quinta-feira, 28 de junho de 2012

BAIRRO DA FERRARIA
 UM EXEMPLO DE BAIRRO COMUNITÁRIO
    Este bairro criado no início do século passado, existente na Fábrica da Pólvora de Barcarena, foi considerado um exemplo de comunidade social feliz e humana, onde viveram em conjunto cerca de uma centena de pessoas, que vingou apesar das muitas carências impostas pelo regime salazarista, apenas no sentido de manterem o pão de cada dia ganho naquele verdadeiro degredo.
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     Quando se fala da Fábrica da Pólvora quase toda a gente que ali trabalhou garante que foram tempos maus, sem alegria pois andavam sempre os trabalhadores agarrados ao espectro das explosões, temendo pela sua vida.
    É verdade que essa ideia ocorria de quando em quando, mas a grande realidade é que se passavam muitos meses que essa ideia não aparecia, porque apesar de temerosa, aquela unidade fabril tinha épocas em que as pessoas viviam alegres, motivadas e sobretudo muito unidas.
     A união e fraternidade foram sempre as grandes características dos trabalhadores fabris, pois
A antiga rua dos Polvoristas hoje modificada e arranjada
 comungavam todos da mesma ideia, havendo consenso no entendimento, vivendo todos abrangidos pelo mesmo estatuto social, tendo como base a pobreza é certo e como tal, mais não podiam fazer que estimarem-se uns aos outros e viverem em conjunto da forma mais pragmática, embora reconhecidamente de modo modesto e por vezes mesmo muito difícil, devido às exigências e castigos impostos pelo Estado Novo que dominava o país.
     Havia grande entreajuda nessa gente que habitava o bairro da Ferraria na Fábrica da Pólvora, composto pelas três artérias ali existentes, Rua dos Sargentos, Rua dos Polvoristas e a Calçada do Louro, uma zona que existia para lá da ponte metálica sobre o ribeiro, onde não podia chegar uma viatura, mas onde morava a maioria dos empregados daquela fábrica.
     Chegamos a contar mais de uma centena de pessoas que nesse bairro vivia e toda esta comunidade nos dias
Calçada do Louro com o caminho arranjado o que não estava antigamente
livres divertia-se, organizava-se e sobretudo apoiava-se uns aos outros, pois se um tinha necessidade disto ou daquilo, logo aparecia alguém que os remediava, por isso, foi sempre considerado um verdadeiro exemplo a vivência entre as pessoas moradoras nesse já extinto bairro da Fábrica da Pólvora.
   Mas se custa a acreditar, quem conhece aquele espaço hoje, que ali pudesse viver alguém, a grande verdade é que apesar de termos conhecido uma centena de pessoas a habitar ali, ninguém vivia em barracas, a exemplo do que conhecemos em Paris, no chamado “bidonville”, pois toda a gente morava dentro de casa de alvenaria e não em barracas feitas com toscas madeiras e cobertas a chapa de bidões velhos, verdadeiros fornos no verão e geladeiras no Inverno.
   Eram casas, na sua grande maioria, construídas a tijolo, com divisões exteriores feitas em pedra tosca é certo, mas bem arranjadas, muitas possuindo até canteiros com alegres flores, mas os acessos, esses eram de facto horríveis, pois para lá da ponte metálica, o caminho era tosco, de pedra solta, tipo carril, onde uma pessoa custava a passar, mas era obrigatório enfrentá-lo, porque a meio ficava o chafariz, denominado “A Fonte dos Passarinhos”, água vinda de uma nascente existente a meio da montanha onde a passarada saciava a sede, que possuía sempre água fresca e como não havia ainda fornecimentos ao domicílios, era obrigatório consumi-la.
 Neste parco espaço ainda existiam locais destinados à agricultura, pois quase todas as famílias possuíam uma pequena horta, o grande sustentáculo das famílias, pois sempre colhiam anualmente legumes, base da alimentação de toda aquela pobre, mas feliz gente.
  A boa disposição era tal e a felicidade tão grande, que na época dos santos populares organizavam alegres festejos, onde não faltavam as quermesses, o bar com vinhos e bons petiscos, animados bailaricos, juntando dinheiro para mais tarde, poderem organizar excursões e foi assim que muitos conheceram grande parte do país, pois o Leonel Albino, que morava mesmo no cimo do bairro, numa bem arranjada moradia pertencente ao António Louro, organizava com mestria, pois nessa época podia considerar-se a pessoa com mais conhecimentos que ali vivia, qual chefe da “Clã Ferraria”, pese embora todos os restantes fossem pessoas habilitadas nos seus trabalhos, e ganhando parcos ordenados, mas suficientes para viverem regularmente com as suas pouco exigentes famílias.
   Nasceram no bairro, enquanto funcionou, dezenas de crianças que mais tarde acabaram por ocupar o lugar
Rua dos Polvoristas hoje completamente arranjada
 dos pais, mas a grande maioria zarpou para os lugares da freguesia, onde as casas eram diferentes, mais amplas e sobretudo reunindo melhores condições de vivência.
   No seio daquele bairro, fazendo fronteira com o ribeiro, existia a vivenda das “Pipis”, assim era conhecida por nela viver uma família composta por seis pessoas, sendo que duas das raparigas eram gémeas, sempre muito bem vestidas, e terem a particularidade de serem muito bonitas.
  Apesar de pertencerem a um estrato social superior, aquela família sempre se deu bem com os seus vizinhos, porta com porta, e como tal, quase utilizava o mesmo modelo de vivência, só que a quinta possuía grandes recursos e isso era fundamental para a comunidade e uma mais valia que muito ajudava quem vivia por ali perto.
  Também no outro lado do tosco caminho, existia a horta do António Louro que, pelo enorme espaço que ocupava junto ao ribeiro era um local onde todos os legumes se davam e o Louro, pessoa muito aberta, divertida e amiga dos seus vizinhos, repartia com todos parte dos produtos que ali criava, uma vez que o terreno era da Fábrica da Pólvora e ele apenas dava a sua mão de obra para poder criar toda a gama de legumes e frutos.
  Naquela época eram as hortas, as capoeiras com galinhas, coelhos e outros animais, como as vacas que o Eduardo do Albano chegou a criar, sustentadas com os restos de comida, que ajudavam aquelas famílias, pois até porcos ali se criaram e na altura da matança, fossem de quem fossem, havia sempre um naco de carne para distribuir irmãmente pelos vizinhos, amigos e sobretudo por aqueles que ajudavam a criá-los, nas suas horas de descanso. 
    Para dar apoio a toda esta gente, existia, mesmo construído quase no leito do ribeiro, uma casa feita em madeira, assente numa base sólida de betão, mas reunindo excelentes condições, que já vinha do tempo das guardas militares que ali funcionaram no início do século e que guardavam a Fábrica Militar, que mais tarde se transformaria num estabelecimento comercial.
  Após os militares deixarem a fábrica e a mesma ter passado a ser guardada por guardas criados pela própria unidade fabril, nomeadamente nos anos quarenta, aquele casarão foi transformado em casa de pasto, taberna e mercearia, alugada pela Rosa do General, casada com um homem que era pedreiro, e possuía aquela alcunha sem nunca ter sido militar, só que nutria muito jeito para o comércio.
    Era aquele espaço o local de encontro, principalmente
Rua dos Polvoristas tal qual como era antigamente, desenho de Fernando Silva
 dos homens, já que as mulheres, por vezes em recurso, abasteciam-se ali de alguns géneros, porque de resto forneciam-se nos lugares e mercearias das localidades vizinhas, como Tercena e Barcarena, muito especialmente na cooperativa do pessoal operário da Fábrica da Pólvora.
    E com estas benesses, a boa disposição de todos e sobretudo a grande unidade entre os moradores, fizeram daquele bairro um local de referência e um verdadeiro exemplo de como se pode viver feliz, com parcas condições, mas dotados de uma grande unidade, espírito altruísta e muito humanismo.
    As pessoas foram morrendo, outras melhorando as suas vidas, mudando-se para outras localidades com o passar dos anos e no início dos anos cinquenta o bairro já estava completamente transformado, com parte das casas demolidas até que em 1951, com a aquisição da fábrica por parte duma companhia belga, tudo ficou a degradar-se, acabando por vir a ser tudo destruído quando a Câmara Municipal de Oeiras, em 1988, adquiriu a Fabrica da Pólvora para a transformar num local de lazer e cultura destruído o velho casario que restava.
     Passaram a viver ali, apenas duas ou três famílias, cujas casas reuniam razoáveis condições e uma delas era mesmo propriedade de um empregado da Fábrica, mas os acessos pouco foram melhorados, até que hoje, com a aquisição por parte da Câmara Municipal de Oeiras de todo aquele espaço, 44 hectares, apenas existe as instalações da Universidade Atlântica e moradores, antigos funcionários da fábrica, apenas sabemos que duas famílias ainda ali habitam.
      Uma delas na rua dos Sargentos e a outra na antiga propriedade do António Louro, que apesar de todas as benesses e obras ali realizadas, continuam a ter acessos difíceis, não podendo ir até à porta de sua casa qualquer viatura, mas as pessoas continuam vivendo de forma alegre e em condições aceitáveis, com ambas as famílias, provavelmente a desconhecerem o quão importante foi aquele bairro social no início do século passado.
  Gente que hoje ignora completamente quantas alegrias e tristezas ali se passaram e novas vidas ali foram concebidas.
  Gente que apesar de lidar com a morte no seu dia a dia, vivia feliz, organizada e sem grandes problemas e atropelos sociais, pois bem entendiam que a vida naquele tempo, imposta injustamente à classe trabalhadora por António Oliveira Salazar era assim mesmo, pois se pretendiam viver sossegados mais uns anos e sobretudo auferirem o magro ordenado referente ao trabalho que produziam para o estado português, tiveram que organizar suas vidas nestes retrógrados moldes, calar a boca, tapar os olhos, aliás, atitudes bastante vulgares em quase todas as zonas do país.
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segunda-feira, 25 de junho de 2012

O IMPORTANTE TRILHO QUE LIGAVA
O LUGAR DO BICO AO CASAL DE CABANAS
     Antigamente havia muito caminho rural, por onde apenas passavam pessoas, animais e carroças ligeiras, para se poder alcançar certos locais nas serranias, ou nos campos de cultivo distantes dos respectivos casais agrícolas.
  Em Torcena, existia um trilho que levava as pessoas desde o lugar do Bico ao Casal de Cabanas, que começava mesmo junto ao ribeiro que atravessava aquela pequena povoação onde viviam pouco mais de meia centena de pessoas e passava mesmo ao lado do cerradinho onde os caçadores, por norma, descansavam para almoçar.
    O caminho iniciava-se na margem direita do ribeiro e serpenteando por entre os combros que separavam as terras de semeadura, com o seu piso tosco e irregular com pedras soltas, buracos, que dificultavam imenso quem se obrigava a caminhá-lo, atingia-se o casal, de onde partiam outros trilhos, para S. Miguel da Serra, Leião, Talaíde, S. Marcos, ou Cacém.
     Pouco mais que um quilómetro distava desde o Bico ao casal agrícola onde trabalhavam muitas pessoas, nomeadamente mulheres, as bem conhecidas macanitas, que ali eram colocadas sazonalmente para fazerem o seu trabalho ligado a cultura do trigo, pois iniciavam a tarefa em Abril, estendendo-se até finais de Junho, depois de participarem na ceifa e finalmente nas debulhas e arrumo dos cereais e palhas nos armazéns.
  O caminho era ladeado de abrunheiros, figueiras e muitos silvados, que no seu tempo davam os seus saborosos e cobiçados frutos, que eram a delícia da juventude da época pois muitos aproveitavam para com eles fazerem a sua refeição já que as dificuldades eram imensa naquele tempo.
    As negras amoras eram uma guloseima, os doces figos e os acinzentados medronhos, colocados em camadas envoltos em palha debaixo da terra, constituindo um verdadeiro tesouro dos rapazes, pois só eles é que sabiam onde eles se encontravam, para depois, quando estivessem maduros, os comerem regaladamente.
     O caminho acabava por ser bastante fértil, pois para além destes alimentos, ainda criava, nas suas acidentadas e densas margens, saborosas azedas, que o mulherio apanhava para confeccionarem uma saborosa e económica sopa, assim como os esverdeados espargos, que embora fossem bravos, eram uma delícia e um alimento extraordinário.
      Aqui e acolá encontravam-se zambujeiros, que apenas serviam para dar sombra e para pouso das muitas aves que por ali paravam, constituindo a grande tentação dos rapazes, que armavam ratoeiras junto aos combros para as apanhar, nomeadamente trigueirões, cotovias, pardais do mato, piscos, arvelas, pitinhas e tantos outras.
    Quando chegava a época da caça, aquele caminho era muito frequentado pelos caçadores, pois nos seus combros, que se elevavam junto das irregulares bermas do velho trilho, habitavam com frequência coelhos e então os cães, com os seus estridentes latidos tudo faziam para os retirar dos seus civis e solarengas camadas, acabando por se verificar uma grande azáfama, com os animais nervosos correndo de um lado para o outro.
     Os caçadores também logo de manhã partiam para os extensos campos de Cabanas em busca das perdizes, que por ali existiam em abundância, e no começo do inverno, a caça mais apetecível se tornava, devido às muitas espécies de migração que sempre aparecia naqueles ricos terrenos e a rapaziada escondia-se nos combros desse caminho, sempre na mira das perdizes para ver onde elas pousavam derreadas.
     Corriam atrás delas e apanhavam-nas, e por vezes, até faziam melhores caçadas que os próprios caçadores, o que era sempre motivo de grande chacota.
     A meio desse caminho empedrado que separava o Bico do casal, existia uma velha casa em ruínas, quase já não se percebendo que fora em tempos de alguém que ali morava, ou armazém agrícola.
     O seu interior estava repleto de negras pedras, o que dava a entender serem das paredes que, com o tempo ali se foram amontoando, contudo o arvoredo crescera desmedidamente dentro do velho edifício, mal se distinguindo já, as portas e as janelas, contudo, mesmo assim aquele casarão em adiantadíssimo estado de degradação, bem servia para habitat de uma família de raposas, que, pela calada da noite saía do seu esconderijo em busca de alimento e era o que não lhes faltava, porque as terras de Cabanas eram férteis na criação de outros animais roedores e não só, contudo os caçadores sabedores que as raposas paravam por ali, faziam-lhes de quando em quando esperas, no sentido de as matar, para poderem exibir esse precioso e valioso troféu, aproveitando-lhes a pele e nada mais.
      Os empregados do casal, para adquirirem os seus alimentos, obrigavam-se a passar por esses ruins caminhos para atingirem a aldeia de Torcena, onde se encontrava o reduzido comércio mas que tanto lhes valia, confrontando-se com todos estes aliciantes que o caminho lhes proporcionava, qual passeio vespertino a um lindo jardim, pois sempre colhiam azedas ou espargos e em certas alturas do ano, ao domingo, quando folgavam apanhavam caracóis para os seus particulares petiscos.
    As mulheres eram mais apreciadoras dos frutos silvestres e enchiam a barriga com eles, pois assim, quase ficavam alimentadas, escusando de gastar os seus reduzidos farnéis, pois as amoras, os figos e os medronhos eram um excelente complemento de sua fraca alimentação e era isso que muitas das vezes as matinha aconchegadas durante o trabalho, que por norma se efectuava de sol a sol.
   Quando atravessavam o ribeiro para atingirem a tenda do António da Rosa, ou a mercearia do Calmaria em Torcena, obrigavam-se a passar por cima das pedras que eram colocadas no leito do ribeiro, para se poder passar de um lado para o outro, mas muitas desequilibravam-se e obrigavam-se a molhar as botas só que isso não causava problemas, pois bem ao invés era sempre alvo de grande rizada por parte das que não tinham sido atingidas pela essa falta de destreza.
     Pedras que por vezes desapareciam, nas enxurradas que quase sempre surgiam em dias de grandes chuvadas e que de novo eram ali colocadas, porque o ribeiro portava sempre muita água.
   Mal sabiam aqueles seres derreados pelo duro trabalho quotidiano, que naquele local, seis séculos antes, fora o posto de trabalho de muita gente, pois era precisamente ali, naquela passagem do ribeiro, que nesse tempo se encontrava um dos muitos engenhos de fabrico de pólvoras, e que tantas explosões assistiram, matando gente que se obrigava a servir os seus patrões, como que escravos se tratassem metidos num degredo imundo e verdadeiramente perigoso.
  Só muito mais tarde, precisamente em 1729, é que os engenhos de fabrico de pólvoras foram retirados das margens do ribeiro, porque o rei D. João V, mandara vir da Suiça um técnico de fabrico de pólvoras, precisamente António Cremer, para criar definitivamente a Real Fábrica da Pólvora de Barcarena que acabaria por funcionar até finais dos anos oitenta do século XX.
   As mulheres nada dessas histórias sabiam, pois o seu rude trabalho, quase se comparava ao que ali se registara séculos antes, só que enquanto os outros morriam frequentemente atingidos pelas violentas explosões, as macanitas, morriam sim, mas devido aos maus tratos que levavam naquela vida dura de trabalho e da miséria que passavam por se alimentarem mal e também devido à dureza do serviço, levando-as a contrair tuberculose e acabando, igualmente, por encontrarem a morte.
    Felizmente nem todas foram alvo dessa enfermidade, e hoje muitas ainda sentem uma grande felicidade, regendo-se, felizmente, por um estatuto social bem diferente, lembrando ainda com saudade o trilho que as levava do Bico ao casal de Cabanas, onde parecia que tudo havia, desde a alegria, à diversão, não faltando o natural alimento.
     Hoje esse caminho desaparecera por completo, devido à grande expansão urbanística que atingira aquela área, os trigais ondulados desapareceram, o seu verde viço deixou de se ver, as perdizes, os coelhos e as raposas extinguiram-se por completo e o velho trilho apenas é recordado pelos saudosistas.
     É lembrado por essa gente de trabalho, que endurecera os seus calejados pés e mãos ao atravessá-lo e ao desbravá-lo por vezes, onde nas suas margens tanta vez se acostaram para descansar um pouco, ou ver os caçadores no seu giro de caça, atentos ao voar da passarada, que era, sem sombra de dúvidas, um aliciante enorme para a juventude.
   Jovens que ocupavam os seus tempos livres em busca das enguias e dos barbos que abundavam mesmo junto a esses seixos e pedras de passagem no ribeiro e que, também constituíam agradáveis e profícuas refeições, sentindo hoje uma grande felicidade ao recordarem esses tempos que foram sem dúvida muito difíceis, mas consolados por esses anos já se terem passado.
   Hoje a vida é completamente diferente, mas naquele tempo era mais pura, mais salutar, sobretudo quando se encontravam no seio da natureza, pródiga, saudável, bravia mas sem sombra de dúvidas bem mais trabalhosa e produtiva e as pedras irregulares do velho trilho que os levava a Cabanas e que lhes deixara marcas irreparáveis, hoje apenas é lembrado porque foi nele que muita das vezes saciaram a fome, já que outra comida não havia, ou era muito escassa.
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quinta-feira, 14 de junho de 2012

OS ARRAIAIS DE SANTO ANTÓNIO
 JÁ NÃO SÃO COMO ERAM
  Quando em Tercena se fala em Santo António, vem-nos à memória saudosos tempos em que esse dia era passado com bastante alegria.
      É verdade que não havia procissões, porque a igreja estava fechada, mas aos jovens movimentavam-se e organizavam as suas festas em honra do padroeiro da terra, em moldes modestos é certo, mas vivos, cheios de animação e sobretudo com um cariz social muito importante.
  Nos princípios do século passado havia mesmo um grupo de pessoas lideradas por uma grande carola chamada Estefânia Antunes que organizava as festas de Santo António, pese embora sabedores que a sua igreja estava profanada por alguém se ter apoderado de parte dos azulejos do altar em que mostravam a vida do santo, mas a verdade é que no adro, sempre bem limpo e arranjado, preparava-se a quermesse, o bar e o bailarico não faltava, com a igreja aberta para toda a gente a visitar e nesse dia sem os materiais de construção, palhas e capoeiras de animais como sempre se encontrava depois de ter sido profanada.
 As festas deixaram-se de fazer junto àquele templo construído por D. João V, em 1742, devido ao forte vento que sempre soprava nessa altura e tudo destruía, a ponto de desanimar as pessoas pois o trabalho havido, no dia da festa destruía todas as intenções das organizações e até por vezes retirava gente à festa, por se sentirem incomodadas com o ambiente que a natureza impunha naturalmente.
   Mais tarde, no final dos anos quarenta, voltaram a ser organizadas mas de forma mais simples, pois as crianças mobilizavam-se conjuntamente com os seus pais e no largo da colectividade então já existente organizavam-se os festejos abrilhantados com música da telefonia, não faltando os petiscos e as tão tradicionais fogueiras para a queima das alcachofras.


   Mas as pessoas eram tão unidas que com os lucros da festa compravam coisas para oferecerem à sua colectividade, como aconteceu num ano, uma bandeira, no seguinte um guarda-vento para a entrada da colectividade e no outro uma biblioteca carregada de livros.
  Obra social efectuada por crianças de dez e quinze anos que era sempre louvada pelos autarcas de Oeiras em dia de aniversário.
   Os festejos tiveram alguns anos que não se organizaram mas as direcções mais dinâmicas do Grupo Recreativo de Tercena de quando em quando lembravam-se de organizar os festejos, até que num deles juntaram-se de parceria com a comissão da igreja e a festa já teve um cariz diferente, pois possuía a componente religiosa e a profana, mas as pessoas desentenderam-se e passado dois ou três anos, cada um foi para seu lado.
    Presentemente as festas são organizadas com um cariz mais comercial, pois o Grupo Recreativo de Tercena, apenas pensa nos bailes e tirar proventos dos mesmos, colocando um conjunto a tocar e mesas onde se servem sardinhas, outros petiscos e pouco mais, enquanto que a igreja leva a efeito a sua procissão e organiza um singelo convívio entre os seus paroquianos e por aqui se fica, sem grandes atractivos, sem grandes resultados, sem afinal aquele sentimento social organizativo como antigamente, criar os festejos com verdadeiras intenções lúdicas recreativas e sociais, fazendo divertir o povo mas com os resultados a traduzirem-se por algo de interesse para a sociedade.
 Presentemente até são escolhidas as datas dos festejos, sendo preferencialmente as 6ªs e sábados, quando antigamente os festejos eram efectuados nas vésperas e dias dos santos, ou seja, 12 e 13 Santo António, 23 e 24 S. João e 28 e 29 S. Pedro, e as pessoas compareciam em massa, porque sabiam que de facto era nesses dias que as festas eram obrigatórias e legítimas.
  As pessoas estão desligadas uma das outras e como tal as organizações são destituídas de verdadeiras cabeças, sem os autênticos carolas que sabem organizar uma festa, porque o que interessa são os resultados materialistas, pondo-se de parte a componente mais importante, que sem dúvida é a religiosa, pese embora muitos que organizavam estes festejos nem sequer fossem praticantes do catolicismo, mas colaboravam no sentido de dotar a localidade com uma festa alegre, atractiva e demarcante, em redor do seu patrono, como aliás constatamos em outros locais do país.
 Assim, cada um para seu lado, nada se consegue fazer de grandioso, quando afinal se analisarmos bem as estruturas existentes em Tercena, vamos encontrar organismos competentes com valências e gente capacitada e criativa, dotada de recursos e ideias para se fazer em unidade.
     Todos de mãos dadas poderiam fazer uma grande festa que fizesse inveja aos demais, mas as birras, as divergências, as antipatias e sobretudo as reservas existentes entre algumas pessoas têm contribuído bastante para que de ano para ano estas iniciativas tradicionais da nossa terra se vão perdendo e demais que a localidade cada vez mais se vai enchendo de gentes oriundas de outras culturas e etnias que nada sabem sobre Tercena e suas ancestrais tradições e como tal, pouco se interessem por esse salutares e saudosos eventos que desde sempre aqui se organizaram sendo os santos populares os que mais evidência possuíam.
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quarta-feira, 6 de junho de 2012

A FALTA DE ESTRUTURAS
 NA FREGUESIA, É UMA DAS RAZÕES DA FRAQUEZA DESPORTIVA NA AUTARQUIA BARCARENENSE
      O Desporto em Barcarena esteve sempre desde os primeiros anos do século passado bastante apagado, pois nunca encontrou instalações próprias para ser praticado, assim como da parte dos autarcas locais jamais encontrou grandes vontades, pois mesmo nos nossos dias, é uma freguesia que nunca possuiu qualquer estrutura para se poder praticar fosse o que fosse.
    O Futebol foi sempre a modalidade mais desejada, pese embora o Grupo Recreativo de Tercena, fundado em 1928, tivesse tido equipas que jogavam futebol mas praticavam-no em campos de fora da terra, como o Estádio 1º de Maio em Lisboa, Grupo Desportivo de Queluz e em outras estruturas da periferia, obrigando-se ao pagamento de alugueres de campo e outras despesas.
  O futebol começou a ser jogado em Tercena no seu primeiro campo adaptado, que ficava paralelo à Av. de Santo António, pois uma das balizas situava-se onde se encontra hoje o começo da Av. Infante D. Henrique, local onde mais tarde viria a instalar-se o Restaurante Pico do Arieiro e ia até quase à Travessa 5 de Outubro.
    Este campo perdurou durante alguns anos, quando o Grupo Recreativo de Tercena se fundou, mas depois teve de ser abandonado, porque os terrenos eram de agricultura e mais tarde então, acabariam por se encher de prédios como se verifica ainda hoje.
    Desaparecido este espaço desportivo, que diziam os antigos ser já muito aceitável, apareceu a Fábrica da Pólvora com uma equipa de futebol que fazia jogos particulares com outras fábricas congéneres e um dos campos que ficou famoso, construído em Tercena para as comemorações dos 400 anos da Fábrica foi o que se concebeu ao lado da estrada da Cruz dos Cavalinhos.
     Registou-se lá um encontro de futebol entre a equipa de Barcarena com a formação de Chelas, no dia 7 de Julho de 1940, quando a Fábrica completou o seu quarto centenário da sua existência e nessa efeméride famosa, foi organizada uma grande festa, que decorreu na Quinta de Nossa Senhora da Conceição em Barcarena, mas o jogo de futebol teve lugar no novo campo em Tercena, preparado pelos próprios jogadores e outros operários da Fábrica, junto à Quinta da Batateira na Cruz dos Cavalinhos, onde existe hoje uma casa pequena, quase colada ao ribeiro que ali passa.
  Era aí que a equipa da fábrica jogava que acabaria por dar oportunidade a outros grupos improvisados aproveitando aquele espaço arranjado, com balizas oficiais e marcações no terreno para efectuarem os seus encontros particulares, mas nunca ninguém se aventurou a fundar um grupo que praticasse a modalidade oficialmente, pois se tivesse havido era bem provável que esse campo ainda hoje existisse com todas as condições exigidas para a prática do futebol, uma vez que ele ainda existe livre e sem nunca ter registado grandes sementeiras.
     O campo esteve ali durante alguns anos, mas depois acabaria por ser anulado, por os donos da propriedade precisarem daquele terreno para completarem as suas searas, pertencentes ao proprietário do casal do Álvaro da Pinta, situado um pouco mais acima, junto à Quinta do Sobreiro.
   A partir dessa data nunca mais conhecemos nenhum campo oficial em Tercena, pois o que apenas existiu foram espaços que remediavam, sem possuírem as medidas exigidas, como foi o espaço junto à Quinta do Filinto, inclinado, e pouco nivelado, na área de jogo, que era utilizado pelos jovens para se entreterem a jogar o futebol ao domingo.
  Antes porém, também a eira do António Guizo que serviu para se jogar o futebol depois das debulhas, e o pessoal da Fábrica da Pólvora que mantinha a sua equipa de futebol treinava ali, mas o espaço apenas possuía metade das dimensões de um campo oficial, servindo somente para os jovens treinarem.
  Também, nesta luta por um espaço para se praticar futebol na terra, surgiu um outro, no lugar do Bico junto às velhas instalações da “Cartucheira”, que mais tarde viria a ser ocupado pela Fábrica da Pólvora, mas também de dimensões reduzidas mas que ia servindo para os jovens se divertirem e treinarem.  
   Criou-se mais tarde um espaço para se jogar o futebol junto ao Grupo Recreativo de Tercena, que anos mais tarde viria a ser adaptado pela Câmara Municipal para o Futsal e onde ainda hoje se joga, mas sem se poder praticar a modalidade oficialmente.
   Mas se as instalações para o futebol escasseavam e acabariam por nunca aparecer até aos dias de hoje, não só em Tercena como em toda a área da freguesia, os clubes que se formavam, no sentido de um dia virem a adquiri um espaço, para o desporto rei do nosso país, viriam a desistir, porque ele jamais aparecera até aos dias de hoje.
  O Grupo Recreativo de Tercena lutou por esse espaço vários anos, mas os seus apelos, as sua insistências recebiam apenas promessas, só que elas nunca se converteram positivamente nem convenceram ninguém, nem sequer os autarcas de Barcarena quanto mais os vereadores da Câmara Municipal de Oeiras, que fizeram sempre ouvidos moucos aos apelos e solicitações dos clubes, nunca dando importância à freguesia de Barcarena, quanto mais a Tercena.
    Este incompreensível desprezo obrigou a criarem-se outras modalidades, como o ténis de mesa e depois os estatutos da colectividade de Tercena não permitiam a prática desportiva, no entanto em 1959, um grupo de jovens interpelou a Assembleia Geral da colectividade e conseguiu milagrosamente uma alteração dos seus estatutos que então já permitia o Grupo praticar desporto.
  Bem se opuseram nesse dia, Filinto Silva, Américo de Carvalho, Alberto Silva e outros, gente já de idade e que apenas reconhecia no Grupo Recreativo de Tercena actividades de índole cultural, mas os jovens conseguiram a maioria e obtiveram o sim.
   Mas mesmo com essa vantagem, nunca foram mais além, pois o que conseguiram foi formar grupos de jovens para praticarem a modalidade mas a nível da Inatel e ainda chegaram a fazer alguma figura mas foi actividade que pouco tempo durou, pois entretanto o futsal apareceu e parecia trazer maior apetência para os jovens, uma vez que já existia um espaço minimamente preparado para se praticar se jogar a nível oficial, já que o futebol de onze obrigava a grandes deslocações e uma maior despesa.
  Inscreveram-se várias equipas jovens e assim tem funcionado até aos dias de hoje, pese embora em determinada altura, quando o polivalente ficou preparado com as mínimas condições a Associação de Futebol de Lisboa determinou que a modalidade só podia ser praticada a nível oficial em pavilhões cobertos e logo o GRT perdeu o entusiasmo mas continuando com as camadas jovens, o que ainda hoje se verifica.
  Muito antes existiram grupos de jovens que tentaram criar uma outra colectividade que se dedicasse exclusivamente ao desporto, uma vez que o Grupo Recreativo, entregue a preconceitos retrógrados e princípios estatutários, não permitiam essas actividades, tendo-se criado em 1957, o Sport Clube de Tercena, que parecia ir avante pois chegou a reunir mais de cem associados, com sede própria e com corpos gerentes.
  O novo grupo reunia no largo 5 de Outubro numa propriedade do António Barbosa mas mais tarde houve necessidade de mudança e o Grupo passou a utilizar como sede um espaço comercial na Av. de Santo António, mas pouco tempo duraria, por não haver força associativa e depois, a pressão criada pelos antigos sócios do Grupo Recreativo de Tercena mais acelerou e acabou por fazer desistir os mentores desse agrupamento, que chegou a organizar uma grande festa em Tercena de parceria com a colectividade principal de Tercena.
    No final dos anos oitenta voltou a surgir a ideia de uma nova colectividade dedicada ao desporto, que ainda recebeu o nome de Associação Desportiva de Tercena, funcionando nas instalações da Quinta do Filinto, a empréstimo do seu proprietário, mas pouco tempo durou, havendo depois a mudança de ideia, dando-se preferência a uma associação cultural que ainda hoje funciona e com grande êxito.
   O Grupo Recreativo de Tercena labutou sempre por conseguir um terreno para a prática do futebol, mas nunca foram ouvidas as suas preces, assim acontecendo com outros grupos da freguesia de Barcarena que tinham futebol mas obrigando-se também a jogar em campos alugados, como aconteceu com o Grupo Desportivo de Barcarena que se iniciou num campo improvisado por detrás do edifício da Junta de Freguesia, mas não tendo praticamente qualquer utilidade.
      O Valejas Atlético Clube, os “Fixes” de Queluz de Baixo e a SERUL de Leceia, também pensaram no futebol de onze mas acabaram rendidos à verdade nua e crua, pois não havia onde jogar dentro das suas localidades.
   Por essas mesmas razões todas as colectividades da freguesia de Barcarena dedicadas as desporto têm as suas actividades desportivas, mas o futebol não é praticado, talvez a modalidade mais apetecida, no entanto a falta de um recinto para tal tem inibido esta freguesia de manter um grupo em competição em jogos oficiais e por isso mesmo se dedicam a outras modalidades que se praticam em outros recintos, como o futsal, o atletismo, o cicloturismo, o ténis de mesa entre outras.
   Esta antiga contrariedade por parte da autarquia municipal à modalidade rainha do nosso país, tem sido muito prejudicial para os jovens desta freguesia, pois bem poderia já existir um campo de futebol, pois se houvesse talvez não tivesse morrido tanto jovem na freguesia agarrado à droga, pois não conseguimos entender quais as razões de tal, já que a grande verdade é que o desporto da freguesia de Barcarena não possui qualquer cotação, pois apenas no atletismo tem feito alguns progressos através do Grupo Desportivo ”Os Fixes” de Queluz de Baixo, o Futsal pela SERUL de Leceia, Valejas Atlético Clube e Grupo Recreativo de Tercena e “Fixes” de Queluz de Baixo, já que o Grupo Desportivo de Barcarena, face ao desinteresse e  falta de optimismo das suas direcções, se deixou arrefecer com o desporto, pois apenas mantém a sua equipa de cicloturismo e nada mais.
     São cinco as colectividades da Freguesia que praticam desporto, uma em cada localidade, mas o que se faz é tão pouco que nem sequer é falado nos jornais do concelho, quanto mais a nível nacional, e isto porque os sucessivos executivos da Câmara Municipal de Oeiras, nunca se preocuparam em dotar a freguesia de Barcarena com os espaços respectivos para a prática do desporto, pois sem um campo de futebol, ou um pavilhão nada se pode praticar restando apenas uma piscina, mas que pratica apenas manutenção e assistência social a doentes, possuindo apenas e desde sempre, as estradas da freguesia disponíveis para a prática do atletismo e pouco mais.
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