quarta-feira, 11 de julho de 2012

MANUEL VAZ E O ANALFABETISMO NA FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA
    Tem-se falado muito pouco do professor Manuel Vaz, patrono da Escola Primária de Barcarena, que de momento foi extinta, por falta de alunos, facto que nos deixa admirados uma vez que a sede da freguesia tem vindo a aumentar o número de habitantes de ano para ano.
    No entanto Manuel Vaz, não foi pelo facto de ter dado o seu nome à Escola Primária de Barcarena, onde durante tantos anos deu aulas, que perdera o seu prestígio, como pessoa, oficial de registo na freguesia de Barcarena e professor.
     Manuel Vaz foi aluno da Casa Pia onde estudou e mais tarde ali ministrou aulas, sendo mesmo considerado um grande mestre casapiano, tendo ainda o mérito de transformar analfabetos em pessoas letradas que acabariam por sentir melhorias em suas vidas, graças à sua profícua e pedagógica acção.
  O professor nos anos quarenta do século passado, deu aulas a uma série de trabalhadores da Fábrica da Pólvora de Barcarena, gente com mais de trinta e quarenta anos de idade, pois nesse tempo a escola não era obrigatória e muitos até nem a frequentavam porque se obrigavam a trabalhar no duro campo desde muito novos, pagos sempre com magros salários, ou então na Fábrica da Pólvora que, para admitir gente para o seu serviço laboral não exigia escolaridade a ninguém depois do início da segunda Guerra Mundial.
   Assim apareceu uma série de empregados que nunca tinha andado na escola, mas no entanto nos seus serviço de polvoristas não passavam da categoria de serventes, porque na realidade para ascenderem a outros postos, como ajudantes ou mesmo operários, obrigavam-se, pelo menos a saber ler e escrever e a grande maioria não estava habilitada, daí que era mesmo impossível ganharem mais dinheiro, muito embora fossem reconhecidos pelos mestres terem habilitações profissionais para poderem subir de posto.
     Foi por estas razões que Filinto Silva, grande defensor do operariado barcarenense, compreendeu essa dificuldade nos seus amigos e indefesos trabalhadores, pois diariamente era assediado pelos empregados, para os informar o que deveriam fazer para poderem subir de posto na fábrica, uma vez que, alguns até já exerciam serviços de responsabilidade, à revelia dos mestres apenas protegidos pelos chefes de grupo e operários antigos que os deixavam fazer por reconhecerem neles habilitações para tal.
    Por estas razões mais que injustas, pois não tinham a culpa das grandes desatenções de Oliveira Salazar, que não exigia essa obrigatoriedade escolar, que Filinto Silva se lembrou de propor à direcção da Fábrica a criação de um curso primário para esses funcionários, afirmando mesmo que era apenas a burocracia que inibia essa gente de subir de posto no seu emprego e obviamente passarem a auferir ordenados mais elevados porque o serviço já vinha a ser feito há muito tempo e com reconhecida capacidade.
  A direcção da Fábrica aprovou a ideia e o grande defensor dos trabalhadores fabris, lembrou-se de convidar o professor Manuel Vaz, seu vizinho e amigo, para dirigir esse curso nas instalações do Grupo Recreativo de Tercena, que tinha criado, recentemente um posto escolar na sua nova sede social inaugurada em 1938.
   Aquele local vago na colectividade destinava-se a uma extensão dos bombeiros indicada e subsidiada pelo grande benemérito Álvaro Vilela, administrador do Banco Espírito Santo, mas como essa ideia causara uma grande polémica junto dos Bombeiros de Barcarena, o comendador, que tinha dado uma grande ajuda para a construção do edifício, determinou então que aquele novo espaço se destinaria à escola primária, o que a Câmara Municipal de Oeiras de imediato aproveitou já que o ensino escolar em Tercena, andava de casa em casa e sem as mínimas condições.
  Naquele novo espaço tudo era diferente, pois havia condições, vestiário, casas de banho e assim começou a funcionar em 1945 e foi para essa escola que os funcionários da Fábrica da Pólvora se dirigiam depois das cinco horas, após as crianças saírem da aula, para aprenderem a ler sob a bitola do grande professor Manuel Vaz.
    Foi estabelecido um curso acelerado, pois era necessário por aquela gente a ler o mais rapidamente possível e durante quatro anos, o tempo que demorou aquela notável iniciativa, os funcionários da Fábrica da Pólvora viram o seu problema resolvido, embora de dois em dois anos, saíssem funcionários com a quarta classe feita, e assim foram muitos que durante aquele tempo aproveitaram, estudaram, aprenderam a ler e escrever e ao cabo de dois anos tinham o tão desejado diploma da quarta classe na mão.
    Foi extraordinária a acção de Manuel Vaz, pois se muitos eram de difícil compreensão, a grande maioria aprendeu facilmente, e foi assim que em cursos de dois anos, os trabalhadores conseguiram o seu diploma que, de imediato, entregues na Fábrica, viam os seus ordenados aumentados.
    Depois de prestarem provas de capacidade profissional, os serventes ascendiam à categoria de ajudantes ou operários, mediante as provas dadas ao Mestre Instrutor Francisco Assis Mafra, que coordenava o serviço de pólvoras da Fábrica de Barcarena.
    Muito antes da guerra de Espanha, nos anos trinta, ninguém entrava para o serviço de pólvoras sem dar provas cabais de saber lidar com o explosivo e os cursos ministrados eram exigentes distinguindo-se nessa época, Pedro Barreiros, vulgarmente conhecido pelo “Pedro da Rosa”, que foi considerado o mais completo operário polvorista, gabado por toda a gente, mas depois, por questões políticas, foi obrigado a abandonar a fábrica e perder o seu emprego o que bastante o prejudicou.
   Na escola de Tercena recordamos pessoas da terra, como o Merciano Luís Dias, conhecido pelo “Sete” que ali aprendeu a ler e passou de imediato a operário, acabando por sua infelicidade, morrer em 1956 numa explosão.
     O Emídio da Mira, o Armando da Rosa, o Garibaldi e tantos outros homens que ali estudaram viram as suas vidas melhoradas, pois ganhavam vinte e oito escudos por dia e logo depois de terem apresentado o diploma escolar, passaram a ganhar muito mais.
   Assim, os ajudantes passaram a receber trinta e oito escudos e os operários quarenta e oito o que era um aumento significativo, e desta forma muitos viram suas vidas bastante melhoradas.
   Manuel Vaz foi considerado um santo para toda essa gente, porque se não fossem as suas aulas, esses funcionários analfabetos jamais veriam mudanças em suas vidas, porque a partir dessa altura, só entrava para a Fábrica gente com um mínimo escolar, nesse tempo, 3ª classe, mas com o passar dos anos o grau de exigência foi aumentando e os trabalhadores antigos, já com muitos anos de casa, não tinham possibilidades de estudar, uma vez que não existiam cursos nocturnos para eles frequentarem e isso, na realidade muito se ficou a dever a Filinto Silva que era funcionário superior da Fábrica da Pólvora e um grande amigo de toda essa desprotegida classe operária.
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