificou depois, a casa já não estava lá, e o ribeiro agora alargara o seu leito, até à muralha que dava para a estrada.
  A Sofia tinha sido igualmente engolida pelas águas em fúria, tal qual acontecera com a sua vizinha, Carolina.
    O pânico e o alarido ainda mais aumentara e a dor era agora comum a todos que ali se encontravam, pois a rapariga já estava a salvo e aquela sua macabra ideia, levara-a infelizmente à morte.
    No Bico, o drama continuava, mas não se registavam vítimas, contudo o Filinto Silva, que tinha ido em socorro do seu primo João Trajano, sabedor que a sua casa e haveres estavam em perigo, numa das manobras de transporte de haveres para um barracão junto à estrada que não corria perigo, desviara-se do normal trajecto, devido à falta de luz no local e ficara entalado num buraco onde as águas corriam com furor.
 Assustado, e em risco de ser levado pela forte corrente, começou a gritar e alguém por perto, ouvindo os seus aflitos gritos, pressentiu o ponto onde ele se encontrava, esticou-lhe o chapéu de chuva que portava, que por sorte se agarrou a ele, e puxado com todas as forças que aquele pobre ser possuía, o Filinto pode salvar-se de morte certa.
 A grande verdade é que o Filinto voltou a piso seguro e jamais conseguiu saber de quem tinha sido o milagroso golpe de astúcia daquele homem que o salvara de morrer afogado, porque o breu da noite não permitira descortiná-lo, nem este se inteirara de quem salvara, por estar aflito com a situação que ameaçava ainda mais perigo.
       A noite fora passada nesta grande labuta e pânico, porque as más notícias começavam a surgir, com algumas famílias do Bico a serem mudadas para casas particulares do lugar, onde acabaram por pernoitar, porque nas suas corriam bastante perigo.
    Quando o novo dia apareceu, as águas já estavam mais calmas e foi quando toda a gente se inteirou da grande tragédia ocorrida naquele fatídico dia 25 de Abril de 1967, que causara centenas de mortos por todos os lugares da área metropolitana de Lisboa, com a novidade de, em S. Marcos, ter sido engolido igualmente pelas águas um velhote bastante conhecido, o “Ti Ramiço”, pois ao passar a pequena ribeira de noite, vindo da colectividade, jamais pensou que a mesma levasse tanta água e acabou por ser surpreendido pela sua força e arrastado até à morte, até à Fábrica das Pólvora, numa distância de mais de dois quilómetros, onde o seu corpo fora encontrado.
     As duas raparigas, curiosamente, vizinhas há alguns anos, foram encontradas sem vida, no Murganhal, a escassos metros uma da outra, pois quis o destino que acabassem por parar da louca correria, empurradas pelo furor das águas depois de terem passado por uma manilha com pouco mais de sessenta centímetros de diâmetro, juntas, pois também na morte acabaram por ser vizinhas.
 Uma tragédia que deixou toda a região lisboeta, não só desolada, como em ruínas, porque os estragos foram elevadíssimos, com ruas, bairros inteiros destruídos, milhares de viaturas inutilizadas e muitas famílias enlutadas com a perdas dos seus ente queridos que, desta forma perderam a vida, devido à incúria governamental por deixar os rios e ribeiros sem serem limpos anos e anos seguidos e ter sido esta a grande causa de tão imensa tragédia, pois só na povoação das Quintas, perto do Carregado, morreram quase trezentas pessoas, restando, depois da tragédia, umas escassas dezenas, porque as demais acabaram por ser traídas pela fúria das águas, que, ao amontoarem-se os lixos na parte escoante do rio, o entulho fez de barragem enchendo a uma altura que ultrapassou as casas, dando morte a todos os seus moradores, já que a maioria se encontrava a dormir.
  Esta desgraça, correu o mundo inteiro, Portugal foi imensamente criticado por tão imperdoável descuido e a grande verdade é que a partir desse trágico ano, as ribeiras passaram a ser cuidadosamente limpas periodicamente e as cheias, embora continuassem a causar grandes enchentes, jamais motivaram uma tão grande mortandade, onde milhares de pessoas faleceram, com muitos dos corpos a não aparecerem, por terem ficado metidos na espessa lama, o que ainda mais atormentou as suas respectivas famílias, que pretendiam fazer-lhes um funeral digno.
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quinta-feira, 24 de março de 2011

Os últimos três livros sobre a Fábrica da Pólvora de Barcarena escritos por Fernando Silva

TRABALHOS QUE MOSTRAM CLARA E FIDEDIGNAMENTE COMO SE ACTUAVA DENTRO DA LENDÁRIA FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA
        Fernando Silva, quinze anos dedicados à Fábrica da Pólvora conhecedor da vida daquela empresa fabril do Estado e mais tarde companhia particular, tornada no maior parque de lazer e cultura do concelho de Oeiras, acabou de escrever o seu último livro sobre a vida naquela empresa.
   Após este último trabalho, Fernando Silva completou a série de três volumes, onde narra em profundidade as principais razões de ter sido sempre uma Fábrica virada para o insucesso, depois de ser adquirida por uma firma belga, a Companhia de Pólvoras e Munições de Barcarena, histórias ocorridas durante a sua estada enquanto empregado e portanto registo das últimas facetas que a levaram ao definhamento em 1988.
     O trabalho começa primeiro por contar a história trepidante, porque não emocionante de um dos trabalhadores fabris, “Felner Duarte”, cujo ódio a Salazar era tal que o levou à prisão e posteriormente deportado para Timor onde viria a encontrar a morte, assim com mais dois companheiros Júlio do Rego e António Silva que protagonizaram uma das mais importantes aventuras dos anos trinta em Barcarena.
   O segundo volume, “Degredo e Negligência” narra alguns acontecimentos dentro da Fábrica da Pólvora, mais propriamente a vida dos operários polvoristas, seus martírios dentro de um ambiente francamente desumano e degradante e fortemente acompanhado da grande negligência com que se actuava e decidia dentro da Fábrica e por último, “Um Anjo Explosivo”, a vida de um simples escriturário administrativo que tudo fez para ajudar o operariado, acabando por sofrer as consequências da sua dedicação, face a tantas contrariedades que o revoltavam no seu dia a dia.
    Estes três trabalhos aguardam a publicação por parte das entidades autárquicas de Oeiras, por o autor considerar um verdadeiro testemunho do ocorrido naquela empresa fabril, desde os primeiros anos do século XX, não esquecendo o embrião da Fábrica e as histórias adjacentes a ela.
       Os factos descritos, são considerados de grande valor histórico e patrimonial, que devem ser preservados, para mais tarde se poder analisar e avaliar o quão difícil foi viver em Barcarena e sobretudo trabalhar naquele verdadeiro degredo que ceifou a vida a muita gente ao longo da sua vida, através das terríveis explosões, trabalhos que poderão ser analisados por quem por eles tiver interesse, exclusivamente na Biblioteca da Quinta do Filinto em Tercena, a funcionar das 10 às 22 horas.
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quinta-feira, 17 de março de 2011

As Lendas e Mitos que constituem a génesis de Barcarena

Origens e curiosidades que só muito mais tarde foram o sustentáculo da história da freguesia de Barcarena

   Barcarena contém muitas lendas e mitos, algumas que bem podem ser consideradas fidedignas por apresentarem alguma verosímilhança, outras nem tanto, mas a verdade é que todas elas são dignas de registo, porque actualmente, acabam por fazer parte da história desta freguesia.
   Ninguém poderia imaginar o valor que possuía a Ribeira de Nina, que atravessa o lugar de Valejas, que em séculos mais atrás tinha essa denominação mas que actualmente é conhecida pela ribeira do Jamor.
  Um singelo ribeiro, sem grande influência que vai desaguar à Cruz Quebrada ao rio Tejo e que, nestes últimos anos tem estado bastante poluído.
     Esse curso de água bem definido há uns séculos atrás, era uma das razoáveis fontes de riqueza do reino, pois dela eram retirados avultados fundos que tinham de ser pagos pelo povo, através dos cobradores da época que canalizavam aquelas verbas para o respectivo rei.
    A ribeira do Jamor que actualmente, pouco ou mesmo nenhum peixe contém devido à grande poluição, em tempos recuados era forte em pescado e quem nela pescava, tinha de pagar uma dízima que os cobradores de impostos, os conhecido magistrados do reino que davam pelo nome de “Ouvidores”, não perdoavam, pelo menos é o que consta em antigos documentos que fazem referência a essas cobranças.
   O rio Tejo estava bem mais acima do seu nível e como tal as águas entravam nas três ribeiras existentes na área do concelho e por isso mesmo o pescado refugiava-se nelas naturalmente.
  Os livros antigos dão conta também das grandes barcas que subiam a ribeira de Barcarena, durante a maré-cheia, pois vinham buscar os barris de pólvora para serem levados para as grandes naus que atravessavam os oceanos a caminho das possessões então conquistadas pelos portugueses.
   As barcas vinham vazias, “Ribeira a cima”, que acabaria por dar o nome a um lugar da freguesia e ficavam bem perto da fábrica.
   Eram carregadas e quando a maré voltava a subir, deslizavam “Ribeira a Baixo”, outra nomenclatura actual, com a maior das facilidades, até ao rio, onde em Caxias, foz da ribeira de “Berquerena”, as grandes naus as esperava na baía de Paço de Arcos, sendo depois descarregadas.
   Pólvoras que seguiam para diversos sítios que iam assegurar a manutenção desses territórios ultramarinos, contudo hoje, com o abaixamento do nível das águas, essas ribeiras não são navegáveis e as novas gerações quase não acreditam que isso tivesse sido possível, no entanto, sabe-se que o mar há muitos milhões de anos, tinha baixado grandemente, a ponto de ter subido depois cerca de cento e vinte metros e foi nesse período que as ribeiras eram navegáveis, como nos prova ainda hoje, o castro neolítico de Leceia, onde foram encontrados a alguns metros acima do actual nível das águas, conchas, cascas de mexilhão e inclusivamente um anzol, o que prova que, o mar chegava ali, e por essa ribeira entravam barcos que iam a “Lycea”, nome antigo dessa localidade, transaccionar produtos, como azeite, vinho e cereais em troca de cerâmicas e outras coisas de que necessitavam os moradores daquela zona.
    Também não é menos verdade a história que se conhece e se diz ser a origem da nomenclatura de Barcarena, em tempos mais recuados, conhecida por Berquerena.
   Dizia-se viver por ali perto, uma rapariga muito bonita, que, por ser filha de gente abastada, possuía uma linda barca, na qual passeava de quando em quando nas águas da ribeira.
    Essa rapariga, que consta tratar-se de uma princesa, chamava-se Rena e como a barca se encontrava por ali sempre ancorada, quando a bela menina não a utilizava, as pessoas que passavam pela margem do ribeiro, garantiam tratar-se da “barca de Rena” e assim ficou baptizado o lugar, como Barquerena que resistiu até aos nossos dias.
       Muitas foram as lendas e histórias que se criaram sobre esta freguesia e que acabam, não só por dar nome às localidades, como a génesis da freguesia que depois, em redor destes acontecimentos se criou um forte fluxo demográfico, atingindo hoje mais de vinte e cinco mil almas, distribuídas por cinco lugares distintos.
     Tercena, vem da palavra árabe Torgena que, no século XIII dava nome ao local que hoje conhecemos com a nomenclatura de Tercena.
     Segundo se constatou em estudos efectuados na Torre do Tombo, todo este espaço agrícola pertencia a um clã que era conhecido pela “herdade dos homens de Torgena”, (1260) famílias de agricultores que viviam do amanho das férteis terras, que mais tarde, confirmariam mesmo essa fecundidade, mas que depois se transformaram, por força da modernidade, em bairros urbanos.
     Já dizia o grande Marquês de Pombal, que as terras de Cabanas eram as mais férteis da Europa e por isso já na nossa contemporaneidade confirmamos isso mesmo, com as grandes searas de trigo que ali se produziam e que deram origem a uma invasão de pessoal oriundo de várias partes do país e que baptizaram as suas trabalhadoras, por “macanitas”.
   Torgena foi o nome dado a todo este espaço que depois se foi definindo e dividido por parcelas a ponto de termos conhecido diversos nomes, todos influenciados nessa primeira nomenclatura, como Tarcena, Tracena, mais tarde Tercenas (1865) e até à segunda década do século XX, Torcena, desconhecendo-se no entanto a data em que deixou de ter a última nomenclatura e passar a chamar-se Torcena e só nesta altura, se definiu o nome da terra passando a ser conhecida por Tercena, por finalmente, entenderem os mais letrados, que Tercena eram silos cerealíferos à beira rio, ou arsenais onde se guardavam explosivos, ideia que só é conhecida a partir do século XV com a implantação das rudimentares fábricas de pólvora conhecidas pelos “engenhos de fabrico de pólvora” criados à beira da ribeira e só em 1729, ter nascido a sério a Real Fábrica da Pólvora, hoje, felizmente extinta, pela mão de António Cremer, um reconhecido e competente técnico suiço.
    São todas estas histórias que dão nome ás localidades, que completam e sustentam o seu rico e credível historial de Barcarena, facto que foi sempre ignorado, ou antes, desinteressado pelas pessoas dessa época, mas que, a partir de um maior desenvolvimento literário e cultural, as novas gerações, mais instruídas, e sobretudo dotadas de uma nova mentalidade, onde a curiosidade se destacava, entenderem aprofundar estudos sobre o passado, baseados em escritos deixados e que hoje muito contribuem para o conhecimento e evolução dos nossas povos, dos nossos descendentes, e afinal das nossas verdadeiras e ancestrais raízes.

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quarta-feira, 16 de março de 2011

A insensibilidade dos humanos

FERNANDO SILVA
 E A FORÇA QUE VEM DO BRASIL
  
    É inesquecível a viagem feita ao Amazonas em Abril de 2000 por Fernando Silva, integrado numa embaixada da Junta de Freguesia de Barcarena, pois para além de visitar toda a Amazónia do Pará, granjeou grandes amigos, como o historiador e filho do Marajó, José Pereira Varella.
  Essa viagem que teve o propósito de cimentar a geminação entre as duas “Barcarena’s”, do Pará e de Portugal, acabaria por cair por terra pouco depois, por nítido desinteresse, quiçá de ambas as partes, pese embora os portugueses ainda tentassem reactivá-la, contudo, a mudança de governo da Prefeitura de Barcarena do Pará, e obviamente a retirada dos seus antigos vereadores, fez desvanecer o projecto.
  Contudo essa viagem ainda proporcionaria uma outra que se concretizou no ano seguinte, onde o Rancho Folclórico “As Macanitas” se incluiu na embaixada portuguesa, mostrando e divulgando por diversos locais o seu folclore, os usos e costumes dos saloios barcarenenses, não deixando de referir e lembrar as histórias e aventuras de Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal que entre muitas outras coisas, teve o arrojo de trocar o nome de muitas das localidades do Marajó, dando-lhes nomes de terras portugueses, numa inexplicável reforma toponímica do Pará.
    Francisco Xavier, nascido em 1700, e falecido em 1779 foi administrador colonial na qualidade de Governador Geral da Capitania do Grão Pará de 1751 a 1759 e também irmão de Paulo António de Carvalho e Mendonça, teve uma acção que não agradou aos brasileiros, ao mudar o nome das localidades nativas por nomes de terras portuguesas, precisamente um ano antes de abandonar o cargo que ocupava.
  Precisamente em 1758, no contexto histórico da expulsão dos Jesuítas de Portugal e colónias a mando do poderoso Marquês de Pombal, onde no Marajó, diversas aldeias das missões foram obrigadas a trocar de nome como, Maruanazes, hoje Soure, Joanes, passando a Monforte, aldeia da Conceição, actualmente Salvaterra, Aruans trocada por Chaves, aldeia das Mangabeiras, denominada actualmente por Lugar de Ponta de Pedras, Aricará, conhecida agora por Melgaço, Arucaru, hoje Portel, Araticum pela mais significativa, respeitante ao nosso concelho, precisamente Oeiras, entre muitas outras, o governador da Capitania, verificava com desagrado que a sua atitude não tinha sido bem recepcionada pelos locais, mas a sua força, o poder que lhe fora transmitido pelo irmão, então Ministro do Rei D. José, deixava a decisão completamente consumada.
    Foram duas viagens que deixaram os portugueses que ali se deslocaram bem marcados, não só pela forma entusiástica como foram recebidos e tratados, como pelo cuidado havido na sua segurança, cônscios de que, aquele grupo de visitantes vindos do outro lado do mar, teria de regressar sem beliscaduras e nisso não há ninguém daquelas duas embaixada que se possa esquecer.
  Afinal as promessas, os desejos, tudo quanto se planeara num agradável, profícuo e interessante intercâmbio, acabariam por morrer na casca, devido a uma nítida falta de vontade política e foi pena, porque muito se beneficiaria de parte a parte.
   Passados mais de dez anos, apenas se fala da boa intenção havida, de algumas gratas recordações, ficando apenas desse interessante e salutar convívio, a amizade entre dois homens que muito têm dedicado os seus tempos livres a suas terras, precisamente, José Varella no Marajó e Fernando Silva em Barcarena de Oeiras.
  Frequentemente são trocados textos relativos às actividades dos dois povos, histórias, pesquisas disto e daquilo e apenas só isto, quando muito mais poderia se fazer de grande interesse para as duas regiões, afinal para os dois países.
    É salutar lermos, decorrida uma década, comentários vindos do Brasil em que José Varella reconhece e dá ênface, e isso muito se lhe agradece, à dedicação de Fernando Silva, que jamais esqueceu essa amizade arranjada no outro lado do oceano.
    “Fernando Silva é um folclorista e historiador de Barcarena de Portugal que ama e conhece a nossa Amazónia paraense, amigo fiel ele não esquece de mandar-me amostras de seu incessante labor que muito gostaria de compartilhar com todos os membros do FPCP”, indicando obviamente “blogues” que narram histórias interessantíssimas da sua terra, e que acabam por ser lidas e apreciadas, trabalhos notáveis, de um rigor literário, elaborados por esse grande mestre e historiador que, em toda a sua vida, tem dedicado à grande ilha do Marajó.
   Esse reconhecimento é um bálsamo para o historiador amador e regional de Barcarena – Oeiras que não só se tem dedicado à sua região, como ainda se atreve a ir a outros lados, conversar com outras gentes, conhecer outras culturas do seu país, como tem acontecido há mais de uma década com os Açores, há mais de quarenta anos com a Madeira e recentemente com a aldeia medieval de Monsaraz, que no Brasil, precisamente no Marajó, também Francisco Xavier Mendonça Furtado obrigou injustamente, pela mesma forma das demais apontadas, rebaptizar deixando de se chamar Aldeia do Caya, passando então a possuir a nomenclatura da existente no Alentejo, do concelho de Reguengos de Monsaraz.
  São todas estas referências, estas amizades que une os dois dedicados historiadores, que confirma o interesse literário, e a vontade de desnudar todas essas histórias, muitas cobertas já, por uma forte camada de poeira, deixado pelo passar dos séculos, mas que se não fosse este interesse, nunca se viria a conhecer estes valores, quando no nosso país, na nossa terra, as sumidades, os homens do poder, que determinam e teriam a obrigação de referenciar com relativo ênfase, os autores destas descobertas, quais preciosidades patrimoniais, esquecem puro e simplesmente quem tem dado a conhecer as histórias do passado destas regiões de ambos os países.
     Uma grande falta de reconhecimento, que tem sido apontada, frequentemente, pelo menos no concelho de Oeiras, pelo próprio Fernando Silva, facto tão demarcante que o leva por vezes ao desânimo, à frustração, a ponto de perguntar a si próprio, “porque razão eu ainda me dedico a estas coisas se ninguém me dá valor nem importância ?”.
    “Sacrifiquei o meu bem-estar materialmente para me dedicar à minha terra e afinal, o que eu escrevo está na gaveta, ninguém lê. Nem “blogues”, nem “sites”, nem sequer o modesto jornal.”
  Será que vale a pena continuar ?
   O desânimo, obviamente, surge, só que de repente aparecem notícias vindas do Brasil, José Varella é um verdadeiro admirador de Fernando Silva e eis que nova luz surge ao fundo do túnel, os dedos voltam ao teclado do computador e assim tem sido ao longo destes últimos anos e só esperamos que assim continue até à hora do juízo final que já não deve tardar muito.
  Será que depois então é que se reconhece este ser que há mais de cinquenta anos se dedica com entusiasmo e verdadeira devoção à sua terra, às suas histórias, ao seu engrandecimento ?
    É bem possível que sim. Só que depois será tarde. Muito tarde mesmo, porque o autor de tudo isso já não existe. Já desapareceu e não poderá dizer, como seria seu desejo, obrigado pelo vosso justo reconhecimento!...
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