quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Santa Bárbara Padroeira dos Polvoristas

A FESTA DE “SANTA BÁRBARA” NA FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA

      Na Fábrica da Pólvora de Barcarena, após a entrada da nova gerência belga, em Novembro de 1951, o novo director Simon Armand Jonet, por ser uma pessoa muito religiosa, criou a festa dedicada a Santa Bárbara, no dia 4 de Dezembro, para que o pessoal se encontrasse e manifestasse a sua fé, apelando à Santa à desejada protecção.
 Ele também tomou essa atitude, depois de saber que os trabalhadores de Barcarena, não eram muito dedicados à igreja e talvez no sentido de os habituar e também para dar satisfação a muitos outros que, ao invés, gostavam da religião, criou a festa de Santa Bárbara dentro da Fábrica, com missa quase obrigatória para todos, embora se soubesse que nem toda a gente a ela assistia.
   Também é verdade que nunca se tinha comemorado aquela data, dentro da Fábrica, contudo constituiu uma grande novidade para todo o pessoal, que nesse dia, raramente faltava, pois para além do convívio com os seus camaradas de trabalho, havia sempre uma salutar troca de assuntos e sobretudo recordava-se os velhos amigos, muitos já desaparecidos, aproveitando-se o almoço oferecido pela direcção, que era sempre bastante diferente daquele que se comia ao longo do ano no refeitório.
     Só isso era uma inequívoca razão para não se faltar, pois a vida estava ainda muito difícil, pois a II Guerra Mundial tinha terminado há escassos anos e as pessoas começavam agora a organizar melhor as suas vidas e depois também tinham receio que a sua ausência fosse notada e por isso, pusesse em questão o seu emprego.
    A primeira festa em honra de Santa Bárbara realizou-se em 1953, depois da entrada em funcionamento da Companhia de Pólvoras e Munições de Barcarena, e a mesma teve lugar no espaço fronteiriço à garagem, logo a seguir ao portão de entrada do reduto sul .
     Foi aí que o padre João rezou missa, pela primeira vez num espaço ornamentado pelo falecido Artur Costa Ramos, que passaria a ser chamado todos os anos para ornamentar o improvisado altar, decoração que era sempre muito louvada pelo esmero aplicado por aquele profissional.
    A primeira ficara muito bem, e muito especialmente a esposa do Director da Fábrica Madame Jaqueline ter manifestado o seu encanto pela decoração apresentada, o Costa Ramos passou a ser uma pessoa solicitada, quer para aquela finalidade, quer até para a realização dos funerais das vítimas que se viriam a registara em explosões durante o seu mandato.
     Costa Ramos era armador fúnebre e como o Filinto Silva, empregado administrativo da Fábrica o conhecia bem, das suas iniciativas na colectividade de Tercena, aconselhou a direcção no sentido dele executar aquele trabalho e o futuro ficou garantido, daí que tivesse sido sempre ele a ornamentar os espaços onde se realizava a missa, matinal.
  Dois anos depois, o altar foi adaptada no interior de uma oficina junto à secção de pesagem de pólvoras, precisamente no local onde em 1933 tinham morrido uns tantos empregados e nesse ano, a missa teve um significado muito especial, bem revestida de emoção, pelo menos para os mais antigos, pois recordaram-se e bem, o quanto tinham sofrido aqueles companheiros, uma vez que não morreram no acto da explosão, mas sim por falta de socorro, já que as portas da oficina, erradamente abriam para dentro e com o atrito da explosão, os lixos provenientes acabaram por se acumular junto à porta de saída, impedindo-a de se abrir e os homens acabaram por morrer queimados pelas chamas.
    Foi muito doloroso para os que estavam do lado de fora, porque ouviam as suas arrepiantes súplicas para que os salvassem e tudo foi tentado no sentido de se abrir as portas, mas nada foi possível para que as mesmas se escancarassem, até que morreram com as unhas cravadas na madeira, como depois se viria a verificar.
     As festas dedicadas a Santa Bárbara juntavam sempre um grande número de empregados, conjuntamente com os administradores e directores, pois esses nunca faltavam, reunindo-se depois em reforçado almoço na cantina do pessoal.
  Houve anos em que Fernando Silva, dedicado ao teatro na sua colectividade, realizava espectáculos, de pouca duração, e isso também teve alguma importância, pois a componente cultural juntava-se à festa e esta tinha nesses anos, um maior ênfase.
   Quando a Fábrica deixou de pertencer à administração belga, passando a ser governada, já nos seus últimos anos de existência, pela administração agora a cargo da INDEP – Indústrias Nacionais de Defesa E.P., a festa foi esquecida, contudo depois daquela unidade fabril ter sido adquirida pela Câmara Municipal de Oeiras, e ficar livre dos perigosos fabricos de explosivos, Isaltino Morais revitalizou aquela reunião consagrada a Santa Bárbara em 1988, e convidou os antigos empregados a reunirem-se naquele dia e assim tem acontecido até aos dias de hoje, pese embora nestes últimos anos seja a Junta de Freguesia de Barcarena a tomar conta desta importante iniciativa, pois bem se reveste de uma acção social, para que os velhos funcionários se possam encontrar, conversar e afinal recordar as suas histórias enquanto foram empregados.
      É feita uma romagem ao cemitério de Barcarena, com deposição de flores nas campas dos falecidos em sua honra, e depois na Fábrica da Pólvora, segue-se o almoço de confraternização, mas notando-se que, de ano para ano o número de operários tem diminuído, facto que se considera normal, pois o peso da idade e o passar dos anos, não se compadece da vontade de cada um e é raro o ano que não se dê pela falta de alguns funcionários antigos, por terem entretanto falecido.
  A festa dedicada a Santa Bárbara foi por isso sempre considerada um acto de solidariedade para com as vítimas das explosões, e um dia socialmente vivido, com os antigos funcionários, aqueles que ainda felizmente sobrevivem, para que a memória daquele importante local de trabalho não seja esquecida, embora se saiba que não há ninguém que ali tivesse trabalhado que não esteja marcado com o desaparecimento de um seu familiar e é neste aspecto que a reunião se torna mais importante, pois muitas das vezes é sobre esses desaparecidos que as conversas mais incidem, recordando-se os seus bons momentos e afinal a desgraça que obtiveram, pois no lugar deles, bem poderia estar qualquer um dos que ainda felizmente vivem.
     A fábrica que antes era detestada por toda a gente, mas louvada pelo pão diário que proporcionava a centenas de pessoas, hoje continua a ser recordada pelos seus maus momentos, aquando das terríveis e devastadoras explosões, facto que consideramos ser errado, porque afinal, dentro daquele estabelecimento fabril, também se passaram momentos agradáveis, não só com este dia de Santa Bárbara, mas com outros, porque as explosões nem sempre aconteciam e a vida teve de ser sempre vivida ao longo dos 448 anos de existência daquela unidade fabril.
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