quinta-feira, 11 de julho de 2013

História do povo de Tercena

GENTE QUE JÁ DESAPARECEU DE ‘TORCENA’
      É sempre bom recordar o passado e sobretudo louvar as pessoas que tivemos o prazer de conhecer e que, pelas suas características, influência e forma estranha de vivência na vida social da terra, merecem hoje esse tributo, já que, no tempo em que viveram, nada lhes foi agradecido, e muito menos reconhecido.
   Gente pobre, de trabalho, mas ordeira e respeitadora, sacrificando-se muitas das vezes apenas para ajudar o seu conterrâneo e só isso já era um feito de tal ordem importante que merecia os nossos elogios, as nossas palavras, simples é certo, numa sincera homenagem, que bem poderá causar impacto na sociedade actual, esta, bem ao invés, interes-seira, pouco reconhecedora, desinteressada e até pouco participativa, que por muito que fizesse, jamais conseguiria su-perar os nossos antepassados.
      Num périplo cerebral, lembramos no Bico o velho Manjerico, homem dedicado ás cegadas, às danças etnográficas e à arte de bem representar e reconheça-se ter sido um grande interprete, vocação que acabaria por ser transmitida a suas filhas, que seguiram os passos de seu pai, embora não com tanto ênfase, mas de facto de forma evidente, a ponto de quando em quando serem recordadas, como tem acontecido com a Maria Cândida e a Lubélia Freire.
   Ainda no Bico, não podemos esquecer a Carlota Barreiros felizmente ainda viva, mas internada num hospício há imensos anos, mas que nos seus tempos de jovem teve papel preponderante nos teatros e danças etno-folclóricas que se realizavam na localidade.
  Seu pai o bem conhecido Pedro da Rosa, foi um exímio operário polvorista da Fábrica da Pólvora, mas depois, passado um mau momento de sua vida, dedicou-se à venda e compra de ferro velho, mas jamais desviando-se da sua conduta, tendo sido um excelente homem, pai de um grande número de filhos, e sempre de cabeça erguida para, na companhia de sua sacrificada esposa, a ti Jerónima, tudo fazer para que nada lhes faltasse, enquanto crianças e numa época em que a vida estava seriamente má no nosso país.
     No lugar de Torcena, conhecemos gente como o senhor Shazel, nome de origem alemã, mas bem português e amante da terra, que fabricava sombrinhas de senhora, assim como o senhor Américo de Carvalho, ligado à “Cartucheira” fábrica que funcionava no Bico, que acabaria por ser igualmente um grande e activo associativista, um dos fundadores do Grupo Recreativo de Tercena, conjuntamente com outros conterrâneos, como foi o merceeiro Duarte Silva, Filinto Silva, Libertário da Silva Freire entre muitos outros.
   Recordamos ainda o José da Silva, mais conhecido pelo “Contramouco”, que andou na Guerra de 1914, pai da Albertina, uma rapariga especializada em revista à portuguesa, fundamental nas danças folclóricas e uma excelente colaboradora, que acabaria por falecer ainda nova devido a problemas pulmonares.
   Mas fugindo um pouco às pessoas ligadas ao associativismo, não podemos esquecer a velha Carolina Chaves com a sua exótica forma de viver, vestindo de forma estranha e misteriosa, assim como o senhor Alarcão que morava no casal das Andorinhas, cujo filho, o menino Hugo, não se importava de trocar os seus mais ricos e caros brinquedos por aqueles que os locais, gente pobre, usavam, como as latinhas de conserva a fazer de carroças e os bois moldados nos arames ferrugentos que sobravam das debulhas, próprios para prenderem os fardos da palha de trigo que na eira do Manuel Roque eram debulhados.
    Lembramos ainda a Carolina Portas que morava num quarto alugado ao Lino da Silva, mesmo junto ao Grupo Recreativo de Torcena, uma senhora que, apesar da sua avançada idade ainda vendia roupas e dotada de um excelente bom gosto, talvez por frequentar amiudadamente a capital e ali ver montras bem recheadas de novidades e modas novas, trazendo-as para as jovens da terra comprarem e pagá-las a prestações.
     A ti Antónia e o ti Paulino familiares do velho “Calmaria” que tinha a mercearia no lugar, que mais tarde fora herdada pelo seu filho Duarte Silva, mais conhecido pelo Lagarto.
    O ti Paulino era colaborador do merceeiro e nada podia faltar à sua burra, a Balbina que, para além de acartar as bilhas da água todos os dias, desde a fonte à mercearia, lá ia todas as semanas à estação de caminho de ferro buscar as mercadorias que o Lagarto trazia da capital.
  O Ti João André, o Ti Raimundo, pai do Zé Barbeiro e do ti Arménio que viviam no caminho que dava para a fonte.
   O capitão Silveira, que sem ter grandes funções na vida social local, foi um homem que sempre defendeu os interesses da localidade onde vivia e sobretudo respeitando e colaborando, embora de forma modesta, com as iniciativas da colectividade local.
  O Raúl de Matos mais conhecido pelo Narra, homem obcecado pela sua quinta na calçada da Susana, que comunicava com o lugar do Bico, muito agarrado à sua vida e aos seus dinheiros, polémico e parecendo querer ser dono de tudo, especialmente das águas que sobravam do chafariz para regar a sus hortas, criando sempre grandes problemas com os locais.
    O velho Abílio, homem muito dedicado aos seus petiscos que fazia na barraca mesmo junto ao chafariz da terra onde passava os dias depois de reformado, conhecido pelo “Abílio das Caldeiradas”, também entregue à horticultura, sempre preocupado com as ovelhas do seu vizinho João de Peles, que, para beberem agua nos bebedouros de madeira criados de propósito para o gado saciar a sua sede, mesmo junto ao espaço que amanhava, já que por vezes iam até aos frescos legumes e era logo motivo para o Abílio desavir-se com o “Siga à Dança”, pastor do Peles, mas zangas de pouca monta, sanadas à tardinha com um “copo” na taberna do António da Rosa.
     O Manuel Maria, casado com a “ti Angélica” pai do João do Bico. Um ferroviário, que nas suas horas de folga se dedicava acerrimamente à caça nas férteis terras de Cabanas, onde ela abundava.
   A “Pipa”, lavadeira famosa que contratava raparigas da terra para as colocar, já naquele tempo, numa bem estruturada empresa de lavandaria.
  Angariava as suas freguesas na capital e punha as empregadas a lavar roupa no tanque da Quinta do “Marques Café”, no lavadouro da Fonte e até na ribeira de Barcarena, onde as suas água límpidas corriam abundantemente no lugar do Bico, desde Almornos a Caxias.
   Mesmo junto à colectividade lembramos o Alberto Silva, ligado ao Grupo Recreativo de Tercena, empregado na Companhia dos Telefones, um homem muito metódico, e conservador, pois guardava na cave de sua moradia tudo quanto encontrava na rua, fosse velho ou novo, dizendo e com alguma razão, “não serve agora mas mais tarde tem sempre aplicação”, uma verdade indesmentível que hoje as novas gerações desprezam por completo.    
    O Armando Pires, vulgarmente conhecido pelo “Farman”, guarda da Fábrica da Pólvora, que foi um grande amante do associativismo, celibatário até muito tarde, natural de Leceia mas que Tercena, onde vivia seu pai, o velho Alfredo Pires, carpinteiro e igualmente funcionário daquela unidade fabril, zelava pelos interesses da sua segunda terra.
  O Jacinto Farinha, que vindo do concelho do Entroncamento aqui se radicou, acabando por ser empregado da Fábrica da Pólvora enquanto viveu em Tercena.
    Veio para esta localidade com a sua família e propor-cionando uma nova vida à terra com a sua familiar e improvisada fabri-queta de foguetes, trabalho que aprendera com esmero na sua terra, Barquinha, à beira de seus irmãos e viera dar mais vida às localidades do concelho, com a alegria do ribombar dos seus morteiros e foguetes, anunciando as festas que por aqui se faziam.
   Lá ia ele, ou o filho montado na sua velha “pasteleira”, levar dúzias e dúzias de foguetes aos clientes dos mais distantes lugares do concelho de Oeiras, Sintra e Cascais.
     Muitas mais pessoas por aqui passaram, fizeram suas vidas, criaram história, deixaram obra, mas desapareceram, cumprindo religiosamente a lei da vida, consoladas apenas com o singelo reconhecimento das gentes de sua condição social, nem sequer bafejados com as preces divinas, por a capela de Santo António à muito ter sido profanada, mas cônscios de que, enquanto vivos, tiveram uma acção meritória, no desenvolvimento social, educacional e associativo desta terra, que  foi sempre madrasta para os seus filhos e uma extremada mãe para todos aqueles que  entenderam aqui pousar e fazer parte de suas vidas.
    “Gente, que afinal, já desapareceu de Torcena”, mas que jamais poderá ser olvidada, pois foi ela que se sacrificou, suportou os horrores de uma ditadura longa, para hoje se poder viver numa tremida paz e sossego, devido as expectativas de uma especialíssima noite de Abril, não terem resultado a contento de todos, já que mal e tardiamente tem dado alguns frutos, que parecem agora perderem-se com as exigências de uma inventada e astuta Toika, agarrada a pedra e cal a um governo que demonstra possuir mais vontade de regressar aos tempos terríveis e “salazarentos” de outrora, que dar força e ânimo à democracia que os capitães de Abril, com tanto gosto, sacrifício e vontade tentaram implantar neste privilegiado país, concebido à
 beira mar e inundado por um sol que a todos parceiros da Comunidade Europeia e não só, faz grande inveja.
&&&
   




1 comentário:

  1. amigo Fernando Silva tive grande gosto em compartilhar esta publicação no Facebook. Minha homenagem ao Centenário de nascimento de vosso pai, Filinto Silva.

    ResponderEliminar