quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O tradicional Carnaval mudou bastante

COMO ERA NO PASSADO E COMO É HOJE

     Não tem ponto de comparação o Carnaval de antigamente, nomeadamente na primeira metade do século passado, onde toda a gente se divertia, por muito pouco dinheiro e ninguém levava a mal as brincadeiras de que eram alvo, com o que hoje assistimos.
  Em Tercena e estendendo-se a quase todos os lugares da freguesia, os bailes imperavam, começando no sábado e só terminando na 3ª feira de madrugada e mesmo assim, ficava uma saudade que só passado muito tempo era recomposta.
    Os bailes animavam todas as pessoas do lugar, pois muito poucas ficavam em casa e não se divertiam, e depois haviam as colectividades que se dedicavam ao teatro, como acontecia com Tercena, Barcarena, Leceia e Queluz de Baixo, que nesse dia apareciam sempre com uma comédia e um acto de variedades, este, sempre dedicado aos locais com piadas que muito divertiam o povo.
    Raramente alguém se insurgia sobre as piadas recebidas, pois toda a gente as escutava de bom grado e isso era sempre muito salutar, pois havia um grande entendimento entre as famílias.
  Sabia-se com quem não se podia parodiar e isso era respeitado, porque era necessário não haver desentendimentos, porque as pessoas do lugar eram todas conhecidas, a maioria pertencente a meia dúzia de famílias e portanto era necessário haver um excelente relacionamento.
     Apareciam ao domingo e no dia de Entrudo as cegadas, vindas de todos os lados do concelho, mas as mais interessantes eram as de Queijas, onde o José Pablo, guarda da Fábrica da Pólvora, era um grande amante.
    Também o Jesus Gouveia aparecia com os seus trabalhos cénicos, quase sempre ligados à política do Estado Novo e aí sim, já eram necessários cuidados redobrados e como tal para as mesmas se exibirem no seio da colectividade, teria de ficar um homem à porta e outros dois à entrada da localidade, para, em caso de aparecer alguém estranho, avisarem imediatamente quem representava.
   Jesus Gouveia era um perito nesses espectáculos, e logo que recebia o sinal de perigo à vista, o texto transformava-se imediatamente e então já podia ser visto por toda a gente, mas quando havia luz verde, as críticas ao governo de Salazar eram emitidas e o povo gostava de ouvir, pois andava "algemado", explorado e isso dava-lhe um grande consolo.
    O Carnaval em Tercena começava por norma no dia de S. Vicente, pois era o dia em que as pessoas diziam umas para as outras sem se melindrarem, “dia de S. Vicente levas o cagalhão no dente”.
  As pulhas começavam a surgir, os telefonemas anónimos também e toda a gente brincava sem desconfiar de ninguém.
   Em Leceia, os mais atrevidos vinham para a curva de João Mores, onde hoje fica o “Povoado Neolítico”, com enormes búzios na boca, a atirarem pulhas para o povo de Barcarena e algumas delas eram mesmo muito atrevidas, ofensivas, que causavam por vezes mal estar, só que passado o Carnaval, tudo passava, mas na altura se acaso fossem descobertos os que as diziam, o caso tinha graves consequências, pois muitas delas eram mesmo coisas verdadeiras, casos de infidelidade, roubos e outras questões que só em segredo corriam de boca em boca.
    No dia de Carnaval e no domingo gordo, organizavam-se os desfiles de mascarados, com os reis de Carnaval bem vestidos, que eram levados para a estação de caminho de ferro de Queluz, viajando de comboio até Barcarena e aí eram recebidos pelo povo, onde se encontrava a camioneta da Fábrica da Pólvora decorada a rigor, com o trono para os mesmos se sentarem e eram conduzidos e passeados pelas ruas da localidade até à colectividade com um ambiente decorativo de grande classe, que o cangalheiro da terra, o Costa Ramos, arranjava sempre e com muita qualidade e aparato.
     Em 1961 organizou-se um grande corso com vinte e dois carros alegóricos, decorados com requinte e a festa foi enorme, pois o desfile arrastou centenas de pessoas e chamou a Tercena muitos forasteiros para verem o trabalho dos jovens do Grupo Recreativo de Tercena.
   Durante a semana antes do Carnaval, as raparigas do lugar faziam esperas aos rapazes quando estes saíam da Fábrica da Pólvora, nomeadamente os escriturários que iam a caminho da estação de caminho de ferro e mascarravam-nos, punham-lhe farinha, deitavam água para cima deles, e nunca por nunca alguém se melindrava, porque depois da paródia vinha o momento sério e logo limpavam as roupas para que os mesmos seguissem o seu caminho para casa, pois alguns moravam na capital.
   Quando chegava a noite havia sempre grupos de pessoas que pela escuridão aproximavam-se da casa de gente conhecida e deitavam com estridência grandes quantidades de cacos que eram guardados religiosamente durante o ano para que no Carnaval fossem utilizados e aquele barulho produzido à porta de cada um, causava sempre grandes sustos, mas as pessoas bem sabiam que se tratava de brincadeiras de Carnaval.
   As pessoas nesse tempo tinham o hábito de deixar as chaves de suas casas nas portas e no Carnaval, aqueles que se descuidassem com tal, quando regressavam do trabalho viam as suas modestas mobílias expostas no meio da rua, com cartazes dizendo: “vende-se pela melhor oferta”, “foi para a rua porque não pagou a renda” e outros slogans que, eram recebidos com um sorriso nos lábios, porque de seguida toda a gente ajudava a recompor o lar daquele que tinha sido martirizado.
   O Carnaval era assim brincado, e nunca por nunca alguém levava a mal qualquer destas brincadeiras, pois o povo era unido, sabia que na política não se podia meter e então divertia-se desta maneira, o que francamente hoje não acontece, pois está morto e o que se vê ainda, são os desfiles de crianças das escolas, e os corsos realizados, visando grandes lucros, onde se critica a falta de imaginação das organizações por imitarem os brasileiros, com gente despida, sem respeito pelo próximo, entre muitas outras coisas que não deveriam ser empregues, apesar de estarmos no Carnaval.
   Estas iniciativas provocam indiscutivelmente os mais vulneráveis, e por isso são bastante atractivos chamando muito público, à excepção do Grande Corso que se realiza em Torres Vedras que desde sempre foi considerado o Carnaval mais português, por utilizar só gente deste país e não cair na tentação e no atractivo do nudismo, tratando-se pois um verdadeiro exemplo do que antigamente se fazia, embora de forma mais enriquecida, sem ter que pagar “cachets” elevados a artistas brasileiros para serem os reis de Carnaval.
  As brincadeiras de outros tempos são hoje impensáveis, pois quem se atrevesse a tal, certamente corria o risco de ser abatido de imediato com um tiro, ou selvaticamente agredido e depois, com todas as crises, com as exigências que a sociedade de ano para ano vai sofrendo, o Carnaval será mais uma festa tradicional portuguesa a acabar e este ano isso quase aconteceu com a ideia do governo ter determinado não dar tolerância de ponto aos funcionários, só que, o “Zé Povinho”, desrespeitou as ordens governamentais e muito poucas foram as empresas que tiveram os seus comércios ou indústrias abertos.
  Assim deram-se por felizes os organizadores de corsos e festas populares mais modestas, porque até o S. Pedro deu uma ajuda importantíssima, mandando “cá para baixo” um excelente tempo com uma temperatura bastante agradável e toda a gente se divertiu e levou a cabo as suas mega iniciativas.
&&&

Sem comentários:

Enviar um comentário