sábado, 20 de outubro de 2012

Fernando Silva queixa-se de falta de reconhecimento

OS DESABAFOS DE FERNANDO SILVA
NO SEU ÚLTIMO QUARTEL DE VIDA
      Está na hora de falar, de dizer as coisas como elas aconteceram e afinal desabafar o que lhe vai na alma, passados que foram todos estes anos, mais de meio século e nunca ter passado da base da escada da vida, nem sequer ter pisado a estrada poeirenta que o poderia conduzir ao local que sempre tanto desejara atingir.
    Fernando Silva foi sempre um homem dinâmico, empreendedor, investidor, criativo e sobretudo dotado de um espírito inigualável a vários níveis.
   Daí que logo aos dezanove anos, idade de pensar somente em raparigas, arranjar os seus namoricos, frequentar bailaricos, se ter dedicado de alma e coração ao teatro amador na sua colectividade, o Grupo Recreativo de Tercena.
     Ali aprendeu a andar pelas mãos de sua amiga Rosa do Grupo, qual escrava das pessoas desta terra, ali estudou e tirou a instrução primária, foi naquela casa que aprendeu a dançar, arranjou namoro com a mulher que viria a ser sua esposa, casando com ela naquela colectividade, o que não aconteceu com mais ninguém até aos dias de hoje, ali se lançou como amador de teatro, quer representando, quer ensaiando e até como autor dramaturgo.
   Perante tanta e variada actividade desenvolvida naquela casa era natural que outras iniciativas tivesse criado, o que mais ninguém se atrevera, como por exemplo as grandes festas de rua, que duravam por vezes quinze dias
    O homem que nos anos setenta do século passado quase por sua própria iniciativa trocou o espaço que fora até ali uma escola primária, num belo e agradável cinema, onde passava semanalmente sete sessões de filmes e sempre com público a assistir.
    Utopia ?...Não !...Não é utopia,  são realidades que muitas pessoas desconhecem por não terem vivido esses tempos  nesta terra, e ele   com tanto ardor, com tanta vontade de fazer crescer  Tercena, torná-la conhecida no mundo, ali se esforçou para que  o G.R.T. fosse dotado de um cinema e assim conseguiu, trazendo filmes que quase passavam simultaneamente na capital e isto graças ao seu estilo empreendedor, ao seu espírito aventureiro e francamente, porque não, aos seus  grandes conhecimentos.
    Não foi só isto que Fernando Silva construiu, pois lançou-se profissionalmente num grande empreendimento criando um restaurante em Tercena que, passados uns anos, depois de ter trabalhado numa simples casa de chão térreo e sem condições, se transformou num mega restaurante típico da ilha da Madeira que comportava setecentos e cinquenta lugares sentados, recebendo gente de todo o mundo e que acabaria por dar definitivamente a conhecer o nome desta terra.
    O grande “Pico do Arieiro”, assim se chamava, era de tal ordem conhecido, que as pessoas em Lisboa e em outros lugares do país, quando falavam de Tercena diziam ignorar onde ficava, mas logo que lhes falassem no “Pico do Arieiro”, toda a gente localizava a localidade.
    O “Pico do Arieiro” que era uma espécie de “rendez vous” dos lisboetas, fora de portas, era frequentado por grande parte do turismo que passava por Lisboa uma vez que ele tinha publicidade em quase todas as companhias de aviação, nos estádios de futebol da 1ª divisão e anunciado nos melhores programas da rádio, como “Os Parodiantes de Lisboa” com emissões directas da sua sala de fados por onde passaram quase todos os artistas que estavam no Top nessa época.
    Esta casa foi demasiado grande e só acabaria por fechar devido a uma grande crise nos anos oitenta à semelhança da que neste momento os portugueses estão a atravessar.
   A par disto, em 1975, Fernando Silva abalançou-se a fundar dois jornais. Primeiro, o “Pico do Arieiro Informativo” que anos depois se transformaria na “A Voz de Torcena” e ainda um outro dedicado às actividades folclórica “A Voz do Folclore” pois, se este acabaria seis anos depois, o mais antigo, perdura ainda nos dias de hoje, 38 anos passados e sem nunca ter sido interrompido.
  Ainda não satisfeito, este grande investidor e criador, em 1990 fundou um rancho folclórico, que logo de início começou a ser bastante conhecido e preferido e vinte e dois anos depois, “As Macanitas”de Tercena, assim se chama o agrupamento, ainda desenvolve a sua actividade orgulhando-se de um enorme palmarés, pois já visitou oito das onze ilhas do nosso país tendo representado mais de três dezenas de vezes nos nossos arquipélagos. Já esteve em Espanha por seis vezes, já foi ao Brasil e recentemente à Áustria, recebendo agora imensos convites para o estrangeiro que só não são aceites devido às exigências da Troika que se instalou em Portugal, obrigando as autarquias e a sociedade em geral a não contribuírem monetariamente para que pudesse cumprir essas solicitações.
    Em todas estas criações, em todo os quase vinte anos que serviu o “Pico do Arieiro”, os trinta e oito anos de publicações do jornal “A Voz de Torcena”, com as duas décadas de deslocações do grupo de folclore, atrevemo-nos a perguntar sem dúvida de uma resposta unânime, quem foi o homem em Tercena que mais desenvolveu a terra, que mais longe levou o seu nome fora de portas e que, obviamente, acabou por trazer mais gente a ela ?...
   Quem?...
    Talvez seja por tudo isto, toda esta desinteressada luta travada no decorrer dos anos, as amarguras, as dificuldades, os espinhos encontrados mas superados, que muitos desta terra nutram alguma inveja, uma vez que ainda hoje se atrevam a criticar a sua acção e a sua vasta obra literária amadora, sobretudo as próprias autarquias ignorarem o seu valor cultural, a sua grande e inegável dedicação a Tercena.
   A par de tudo isto acresce ainda o valor humano que lhe deve ser atribuído pelo seu espírito altruísta que sempre esteve com ele e sua esposa ao recolher debaixo das telha de sua sempre modesta casa, inúmeras pessoas a quem chamou a si a responsabilidade de vida e encaminhando outras a bons lugares na vida e até proporcionar a reforma a muitas delas, algumas, por muito incrível que pareça a auferirem reformas mais elevadas que ele próprio e sua esposa, que tantos anos tiveram a descontar para a Segurança Social.
    Recebeu ligeiros reconhecimentos nos seus últimos anos de vida mas nenhum deles o deixou realizado, embora ele não pense nisso, pois o que ele mais desejaria e infelizmente nunca o conseguiu, foi depois de tanto trabalho desenvolvido, tantas palavras ter escrito com a autoria e encenação de mais de meia centena de peças de teatro, tanto livro ter concebido e tanta reportagem jornalística ter feito, nunca ter dado o passo que o guindasse ao profissionalismo como sempre desejou e para tal bastante trabalhou.
     Vai morrer sem nunca ter conhecido o verdadeiro êxito e as suas obras certamente irão ser esquecidas por, mudança radical das ancestrais tecnologias e ainda, porque não, a grande falta de reconhecimento da sociedade injusta, ingrata, maldosa como ele próprio classifica, porque por muito menos, mas mesmo muito menos, outros nomes se ergueram e sem desenvolverem o que este homem conseguiu desinteressadamente ao longo da sua atribulada vida, e a grande utilidade que sempre teve no campo social, no campo literário amador, deixando uma vasta obra escrita que foi, nem mais nem menos, o levantamento e recolha rigorosos da vida de um povo desde os mais tenros anos do século passado, desnudando os seus usos, os costumes, as tradições desta gente pobre e humilde que com ele conviveu e sem nunca merecer o justo valor por parte de quem de direito.
    São estas injustiças que levam muita gente a ficar quieta, sentada no banco dos reformados, a recolher a sua casas e calçar as pantufas, prostrados pachorrentamente diante da televisão, passeando desinteressadamente sobre os assuntos da sua terra sem lhes dar a mínima importância.
     Mais não fazem, uns porque francamente não sabem, outros, porque se dedicaram a si próprios, preferindo enriquecer o seu espólio e biribando-se para estas “ninharias” que, segundo eles, erradamente afirmam, não interessarem a ninguém.
    Esta é a verdade que assiste a Fernando Silva, hoje com 74 anos de idade e prostrado, pela lei da vida, na sua modesta casa, limitando-se a seguir em frente como que se estivesse ainda a começar, mirando triste, é certo, a sua rectaguarda, mas tentando não perder o ânimo que sempre teve, desnudar novas histórias, escrevendo as ocorrências do dia a dia, mas não vendo o seu trabalho compensado condignamente, porque nunca houve alguém que o ajudasse no último passo a dar, ou seja subir o degrau que o deveria ter levado ao cimo da escada e afinal nunca passou, ingratamente, da sua base, ou colocado pela mão amiga de alguém, na verdadeira estrada do êxito, nem que ela fosse apenas a mais poeirenta.
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1 comentário:

  1. Li este artigo e entendi as razões do Sr. Fernando Silva,porque na realidade ele tem feito bastante por Tercena e não tem mercido o reconhecimento que lhe deveria ser atribuído.
    João Catarino

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