segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Como se aprendeu a ler em Tercena

O ensino Primário em Tercena

I Parte


  (Este trabalho foi dividido em duas partes, continuando na próxima semana)
       Tercena, foi sempre uma localidade onde o ensino primário, jamais foi descurado, no entanto, bem poderia ter tido melhores instalações para os seus alunos.
     Logo no início do século XX, o ensino das primeiras letras fora introduzido no pequeno lugar de Torcena e funcionou por iniciativa de diversas pessoas interessadas em que as crianças não crescessem analfabetas como a maioria de seus pais, instalando-se em casas particulares e isto porque, não só o número de alunos era muito reduzido, como também a Câmara Municipal não se mostrava disponível financeiramente para construir uma escola na minúscula localidade.
   No entanto houve uma altura em que os alunos se obrigavam a caminhar diariamente de ida e volta para a escola de Barcarena, único local de ensino.
    Muitos dos alunos eram conduzidos pelo professor Manuel Vaz, que vivia em Tercena, dava ali aulas e então faziam-lhe companhia naquele trajecto de dois quilómetros de ida e volta.
  O Professor Vaz era um verdadeiro exemplo para os alunos, pois para além de ser um grande professor, austero, mas com grandes capacidades intelectuais, dava uma instrução às crianças como ninguém, embora por vezes fosse preciso utilizar a”menina dos cinco olhos” como ele dizia, quando se referia à régua com que dava palmadas aos alunos.
   O Professor Vaz fora aluno, nos seus tempos de criança na Casa Pia, onde se obrigara a estar internado, mas o seu grande amor pelos estudos, levou-o a singrar de uma forma tal, que acabaria por se formar e mais tarde ser professor nessa mesma instituição.
    Foi aí que veio até Barcarena, onde criou igualmente uma forma de estudo, exemplar, tornando-se notória a sua acção, pois para além das suas qualidades como professor, acrescia ainda o facto das suas boas atitudes humanas.
 O professor, promovia sorteios, de bolos e lembranças que comprava de seu próprio dinheiro, entre os pais dos alunos, rifas que os alunos se obrigavam a vender, para promover excursões didácticas e muitas foram as que ele organizou com os alunos com a ajuda de sua mulher, a D. Mariazinha.
    Braga, Porto, Viana do Castelo durante seis dias, Jardim Zoológico, Jerónimos, Torre de Belém, entre muitos outros locais para lhes mostrar nos próprios locais aquilo que lhes ensinava, por isso ficou demarcado como o melhor professor que passara por Tercena e Barcarena nos anos trinta e quarenta.
  Morava em Tercena e criou ainda na Escola Primária do Grupo Recreativo de Tercena, um curso de alfabetização, dedicado aos operários da Fábrica da Pólvora, onde eu acabei por ser o seu ajudante, já que andava nessa altura na quarta classe e isso ajudou-me bastante a reforçar os meus conhecimentos naquele último ano de escolaridade obrigatória.
   Tinha de haver um certo voluntariado por parte dos professores, num período em que em Tercena não havia escola e devido a essa grande carência e a enorme inoperância por parte da autarquia de não oferecer uma escola digna ao lugar de Torcena que de dia para dia ia crescendo, um grupo de pessoas bem colocado na vida, sob o comando do famoso bancário e benemérito Álvaro de Vilela, morador no bairro da Estação de caminho de Ferro, onde a elite tercenense habitava, criou o “Grémio Escolar de Torcena”, logo no início da segunda década do século XX.
     O Grémio tinha grande dualidade de serviços, pois não só servia de casa de espectáculos, como o ponto de encontro dessa gente, efectuando-se magnas reuniões entre os seus sócios, reservado quase em exclusivo a estes e seus amigos, para a mostra e realização de eventos ligados, na sua grande maioria, à cultura.
       Todas essas pessoas que faziam parte da instituição estavam bem colocadas na vida, com bons empregos e faziam questão de concentrar ali as crianças que pretendiam aprender a ler, e neste capítulo, já era extensivo a todas que vivessem na periferia do lugar, admitindo por isso, filhos de pais trabalhadores moradores em S. Marcos, Torcena, Massamá e até de outros lugares mais distantes.
     Fora uma grande instituição, pois os sócios mantinham os professores com uma grande ajuda, obviamente, vinda quase por inteiro, da casa bancária e a sua administração, era assegurada por aqueles senhores que, devido à diferença social, pertencente nitidamente a outro extracto da sociedade, não mantinham um bom relacionamento com os habitantes de Torcena, gente de trabalho, pese embora estudassem lá os seus filhos.
    Talvez por estas desinteligências, que de quando em quando causavam grandes atritos e divisões entre várias famílias da terra, pois muitos asseguravam que havia uma certa discriminação, por se tratar de gente de trabalho, com dificuldades, criou-se um local onde as crianças de Torcena pudessem aprender a ler e escrever sem necessidade de recorrerem ao Grémio Escolar, sobretudo as que mais necessitassem, cujos pais se encontrassem mais renitentes com a escola da Estação.
     Devido a esta questão, foi escolhido na década de trinta, um espaço que passou a funcionar como escola provisória, primeiro num primeiro andar existente quase ao lado da taberna do “António da Rosa”, mesmo no final da Av. de Santo António, ladeando com o “Canto” do “ti” João de Peles e depois, mesmo no centro dessa artéria, continuando a ser uma escola improvisada, por a Câmara Municipal apenas manter as oficiais de Queluz de Baixo, e Barcarena e o Grémio ser uma instituição privada.
     Os restantes lugares da freguesia, por serem muito pequenos, não possuíam escolas oficiais, funcionando apenas reduzidos Postos Escolares, agregados a escolas oficializadas, neste caso, Tercena, dependia de Barcarena.
     Nesta conformidade, existia em Tercena um Posto Escolar, cuja professora era a esposa de Crisóstomo Gonçalves, funcionário superior da Fábrica da Pólvora de Barcarena, que aproveitando a oportunidade, colocou em Tercena a sua esposa a D. Alice Gonçalves que morava numa das habitações pertencentes àquela unidade fabril, ao lado do Mestre João Gonçalves, a escassos metros dos serviços administrativos, acabando por ficar para ambos uma vida muito mais económica por viverem junto ao local de emprego.
   Mais tarde foi colocada nessa escola a professora Maria Helena de Carvalho Veloso, e foi no período desta professora que o Posto Escolar, que funcionava sob o apoio da autarquia, se transferiu para outro local da localidade.
    Falava-se insistentemente que iria ser construída uma Escola em Tercena, porque o número de alunos aumentava de ano para ano e isto, porque após a Guerra Civil de Espanha, foram colocados muitos funcionários na Fábrica da Pólvora e a população do lugar aumentara consideravelmente, número que tendia a um substancial crescimento demográfico, devido ao facto de estar eminente um novo conflito mundial, como acabara por acontecer com o deflagrar da II Guerra Mundial precisamente no ano em que terminara o conflito interno espanhol.
    Assim, na primeira metade da década de quarenta, o Grupo Recreativo de Tercena, que tinha acabado de construir a sua sede social, encontrou o benemérito Álvaro Vilela a manifestar grande vontade de criar na terra uma extensão de Bombeiros, tomando em consideração o quartel já existente em Barcarena e dando colocação a um grande número excedente de material de incêndios que possuía na sua Quinta de “Santo António”, no Bairro da Estação.
   Chegou a haver na sua própria residência, uma escola de bombeiros, tendo em vista o que ele pensava adaptar no colégio interno “Orfanato de Santa Isabel” em Albarraque, instituição apoiada a cem por cento pelo Banco Espírito Santo, mas depois de instalados todos os serviços, aquele material excedera e como estava a mais na sua quinta de Tercena, resolveu doá-lo à colectividade que acabava de construir a sua sede social e inclusivamente preparada também, não só para a vertente cultural e recreativa, como para fins humanitários e sociais.
     Assim, o edifício sede do Grupo Recreativo de Tercena foi construído a pensar nessa mesma extensão, contudo as polémicas com os Bombeiros de Barcarena foram de tal ordem fortes e contínuas que o benemérito, administrador do Banco, acabou por desistir, por não querer desavenças com os bombeiros da freguesia, por francamente também os apoiar.
    A renitente direcção dos Bombeiros entendia que aquela extensão viria enfraquecer a sua corporação, por esta ter sido sugerida pelo grande benemérito e depois de consolidada, este abandonar Barcarena e ficar apenas dedicado a Tercena e isso causava grandes discussões, criando-se mesmo uma enorme rivalidade entre o povo de ambas as localidades, que perdurou até quase aos nossos dias.
  Uma vez que o benemérito desistia da ideia por não querer problemas entre as duas colectividades, a ampla sala do Grupo Recreativo de Tercena que ficara preparada para receber obras finais, tendo em vista o quartel de bombeiros, criada inclusivamente para recolha e aparcamento das respectivas viaturas e serviços, foi aproveitada para se instalar o tão necessário e prometido “Posto Escolar de Tercena”.
    A Câmara Municipal de Oeiras aprovou a ideia e em Outubro de 1946, a escola, sita na Av. de Santo António, deixou ali de funcionar passando para a sede do GRT, cujas instalações eram modelares e com mobiliário novo e sobretudo moderno.
     As velhas instalações escolares, que há muito andavam a ser cobiçadas por pessoas que entretanto procuravam Tercena para nela habitarem, acabaram por ser ocupadas, por uma família pobre e com gente em dificuldade, conhecida pela “Tia Águeda do Marú”, uma pobre mãe que vivia com dois filhos deficientes, o Afonso e o Marú.
    Mais tarde, com a morte destes, a casa foi alugada à família “Mira” e posteriormente ainda a outras pessoas, mas jamais sofrendo qualquer alteração até aos dias de hoje.
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Fim da 1ª Parte





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